22 abr, 2017 - 09:03 • Maria João Costa
“É o livro que queria escrever, é um livro melhor e mais trabalhado”. É assim que Bruno Vieira Amaral fala do seu segundo romance, “Hoje Estarás Comigo no Paraíso”, lançado no rescaldo dos prémios Fernando Namora e José Saramago, que venceu com o livro “As Primeiras Coisas”.
Em entrevista ao programa Ensaio Geral da Renascença, o autor explica que o novo livro, editado pela Quetzal, resgata a memória de João Jorge, um primo assassinado, aos 21 anos, numa noite de 1985.
“Não guardo nenhuma memória dele”, confessa o escritor, que escreveu o livro “para o descobrir” e perceber por que razão "teve aquele fim aos 21 anos”. Esse fim aconteceu no Barreiro, perto de Vila Chã, o território pessoal do autor ao qual regressa neste novo livro.
O segundo romance percorre os caminhos da investigação que Bruno Vieira Amaral fez.
Embora não fosse “um tabu” na família, a morte de João Jorge não era um assunto de “que se falasse habitualmente”. As “dúvidas e incertezas” provocaram o seu sentido literário e o interesse surgiu ainda “quando estava a escrever o livro ‘As Primeiras Coisas’”.
O leitor vê surgir à sua frente um romance escrito em dois planos. A par com o processo de busca do autor, surge a história de uma época. “Por um lado, é a história daquela época, mas olhando do ponto de vista actual. E, por outro, é o relato do processo de construção do livro”, diz Bruno Vieira Amaral.
“Era um risco grande estar a mostrar as costuras do livro”, poderia “torná-lo árido”. Para o autor, “a forma de equilibrar essa aridez era com a verdade, com a vida e o sangue das memórias”.
No percorrer dessas memórias passadas para o papel aparece uma referência à Renascença. “É uma senhora que dá muitas notícias no bairro, a quem dão a alcunha de Carneiro Gomes, que era um repórter da Renascença do programa 'Despertar'".
Escrito na primeira pessoa, “Hoje Estarás Comigo no Paraíso” levou três anos a ser escrito e obrigou Bruno Vieira Amaral a confrontar a família com a memória. E o seu pai, que aparece também no livro, “gostou” do que leu.
“Uma das motivações para escrever é sentirmos que prolongamos alguma coisa. Retiramos um pedaço da vida que corre o risco de ser esquecido e plantamo-lo. Fazemos com que permaneça. Esse é um dos poderes da escrita”, sublinha Bruno Vieira Amaral, que assim perpetua a memória do primo assassinado, embora não queira falar em “homenagem”.
“Há um lado de apropriação”, explica o escritor, que fala no livro em “necrofilia civilizada” e se questiona sobre quem lhe “dá o direito de ir desenterrar e escavar este morto”.
“Não estou a escrever para entreter”
Os prémios literários influenciaram a escrita do novo livro em que o autor regressa a um território pessoal? “A minha fasquia sou eu, não são os prémios”, responde Bruno Vieira Amaral de forma categórica.
“Aquilo que me interessa é que cheguei ao fim do livro satisfeito”, diz. Fala mesmo “num livro mais maduro”e "um passo em frente” na carreira literária.
“Eu estou a escrever com tudo o que tenho. Não estou a escrever para entreter. Estou a escrever porque é importante para mim. A literatura é um jogo muito sério e importante”, afirma ao Ensaio Geral da Renascença, que é transmitido às sextas-feiras, pelas 23h30.