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“Há mais risco de os vossos filhos morrerem engasgados numa tablete de chocolate do que de ficarem doentes por causa de uma vacina”

19 abr, 2017 - 20:32

Em 1962, Olivia, de sete anos, morreu de sarampo. O título deste artigo aparece numa carta do seu pai, o escritor de livros infantis Roald Dahl. Em 50 anos, tal como a doença, o tema teima em reaparecer.

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"Olivia, a minha filha mais velha, apanhou sarampo quando tinha sete anos de idade. Enquanto a doença seguia o seu curso normal, lembro-me de lhe ler histórias enquanto estava deitada e de não estar particularmente preocupado. Depois, uma manhã, quando ela já estava bem encaminhada para a recuperação, estava sentado na cama dela a mostrar-lhe como fazer animais pequeninos a partir de esfregões coloridos, e quando chegou à vez dela reparei que os seus dedos e a sua cabeça não estavam a trabalhar em conjunto, e que ela não conseguia fazer nada.”


Olivia, a menina descrita neste parágrafo, era a filha mais velha do conhecido escritor de história infantis inglês Roald Dahl, autor de livros como “Matilda” ou “Charlie e a Fábrica de Chocolate”. Este parágrafo são as linhas de abertura de uma carta escrita por Dahl em 1986, há 30 anos, e publicada num jornal britânico durante uma época em que o sarampo – “measles”, em inglês – e a inoculação contra o vírus que dá origem à doença era um tema muito debatido no país.

Olivia Dahl morreu aos sete anos em 1962. Nos anos 80, discutiam-se os prós e contras da vacinação. Hoje, mais de 50 anos depois da morte desta menina, com a Europa novamente preocupada com um ressurgimento inesperado da doença depois de ter sido dada como erradicada em vários países, incluindo Portugal, ainda há quem defenda que não se devem vacinar as crianças por causa de uma suposta (e falsa) relação causa-efeito entre a vacina e o autismo nas crianças.

A raiz desta crença nasce com um artigo publicado em 1998 – mais de uma década depois da publicação da carta de Roald Dahl – na revista de especialidade “The Lancet”. O artigo, assinado pelo médico britânico Andrew Wakefield, foi denunciado e desacreditado pela comunidade académica inúmeras vezes.

Em 2014, surgiu uma investigação exaustiva baseada em dados colhidos junto de mais de 1.2 milhões de crianças. Conclusão: não há qualquer relação entre a vacinação e o autismo. Wakefield foi suspenso da actividade médica.

No Reino Unido, cerca de 24 mil crianças estão hoje em risco de contrair sarampo pelo facto de não terem sido vacinadas contra o sarampo. Para haver imunidade de grupo em qualquer país, é necessário que 95% da população esteja inoculada. Por isso, as escolas e jardins-de-infância na maioria dos países desenvolvidos pedem o boletim de vacinas no acto da inscrição das crianças – para assegurar que quem frequenta o espaço público de ensino não esteja a colocar em risco a restante comunidade.

O que precisa de saber sobre o sarampo
O que precisa de saber sobre o sarampo

Contra todas as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), a população inoculada contra o sarampo, a papeira e a rubéola em França, na Alemanha, em Itália, na Polónia, na Roménia, na Ucrânia e na Suíça não chega à percentagem recomendada para assegurar a imunidade de grupo. A desinformação na internet e a chamada “pseudociência” são apontadas como as maiores responsáveis por este “perigoso” fenómeno, como descreve o departamento de coordenação da área da vacinação da OMS.

Pelo menos 14 países europeus têm registado surtos de sarampo desde o início deste ano, com a Roménia a liderar o número de casos, com mais de quatro mil doentes em seis meses, desde meados de 2016.

Segundo o Centro Europeu de Controlo de Doenças, o número de países europeus com casos de sarampo foi crescendo no início deste ano e quase todos eles terão ligação ao surto que começou na Roménia em Fevereiro de 2016. Além de Portugal, que tem até hoje mais de 20 casos notificados de sarampo, registaram surtos de sarampo a Áustria, Bélgica, Bulgária, Espanha, Dinamarca, França, Alemanha, Hungria, Islândia, Itália, Suíça e Suécia.

