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Análise

25 de Abril sempre! Europa sim, assim não ou nunca mais

25 abr, 2017 - 17:15 • Eunice Lourenço

Discurso do Presidente foi consensual, mas partidos mostram diferenças sobre a Europa na cerimónia de aniversário do 25 de Abril.

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1 - Não gosto de fazer a cobertura jornalística da sessão solene de aniversário do 25 de Abril. Nunca gostei porque sou capaz de me comover com todas as intervenções, da esquerda à direita. E hoje as minhas preferidas foram as dos extremos.

Como Joana Mortágua, nasci num hospital público (embora antes do Serviço Nacional de Saúde), estudei na escola pública e não pertenço a uma geração ingrata; como Isabel Galriça Neto, tive um pai com memórias dolorosas da Guerra Colonial, acho que a protecção da vida é o alicerce dos direitos humanos e sou contra a eutanásia.

Dos dois extremos do Parlamento saíram os dois melhores discursos da sessão de 43º aniversário da Revolução. Ambas a falarem de esperança, mas Galriça Neto claramente com um discurso mais luminoso, a falar de gratidão, orgulho e responsabilidade. E de vida, de todas as vidas que valem a pena ser vividas. Joana Mortágua, mais sombria, a levar o horror de Alepo à tribuna, assim como os “muros de arame farpado à volta dos campos que prometeram que não voltariam a existir” e “o crescimento cada vez menos surdo da extrema-direita e da guerra”. A falar de um tempo em que os monstros “aparecem todos os dias na televisão”, em que tantas vidas parecem ter preço, em que é preciso lembrar, como fez Galriça Neto, que “proteger a vida e os mais vulneráveis será a melhor forma de garantir a promoção da dignidade e da liberdade” que este dia celebra.

2 - Esta terá sido das mais consensuais cerimónias de aniversário da Revolução. Tanto que todos os partidos, na reacção ao discurso presidencial, concordaram com Marcelo Rebelo de Sousa, ou pelo menos encontram partes do seu discurso em que se reviram. O PSD no apelo à transparência, o PCP na defesa de melhor distribuição de riqueza, o CDS na exigência de mais ambição, o Bloco na defesa da democracia …. ; todos no apelo a maior crescimento económico.

Nesta sessão foi até possível ver várias vezes aplausos cruzados entre bancadas. Mas também passou pelos discursos aquela que é a maior divisão na política portuguesa neste momento: a divisão à esquerda sobre a Europa.

Primeiro, Heloísa Apolónia, para quem a União Europeia tem sido um sério obstáculo à conquista de direitos sociais e ambientais. “Ao Governo português, nós Verdes, o que exigimos é que governe para as pessoas, para o desenvolvimento do país e que não esbarre na obsessão de números bem encolhidos para Bruxelas”, disse a deputada que levava não um, mas dois cravos ao peito.

Depois, o comunista Jorge Machado. “É urgente aumentar e distribuir melhor a riqueza produzida no nosso pais”, disse o deputado, que ouviria o Presidente repetir, quase palavra por palavra, o mesmo apelo. Mas Jorge Machado também pediu a renegociação da dívida “e o fim da submissão ao euro e às opções da União Europeia”.

Quase a seguir, Joana Mortágua. “Olhando hoje para a Europa, quem pode não reconhecer – não querer ver – que houve um projecto que falhou? Falhou porque submeteu a democracia aos mercados financeiros, falhou porque perdeu contacto com os direitos sociais e económicos dos povos, porque espalhou pobreza e desemprego, porque quis rasgar a constituição”, afirmou a deputada que acha que “o confronto com as imposições europeias, que é o mais difícil, ainda é o que está por fazer”.

Ali do lado, levantou-se Alberto Martins, o nome escolhido pelo PS para esta sessão. E, como que em resposta aos parceiros da maioria de esquerda, fez a defesa do lugar de Portugal na União Europeia. Mas também a defesa da reforma da Europa. “A saída da crise económica, social e ecológica exige uma União europeia mais democrática, mais transparente, subordinando o poder económico ao poder político. (…)A coesão social tem de regressar ao centro das políticas europeias”, afirmou o deputado e antigo ministro.

Também socialista, também Ferro Rodrigues defendeu a reforma da EU. “Temos de aperfeiçoar a política monetária, temos de encontrar mecanismos em que a dívida não estrangule o crescimento, temos de coordenar a governação económica (…) porque sabemos que há na europa um projecto de paz e desenvolvimento que não podemos dispensar”, disse o presidente do Parlamento, que considera que a estabilidade da Europa vive o seu maior desafio desde o fim da guerra fria.

3 - Para além do combate ao que considera a ditadura da União Europeia, a esquerda também ainda bateu no Governo Passos-Portas e na sua política de austeridade comandada pela troika. Mas, aí, a resposta pode ser lida no discurso do Presidente.

“Os portugueses constroem democracia quando, ao fim de anos de sacrifício, sentem que valeu a pena tudo terem feito para sanear as finanças públicas ou tornar possível crescer e criar emprego de forma duradoura e, por essa via, reduzir a divida que têm nos seus ombros”, afirmou Marcelo. Pedro Passos Coelho há-de ter sorrido, com esta parte do discurso presidencial, um discurso em que o PSD acabou por dizer que se reviu por inteiro.

Haja uma vez em que o Presidente e o seu partido se reencontram! E assim foi neste 25 de Abril em que o Presidente cumpriu a promessa de não fazer um discurso sobre a conjuntura política e os partidos praticamente o seguiram, deixando para amanhã os ataques mais cerrados quando o primeiro-ministro voltar ao Parlamento, mas com direito à palavra.

[Notícia corrigida às 19h18]

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  • Carlos Ramiro
    25 abr, 2017 Malhou 19:07
    Joana Mortágua podia ter levado também a felicidade de um familiar a ocupar terras que usou estragou e abandonou.Podia ter falado pouco para os presentes não chorarem dos crimes praticados pelos partidos que formam hoje o BLOCO. A Heloisa podia ter reprovado as ditaduras de Chaves/Maduro onde se mata apenas porque se quer ser livre.Preferiu há boa maneira estalinista para fazer propaganda da geringonça e atacar o antigo governo que lhes deixou o caminho desbrabado para o PS ter os indicadores que tem na governação De facto faltou s estas intérpretes dizer que se mandassem seria-mos uma Venezuela ou uma Coreia do Norte.

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