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Secretária de Estado dos Assuntos Europeus

"Não é um apoio do Governo a Macron. É uma preocupação com Le Pen"

27 abr, 2017 - 00:02 • Raquel Abecasis (Renascença) e David Dinis (Público)

Em entrevista à Renascença e ao "Público", a secretária de Estado dos Assuntos Europeus defende a posição do Governo português sobre as presidenciais em França perante a possibilidade de eleição de uma candidata de extrema-direita. Margarida Marques diz que o independente Emmanuel Macron aproveitou a crise dos partidos tradicionais e criou a ideia de que tem "um projecto diferente para a França".

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Emmanuel Macron é um candidato em quem se pode confiar para a presidência de França, defende a secretária de Estado dos Assuntos Europeus em entrevista à Renascença e ao jornal “Público”. Contente com a "responsabilidade" do PCP e BE, Margarida Marques diz que "a esquerda tem que assumir as suas responsabilidades".

O Governo português decidiu apoiar um candidato para a segunda volta das eleições presidenciais francesas. Não é um pouco arriscado tendo em conta que está tudo ainda muito em aberto?

Essa posição que Portugal, a Alemanha a Comissão e outros países manifestaram não é, digamos, um apoio a Emmanuel Macron. É uma preocupação relativamente a Marine Le Pen. E essa posição do Governo português tem a ver com a Europa, com o futuro da Europa e com a preocupação que a senhora Le Pen representa. E isso não é só uma preocupação nossa, é uma preocupação dos franceses. Repare como na noite das eleições houve uma reacção muito forte de, praticamente, todos os restantes candidatos no apoio a Macron.

Na primeira volta, houve um apoio muito forte a candidatos eurocépticos. Se fizermos as contas com os candidatos menos importantes, esse apoio passa os 45% de votos.

Agora, temos dois candidatos: Macron e Le Pen. Macron é um defensor da Europa, é um homem que tem uma ideia da Europa muito próxima daquilo que é a nossa. É evidente que não basta um Presidente, tem que ter um Governo, mas é um candidato em quem nós podemos confiar relativamente ao futuro da Europa. E mesmo os grupos ou os partidos críticos da Europa, eles apoiam Macron na alternativa a Le Pen. A preocupação que existe é Le Pen poder ser eleita.

Ou seja, na prática apoiam Macron contra Le Pen?

Há uma posição clara de não querermos Le Pen. E é por isso que há partidos que, embora tenham um discurso crítico da Europa e eurocépticos, apesar disso eles apoiam Macron, por tudo o que Le Pen reflete.

Le Pen deu agora uma entrevista à TF1. Ficou mais descansada por o discurso dela ter, aparentemente, mudado um pouco?

Se o que pensa a senhora Le Pen fosse aquilo que ela reflectiu esta terça-feira na sua entrevista ficaria, mas não deixava de ficar preocupada e já explico porquê. Agora, o que a senhora Le Pen disse à TF1 não foi o seu discurso de campanha, não foi a linha política que ela seguiu relativamente à Europa durante a campanha. O que ela disse é que é europeia, gosta da Europa e que pretende negociar um acordo com a União Europeia. E que, se esse acordo for satisfatório, ela poderá aceitar; se esse acordo não for satisfatório, ela fará um referendo. Portanto, o que eu senti no discurso de Marine Le Pen agora foi um discurso que se procura adaptar ao reflexo do resultado das eleições na primeira volta. O que nós podemos é confrontar isso com aquilo que ela disse antes.

E é compatível?

Eu acho que não. É uma evolução no que diz respeito à posição relativamente à União Europeia.

Que não a deixa descansada?

Que não me deixa descansada. É uma tentativa de se adaptar a um discurso, que é o discurso dominante na primeira volta.

Mas, apesar de tudo, não é um pouco arriscado demais assumir já uma posição tão clara contra Le Pen? E se Le Pen ganhar?

Da mesma forma que muitos países manifestaram a sua preocupação relativamente às eleições presidenciais na Áustria, em que havia um candidato de esquerda e um candidato de extrema-direita. Felizmente ganhou o candidato do partido "Os Verdes". O mesmo aconteceu com o senhor [Geert] Wilders: nós afirmámos publicamente a nossa preocupação relativamente à possibilidade de o senhor Wilders poder vir a ganhar na Holanda. Não ganhou. Essa mesma posição temos relativamente à senhora Le Pen. É uma questão de princípio, face aos valores que a senhora Le Pen representa. Ela não representa aquilo que são os valores essenciais da Europa: os valores da liberdade, da democracia. A União Europeia tem que ser mais política e o facto de os governos da UE expressarem uma posição política, de recusa relativamente alguém que defende os valores que são contraditórios com os da União Europeia, é isso que é fazer política na União Europeia.

Se Le Pen for eleita Presidente de França, é possível esta UE negociar com ela?

Se Marine Le Pen for eleita será a Presidente dos franceses. E será com ela que a UE terá, necessariamente, de dialogar.

Viu a reacção do PCP e do Bloco de Esquerda aos resultados de domingo? Não sentiu ali uma equidistância perigosa?

