17 abr, 2017 - 14:29
O presidente da Associação Portuguesa de Pilotos de Linha Aérea (APPLA), comandante Miguel Silveira, diz que o incêndio que se seguiu ao despenhamento de uma aeronave, esta segunda-feira, em Tires, concelho de Cascais, é um factor que vai prejudicar a investigação que já está em curso.
"Com o incêndio que deflagrou, os destroços vão estar bastante danificados e vão reverter um pouco o que se podia retirar deles", diz à Renascença o presidente da APPLA.
Nesta entrevista, Miguel Silveira apela a que se reflicta sobre a questão da construção à volta de aeroportos, porque "a construção não pode, de forma alguma, tornar refém os aeroportos".
A que detalhes devem os investigadores estar atentos?
As causas, não me vou referir a elas porque, obviamente, podem ser múltiplas e afirmar coisas com toda a certeza está completamente fora do âmbito da Associação de Pilotos Portugueses de Linha Aérea.
A investigação do acidente irá trazer à luz o que conseguir e, isto sim, é uma realidade: vai ser uma grande dificuldade. Com o incêndio que deflagrou, os destroços vão estar bastante danificados e vão reverter um pouco o que se podia retirar deles, em termos de engenharia, para chegar a uma conclusão. Mas, mesmo assim, com certeza que haverá testemunhas e uma panóplia muito alargada de instrumentos ao alcance dos investigadores para chegarem a uma conclusão
Tem dedicado, à frente da APPLA, grande parte da sua atenção à aviação ligeira. Há neste tipo de aviação um maior risco do que na aviação mais comercial?
Não tenho dedicado tempo à aviação ligeira, até porque ela tem um representante. Dedico o meu tempo à aviação como um todo e, quando se fala em segurança aeronáutica, fala-se em segurança de qualquer aeronave.
É óbvio que eu não me canso de dizer que a pilotagem é essencial, não obstante aquilo que a indústria, nos dias de hoje, gosta muito de deixar passar, de que é tudo feito no automático. Isso é uma grande falácia. A pilotagem continua a ter que ter pilotos extremamente eficientes e conhecedores do que estão a fazer. Por vezes, poder-se-á pensar que, de facto, há uma grande diferença entre pilotos profissionais e pilotos amadores.
Mas a grande mensagem que interessa passar é uma mensagem positiva. Sejam eles pilotos profissionais ou amadores, a mensagem que eu passo é a de que é uma actividade que traz recompensas tremendas. Pilotar um avião é um acto de liberdade tremenda, mas temos de ter muito, muito, muito respeito pelo avião e pelo meio em que nos movimentamos, que é o espaço aéreo. É uma coisa que não deve ser feita de ânimo leve. Só assim, com respeito, profundo conhecimento e estando sempre a par de tudo o que está a acontecer e muito treinados é que nós podemos, de forma muito segura, desfrutar desta coisa fantástica que é a pilotagem. Esta mensagem serve a qualquer aviador, quer seja profissional quer seja amador.
Temos aqui um acidente envolvendo a queda de uma aeronave numa zona urbana, densamente ocupada. Seria positivo retirar, na medida do possível, as zonas de sobrevoo destas áreas?
Sim. Numa situação ideal, a resposta rápida é "sim". Agora, o que isto nos deve trazer é para uma atitude de pensarmos muito bem no que estamos a fazer, para corrigirmos erros do passado, se é que foram erros, e preparar muito bem e o futuro
Esta questão do sobrevoo de áreas urbanas densamente povoadas está de novo na primeira linha da actualidade com a decisão de fazer no Montijo um aeroporto alternativo a ao aeroporto Humberto Delgado, que também está "em cima" no centro da cidade. Há razões para se discutir a sério a construção de um aeroporto de raiz em Alcochete, nomeadamente?
Tanto quanto possível, obviamente, as aeronaves, especialmente as de grande porte, não devem sobrevoar zonas urbanas, nas aterragens e nas descolagens, quando estão a baixa altitude. Mas a questão é que o aeroporto de Lisboa - e o de Tires é também um bom exemplo - já existiam quando se procedeu a uma construção desenfreada que tornou estes mesmos aeródromos reféns da própria construção.
Lembro-me que há muitos anos, quando era apenas director na APPLA, houve um presidente, o comandante Sottomayor, que teve uma grande preocupação sobre tudo o que estava a ser construído em Camarate. As respostas que obtivemos, nomeadamente, na altura, do INAC, foi de que podia ser construído. Duvido. Temos que pensar muito bem no que fazemos e que o azar não bate apenas à porta dos outros. Que essas cinco vidas que se perderam hoje sirvam, ao menos, para uma reflexão séria de todas as partes envolvidas sobre o que diz respeito à construção. A construção não pode, de forma alguma, tornar refém os aeroportos. Quando tal acontece, é preciso ter coragem, nomeadamente a coragem política, para se evitar que haja construção à volta dos perímetros dos aeroportos.