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​Pesadelo na cozinha? Restaurantes portugueses defendem-se: “damos 10-0” ao resto do mundo

28 abr, 2017 - 14:51 • Ricardo Vieira

Programa da TVI pôs muitos a imaginar como serão as cozinhas dos restaurantes que frequentam. O sector garante que podem estar “100% descansados”, mas um inspector da ASAE diz que há quem pague cherne e coma perca.

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Um chefe conceituado e sem papas na língua mostra todos os domingos, na TVI, os bastidores de restaurantes portugueses em dificuldades. E algumas imagens são de dar volta ao estômago. O programa de entretenimento “Pesadelo na Cozinha” registou altos níveis de audiência e pôs a higiene da restauração no menu das conversas de muitos portugueses.

Afinal, podemos estar descansados quando vamos almoçar ou jantar fora? “100%”, “damos 10-0” ao resto do mundo, garante o secretário-geral da Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP), José Manuel Esteves. Os funcionários da ASAE dizem, contudo, que muitos empresários optaram por enganar os clientes para contornar os efeitos negativos da crise.

Portugal “é o país mais seguro do mundo em higiene e segurança alimentar, em saúde pública nos estabelecimentos de restauração e hotelaria”, garante José Manuel Esteves.

Sobre o programa televisivo do chefe Ljubomir Stanisic, o secretário-geral da AHRESP considera que retrata “o oposto do que acontece em Portugal”. Aqueles restaurantes (entre os quais o lisboeta Canela que, como a Renascença noticiou, viu a sua actividade suspensa pela ASAE) “são as excepções que provam a regra”, garante.

O dirigente da AHRESP reconhece, contudo, que “muitos estabelecimentos”, “massacrados nos últimos quatro anos de austeridade”, reduziram a qualidade. Mas são a excepção, assegura. São, aliás, estes restaurantes que “Pesadelo na Cozinha” destaca, defende José Manuel Esteves.

Há estabelecimentos que “passaram um mau bocado e ainda não conseguiram respirar”, mas a AHRESP diz que os consumidores podem confiar totalmente num sector que segue as “melhores práticas” e que anualmente é alvo de dez mil inspecções da ASAE.

Comer perca por cherne e pota por polvo

Bruno Figueiredo, presidente da Associação Sindical dos Funcionários da ASAE (ASF-ASAE), conhece a realidade no terreno. Como funcionário daquele órgão de polícia criminal, já viu casos “grotescos” que, na maior parte das vezes, não chegam aos olhos e ouvidos da opinião pública.

“Vemos restaurantes – e dou os exemplos de Lisboa e do Porto, que são os que têm mais movimento – onde os géneros alimentícios que o consumidor julga que está a consumir são totalmente distintos. O polvo não é polvo, é pota; o cherne não é cherne, é perca; o azeite já deixou de ser azeite; o vinho verde deixou de ser vinho verde – para além daqueles casos mais flagrantes dos hambúrgueres de carne de vaca que não têm carne de vaca”, relata.

Para o presidente da ASF-ASAE, o aumento do IVA da restauração, nos anos da troika, e a queda do número de clientes levou muitos empresários a seguirem estas irregularidades. “Muitas vezes, a forma de se adaptarem quando os recursos financeiros são escassos, no fundo, é aldrabarem”, admite.

Essas fraudes “vão crescendo”, alerta Bruno Figueiredo. “Com o pouco dinheiro que tem, [o empresário] procura manter aquilo que vinha de trás, mas, sem essa capacidade, inventa.”

Por outro lado, “está a crescer um sentimento de laxismo em alguns operadores económicos”, defende. O motivo? Pode estar relacionado “com a falta de visibilidade da ASAE”, que devia “ter mais operacionais no terreno”, defende.

Onde pára a ASAE?

Contra as generalizações, o inspector-geral da Autoridade para a Segurança Alimentar e Económica (ASAE) deixa uma “palavra de tranquilização” aos portugueses, seguida de muitos números para provar que o organismo que chefia está atento e actuante.

Segundo Pedro Portugal Gaspar, cerca de 10 mil estabelecimentos de restauração e bebidas foram fiscalizados no ano passado e idêntico número em 2015.

Nesse universo, “em 2015, houve 370 suspensões de actividade” neste sector, cerca de uma por dia. Em 2016, esse número baixou para 297 e, no primeiro trimestre de 2017, um total de 79 estabelecimentos foram encerrados pela ASAE.

Para a actividade de um restaurante ser suspensa, os inspectores têm de detectar “uma gravidade relevante”, geralmente “associada a um problema de infracção de segurança alimentar e não económica”, como falta de licenças, avisos ou de livro de reclamações, por exemplo.

De acordo com a ASAE, o número de infracções na restauração tem vindo a subir na área económica. “Em 2015, houve um incumprimento de 15%. Em 2016, foi 17% e, no primeiro trimestre de 2017, foi de 19%”.

Em sentido contrário, os problemas de higiene e segurança alimentar estão a baixar. “Em 2015, [este tipo de problemas] tinha uma taxa de infracção de 15%, em 2016 e no primeiro trimestre de 2017 está nos 13%, uma redução de dois pontos”, que ajuda a explicar o menor número de encerramentos em relação a 2015.

Mas, para o presidente da Associação Sindical de Funcionários da ASAE, o sentimento de segurança pode estar em risco. Bruno Figueiredo dá exemplos de operações com taxas elevadas de incumprimento e encerramentos.

“Em Lisboa, no ano passado, foi feita uma operação na área da restauração e, em 50 e poucos operadores, 17% tiveram a actividade suspensa. Estamos a falar de um operador em cinco que foram encerrados por falta de condições de higiene. Em Nazaré e Tróia, também em Setembro do ano passado, uma operação idêntica teve os mesmos resultados e, recentemente, em Lisboa também houve uma taxa de incumprimento nesse sector de 58% e, novamente, uma taxa de suspensão bastante elevada. Houve oito estabelecimentos, um deles era um dos que foi visionado no programa de televisão Pesadelo na Cozinha [o Canela], que foram encerrados”.

Confrontado com o número de suspensões de actividade avançados pela ASAE, o secretário-geral da AHRESP considera-o residual em relação ao universo de 80 mil operadores existentes no sector da restauração.

Em 80 mil que existem em Portugal, estamos a falar de zero vírgula não sei quantos por cento. É mais do que sermos campeões do mundo”, atira José Manuel Esteves.

A Renascença tentou falar com Ljubomir Stanisic, mas não foi possível por razões de agenda do chefe sérvio residente em Portugal.

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