Percebe-se que o PCP e o Bloco de Esquerda têm relativamente à UE uma posição diferente. Nós costumamos dizer que assinámos acordos com eles e também acordámos em áreas em que discordamos. No que diz respeito à Europa temos, de facto, posições diferentes. Relativamente à posição que têm sobre os resultados em França, evidentemente que eles têm total autonomia para expressarem essas posições. E eu não senti que fosse uma posição diferente daquela que o PCP e o Bloco costumam assumir. Mas acho que a esquerda tem que assumir as suas responsabilidades. E os valores da liberdade, da democracia, do Estado de Direito, a protecção das pessoas, têm que estar presentes no sistema político. É por isso que nós tomámos a posição que tomámos relativamente a França. E pensamos que os partidos de esquerda têm que defender os valores da esquerda, independentemente de qualquer função mais estratégica.

Gostaria de ter visto uma posição mais afirmativa do PCP e do BE?

Essa questão não se coloca assim. O que eu gosto de ver do lado da esquerda é que a esquerda defenda os valores que são os valores comuns da esquerda. Evidentemente que cada partido tem a sua identidade, tem o seu programa. Agora, o que eu sinto é que estes valores também são os valores do PCP e do BE.

O ex-candidato Jean-Luc Melénchon decidiu não apoiar nenhum dos candidatos na segunda volta e Marine Le Pen fez agora um cartaz de campanha explicando aos eleitos de Melénchon que as suas propostas são idênticas à dele em questões estruturais: a recusa dos tratados europeus, sair de Schengen, referendo à Europa, o proteccionismo económico, saída dos acordos de livre comércio, reformas aos 60 anos com 40 anos de trabalho e a defesa da manutenção das 35 horas de trabalho por semana. Os extremos tocam-se?

Marine Le Pen faz essas propostas, que ao mesmo tempo é interessante confrontar com as propostas de Macron, que é considerado, de certa forma, como um candidato do centro. Ele tem propostas, por exemplo, relativamente à escola, para as regiões desfavorecidas, como um suplemento salarial para os professores que lá vão dar aulas, ou uma redução do número de alunos por turma. Tem uma outra proposta relativa às empresas para que possam recrutar estrangeiros ou refugiados. São propostas que se situam no campo da social-democracia. Temos que sair do paradigma tradicional, daquilo que são a esquerda e a direita. Os dois candidatos que passam à segunda volta em França são os candidatos fora do sistema, estão fora dos partidos tradicionais. E isso é muito interessante.

A pergunta é se não reconhece nestes pontos que defendem Le Pen e Melénchon muitas coincidências programáticas com que defendem os parceiros do Governo português.

O que me enunciou nas propostas de Marine Le Pen e Melénchon é aquilo que eles não querem. São o "não programa". E o que é interessante é qual é o programa. E é disso que nós ficamos à espera.

Mas as pessoas têm votado em "não programas". Não reconhece pontos de contacto neste "não programa" com algumas propostas da nossa esquerda?

Isto é um bocadinho como o fenómeno do copo meio cheio ou meio vazio. Evidentemente que podemos estar ambas a falar da Europa, eu falo do copo meio cheio e fala do copo meio vazio. E dificilmente nos entendemos. Se calhar até pensamos as duas a mesma coisa sobre a Europa, mas estamos a dizer coisas diferentes.

Portugal tem evitado este caminho porque a esquerda (à esquerda do PS) está a melhor enquadrada?

Nós não temos evitado esse "não programa". Eu penso que esse “não programa” em Portugal é resultado da própria estratégia política da evolução da situação política em Portugal.

Hoje há um compromisso dos partidos à esquerda com o poder executivo?

Exactamente. Há um compromisso por parte dos partidos que nos apoiam, há um sentido de responsabilidade. Houve um sentido de urgência e é esse sentido de urgência que leva a que os partidos aceitem fazer um acordo com o PS. E isso levou-os a assumir um sentido de responsabilidade que tem impedido, até hoje, a emergência de movimentos populistas em Portugal.

É um seguro de garantia de não populismo em Portugal?

Há outros factores. Nós somos uma sociedade que é muito aberta e muito tolerante. Porque grande parte dos movimentos populistas noutros países tem crescido à custa de outros fenómenos fracturantes na sociedade, que a sociedade portuguesa não tem.

António Costa recebeu em Lisboa Benoît Hamon, o candidato dos socialistas franceses que acabou com apenas 6% dos votos dos franceses na primeira volta. Há uma crise na esquerda socialista europeia? Vemos que o Labour, no Reino Unido, também não está com intenções de voto brilhantes.

E o PASOK na Grécia, e os socialistas na Holanda. Há uma crise, primeiro, dos partidos tradicionais. Há também uma crise na social-democracia europeia, na medida em que os cidadãos atribuem também à social-democracia a responsabilidade por políticas de austeridade e políticas que têm criado situações difíceis e fracturas sociais.

Mas isso não justifica a votação em Macron, um candidato do centro, alinhado com as políticas europeias, vistas pela esquerda portuguesa como muito restritivas.

Mas é um candidato que rompeu com os partidos tradicionais.

Mas não com o liberalismo económico.

Mas criou a ideia de que tem um projecto diferente para a França. E o grande desafio que ele tem hoje pela frente é mobilizar e conjugar essa diversidade dos partidos que o apoiam. Porque a dificuldade que se vai pôr a Macron é, se for eleito Presidente, como é que vai constituir um Governo. Vamos ver quais são os resultados das legislativas, mas ele vai precisar de aliados. Eu penso que, apesar de tudo, é um bom sinal que o PS francês ter apoiado Macron, isso é um bom sinal para o futuro.

Comentários
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  • rosinda
    27 abr, 2017 palmela 01:52
    o joao oliveira diz que nao fez nenhum acordo de cama mesa e roupa lavada!

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