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Entrevista a Kirsty Hayes

Embaixadora. No Reino Unido pós-Brexit não há “sentimentos de pânico"

29 mar, 2017 - 19:09 • José Pedro Frazão , Inês Rocha

Convidada da Renascença, a embaixadora britânica em Lisboa assegura que há muita “calma” na projecção das relações bilaterais entre Portugal e o Reino Unido e garante que os direitos dos portugueses lá e dos britânicos cá serão protegidos.

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Embaixadora. No Reino Unido pós-Brexit não há “sentimentos de pânico"

A carta que comunica oficialmente a vontade dos britânicos em deixar a União Europeia (UE) foi entregue esta quarta-feira ao presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, assinada e escrita à mão pela primeira-ministra britânica, Theresa May. 48 horas após a recepção da carta, será apresentado um esboço das directrizes para as negociações. A 29 de Abril decorre já uma cimeira para definir as posições da UE a 27.

Neste dia decisivo para a Europa, a Renascença convidou a embaixadora em Lisboa, Kirsty Hayes, para uma entrevista sobre o desenho do futuro nas relações entre Portugal e o Reino Unido depois do Brexit.

Há, ou não, uma possibilidade de tudo isto voltar para trás? A primeira-ministra Theresa May disse esta quarta-feira: “No turning back”. É mesmo um processo irreversível?

É. Como a primeira-ministra já disse, “Brexit means Brexit”.Temos uma certeza: foi a vontade do povo do Reino Unido (RU) no referendo do ano passado e agora também o Parlamento já votou em activar o artigo 50.

A prioridade agora é seguir em frente e tentar conseguir um acordo que seja o melhor possível para o Reino Unido mas também para a União Europeia (UE). Todos os estados-membros que estão na UE devem ter interesse em assegurar um resultado positivo destas negociações.

Em relação às matérias que interessam ao RU na questão das relações comerciais, o que é que é essencial garantir na relação com a Europa a partir de agora?

A área do comércio é muito importante e, mais uma vez, não apenas para o RU. Para dar um exemplo, entre Portugal e o RU de facto exportamos muitos bens e serviços, mas Portugal exporta muito mais para o RU do que na direcção contrária. Queremos, para nós, um acordo muito ambicioso que inclua não apenas os bens mas também os serviços que são importantes para nós, como os serviços financeiros, mas também na área do turismo, que é muito importante para Portugal.

Mas não se pode sair e ficar com algumas coisas boas da Europa...

Estamos conscientes disso. Desde o referendo temos falado com os nossos parceiros europeus e eles deixaram muito claro que não seria possível ficar dentro do mercado único, por exemplo, sem algumas condições fundamentais para eles: por exemplo, a livre circulação e a jurisdição do tribunal europeu. Ambos estes elementos não podem fazer uma parte do nosso novo acordo.

Por isso, em vez de tentar criar um novo mercado único especialmente para os britânicos - ou de acabar com estas regras tão fundamentais para os nossos parceiros - em vez disso, a primeira-ministra dizia que aceitamos que no futuro não podemos ficar dentro do mercado único. Mas o que queremos em vez disso é um acordo muito ambicioso e que seja possível para todos.

Este processo começa agora e tem dois anos de duração. Enquanto isso acontece, por exemplo, os imigrantes portugueses no Reino Unido terão problemas em continuar a fazer a sua vida?

Não. Tenho a certeza que não. Para nós uma das prioridades nas negociações é assegurar que os direitos dos portugueses e outros europeus no Reino Unido, tal como os britânicos em Portugal, sejam protegidos. Somos muito optimistas que isto pode ser feito muito rapidamente durante o início do processo para dar certeza e clareza a estas comunidades.

Mas reconhece que há alguns receios em relação a esta matéria?

É óbvio que ainda há muita incerteza. Penso que ambas as comunidades têm alguns receios, mas estou a falar com a comunidade britânica aqui. Estou a fazer uma série de eventos por todos os espaços do país, e embora haja dúvidas e perguntas e preocupações, a comunidade está muito calma. Penso que eles entendem bem que o Governo português valoriza muito a comunidade britânica e não quer deportar os membros da comunidade.