Nos primeiros quatro meses do ano houve mais casos de sarampo em Portugal do que na década anterior. Em 2016, um diploma da OMS oficializava a erradicação do sarampo em Portugal, nomeadamente porque os poucos casos registados nos últimos anos tinham sido contraídos noutros países.


Veja também:


A jovem de 17 anos que morreu esta quarta-feira, no Hospital Dona Estefânia em Lisboa onde foi internada com sarampo, não estava imunizada contra o vírus. Devido a problemas de saúde, não conseguiu tomar a segunda dose da vacina, disse um amigo próximo da vítima, que recebeu autorização da família desta para falar com a Renascença.

O responsável pelo Programa de Vacinação e Imunização da Organização Mundial de Saúde (OMS), Robb Butler, afirmou, em entrevista à Renascença, esta quarta-feira que vacinar crianças "é uma responsabilidade conjunta das autoridades de saúde, dos pais e da população em geral" e manifestou-se preocupado com a situação no país.

O director-geral da Saúde, Francisco George, revelou, em conferência de imprensa, que estima que haja, em Portugal, entre 10 mil a 15 mil crianças não vacinadas contra o sarampo. "Assistimos a um combate muito desleal entre a ciência e a opinião”, declarou. “A melhor resposta é a prevenção. É tempo de parar com a opinião e a especulação sobre a evidência científica.”

O ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, apelou ainda à população para confiar no sistema de saúde e na capacidade de uma comunidade "solidária e responsável". Mas, e apesar do relevo dado à vacinação, o ministro da Saúde sublinhou que não está em causa tornar a vacinação obrigatória. E disse que o actual surto está "em vias de resolução".

O conselho de Olivia

Olivia Dahl, a menina de sete anos que morreu de sarampo há mais de 50 anos no Reino Unido, quando não havia a informação que há hoje sobre as vantagens da vacinação, desenvolveu uma encefalite derivada ao vírus. Em 1962, não havia nada que os médicos pudessem fazer para evitar a sua morte.

Escrevia o seu pai em 1986: “Hoje há uma coisa que os pais podem fazer para assegurar que uma tragédia destas não acontece a um dos seus filhos. Podem insistir que os seus filhos sejam imunizados contra o sarampo (…) Ainda não se aceitou que o sarampo seja uma doença perigosa. Acreditem em mim, é.”

“Acho que há mais risco de os vossos filhos morrerem engasgados numa tablete de chocolate do que de ficarem seriamente doentes por causa de uma vacina contra o sarampo”, declarava.

Roald Dahl morreu em 1990 aos 74 anos, oito anos antes da publicação do estudo fraudulento publicado na revista “The Lancet”. “James e o Pêssego Gigante”, um dos seus livros infantis mais populares e um dos muitos que foi depois adaptado para o cinema, foi dedicado a Olivia, ainda a menina estava viva. O “Amigo Gigante”, livro que dá origem ao filme de 2016, foi dedicado à sua memória.


No próximo sábado, o programa Em Nome da Lei vai debater as vantagens e desvantagens da obrigatoriedade da vacinação contra o sarampo e outras doenças contagiosas. O debate vai juntar críticos das vacinas, profissionais de saúde e juristas. Pode responder aqui à sondagem da Renascença sobre o tema.

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  • Manel
    22 abr, 2017 porto 21:23
    Toma quem quer e quem não toma sujeita-se... O país é livre e as pessoas devem assumir responsabilidades. Se não tomarem, estão sujeitas á probabilidade de um dia ... puff
  • WTF
    20 abr, 2017 Gaia 07:15
    O que recebeste da Industria Farmaceutica ??
  • sergio santos
    20 abr, 2017 Paço de Arcos 06:50
    O debate acerca da necessidade das vacinas mostra o nível pouco desenvolvido de parte da sociedade portuguesa. É simples. As vacinas provocam a quase imunidade a determinadas doenças e um bem para a colectividade em geral..
  • Frederico P.
    20 abr, 2017 Riga 04:55
    Segundo OMS, e os meus estudos de fisiopatologia, o sarampo pode ser fatal por carência de vitA, mal nutrição em geral, ausência de tratamento adequado no tempo certo após diagnóstico preciso. Houve e há muitas falhas neste processo e este caso provavelmente nao tem apenas a ver com vacinas(ou falta delas). Condolências à familia.
  • Anabela Antunes
    20 abr, 2017 Almada 02:30
    quem me obrigar a levar uma vacina.......... vai ter um desgosto........... ja basta a monsanto, os pesticidas, o fluor, o mercurio, as vacas loucas ahhha, a gripe das aves ahahhaha os gmo, os chemtrails, as bacterias hospitalares,.......... podem dar ao monhe e a todos os rapazolas de s bento...... que.. bem precisam de quimio pra ver se nos livramos deles. durante uns 20 anos. Este pais e escravo da nova ordem mundial........... que nos querem reduzir a 500 milhoes, na totalidade do planeta. O povo tem o que merece.
  • Pedro
    20 abr, 2017 Oeiras 02:04
    Nuno André Ribeiro, Mercúrio nas vacinas? E plutónio radioactivo também? Pior que ignorância é a mistura desta com presunção de conhecimento ... é a opinião de um "papagaio " que manda " bitaites "sobre um tema da sua formação académica e profissional. Cumprimentos
  • Daniel
    20 abr, 2017 Lisboa 01:33
    AMS, como quer que os "responsáveis da saúde" esclareçam quando as pessoas nem sequer lá vão? Garantidamente que avisaram os pais imensas vezes da situação (pelo menos em todos os anos em que a moça se matriculou) e em todos eles os pais assinaram um atestado de responsabilidade... Já chega de chutar as responsabilidades para os mudos...
  • Nuno Andre Ribeiro
    20 abr, 2017 Lisboa 01:03
    Caro amigo AMS. O amigo ate pode pensar que sabe alguma coisa sobre vacinas, acontece que sabe muito pouco. Em primeiro lugar deve procurar obter a informacao de um meio que nao esteja "viciado". Em Segundo lugar procure saber quais são os componentes de uma vacina. Comece pelo Mercurio, por exemplo, so para abrir o apetite. Depois, quando estiver devidamente informado, venha entao para aqui mandar bitaites. Nao me leve a mal, mas ja estou a ficar farto de ouvir comentarios de "chicos espertos" que tem a mania que sabem mais do que os outros ...... mas la no fundo, são uns papagaios que so sabem repetir mentiras veiculadas pelos "media" que tem interesses manhosos. Obrigado pela compreensao, Nuno
  • Dias
    19 abr, 2017 Lx 23:32
    Só que com o chocolate não põe em perigo outras pessoas.
  • Ams
    19 abr, 2017 Castelo Branco 22:50
    O que está a acontecer é um aproveitamento da situação. Com certeza de que existem vacinas que devem e deveriam ser administradas em tempo devido. Contudo existem casos raros onde a vacina pode causar efeitos adversos. E é exactamente nestas situações que os responsáveis pela saúde não actuaram devidamente. Não esclareceram suficientemente as pessoas. E quando as coisas acontecem, não foram os mais incautos que fugiram com o "rabo" neste caso o braço à seringa. São antes eles que estão fugindo com o "rabo" à seringa para se isentarem de responsabilidades. E como neste país, nos meios políticos, ninguém nunca é responsável, lá vai a culpa para o mais fraco. Essa coisa de os papás não quererem que os seus filhinhos não sejam vacinados, tudo bem até aqui, mas quando se trata de terem de frequentar ambientes públicos e colocarem a saúde dos outros em perigo, então que assumam tudo e coloquem os seus filhinhos em escolas privadas onde exista o mesmo individualismo. Agora também é bom que se diga que o medo da vacina que foi institucionalizado prende-se com a vacina da gripe. E deixem-se de tretas e argumentos hipócritas. A vacina da gripe é uma vacina que é estudada por laboratórios a nível europeu. Acontece que os vírus em Portugal são diferentes de Espanha, de França, Itália e pelos países por aí acima até à Noruega. O que existe sim é um interesse económico dos laboratórios . Porque em 50% dos casos "funciona" mas nos outros é apenas uma vacina que não serviu para nada ou piora

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