Mas no Reino Unido há famílias, há portugueses, crianças inclusivamente que estão a viver em famílias que podem ter estas dúvidas em relação à sua vida, sobretudo neste período de incerteza.

Sim. Eu falei com o secretário de Estado para as Comunidades e também com o embaixador português no Reino Unido, e o que eles disseram é que no início, imediatamente depois do referendo, havia muitas dúvidas, incertezas e receios. Mas que agora, depois de alguns meses, a comunidade percebe que não há mudanças na vida do dia-a-dia, então a situação agora é muito calma, embora obviamente toda a gente queira saber o futuro. Não há um sentimento de pânico nem nada disso.

Já estão a trabalhar a relação entre Reino Unido e Portugal pós-Brexit ou aquilo que passa a ser uma relação entre dois países aliados históricos? Qual vai ser a prioridade britânica em relação a Portugal a partir de agora?

Penso que não é uma questão de eleger apenas uma prioridade - queremos fortalecer a relação bilateral em geral. Temos esta história única. A aliança mais antiga do mundo. Ligações muito muito fortes quer a nível das famílias, quer a nível da academia, muitas ligações entre universidades britânicas e portuguesas. No futuro, é verdade que estamos a sair da UE, mas não estamos a sair da Europa. Vamos continuar a ser europeus.

Vão esperar por Março de 2019 ou neste momento já há um plano? Estou a pensar por exemplo na questão do investimento britânico em Portugal e o português no Reino Unido.

Recentemente o ministro dos Negócios Estrangeiros visitou o nosso secretário de Estado (homólogo) Boris Johnson em Londres e eles falaram exactamente sobre as medidas que podem no futuro fortalecer este relacionamento. Falei com muitos dos nossos investidores principais aqui e eles também ficaram muito calmos. Eles querem mais certezas sobre alguns aspectos específicos, mas em geral não tem planos para mudar os investimentos nem a estratégia para o país. Recentemente falei com o Governo português e aparentemente os níveis de investimento para Portugal estão a aumentar. Não muito rapidamente, mas estão a aumentar e penso que vai continuar.

Os londrinos voltaram a viver um momento difícil com ataques numa zona muito procurada. A saída do Reino Unido da União Europeia pode dificultar a vida às polícias europeias?

Primeiro gostava de dizer que os nossos pensamentos e orações estão com todas as pessoas afectadas e com os portugueses afectados directamente ou indirectamente. Os meus sentimentos estão com eles. O terrorismo não tem fronteiras nacionais. O grau de cooperação é muito alto com outros estados-membros, e isto vai continuar depois do Brexit.

Há muitas opiniões sobre o que deve ser o novo acordo, mas não estou a ver ninguém dizer, “precisamos de mais barreiras entre o RU e a UE por causa da segurança e defesa”. Todos beneficiamos muito desta colaboração. Precisamos de encontrar novas formas de colaborar.

Sem Brexit, a colaboração seria certamente muito melhor…

Não aceito esta análise. Temos uma relação muito forte com parceiros fora da Europa, como os Estados Unidos da América. Não deve criar grandes problemas a este respeito.

As autoridades mudaram a perspectiva de segurança depois do atentado da semana passada?

Estamos actualmente no segundo nível de alerta mais elevado. Para ficar no mais alto teríamos de ter detalhes sobre um ataque concreto. Para dar confiança a população, posso dizer que temos ainda mais polícias e serviços de segurança nas ruas de Londres e outras cidades. Não tem havido uma mudança em termos de grau de ameaça.

Foi um caso isolado?

Foi. Mas precisamos de a ter consciência de que há muitas pessoas que querem atacar os templos dos nossos valores mais…

É um local muito simbólico…

É porque [o Parlamento] é um símbolo de liberdade. Não queremos mudar a natureza do Parlamento. O contacto entre o povo e os deputados é muito importante. A vida do dia-a-dia é muito normal. As pessoas estão na rua, na ponte, naquela área onde fica o nosso ministério… Isto é uma das coisas fantásticas da natureza de Londres. É uma cidade com um grande coração e alma. O atentado foi horrífico, mas não conseguiu alterar as vidas dos Londrinos.

O terrorista tinha nascido no Reino Unido. Este facto coloca de alguma maneira em causa o modelo de inclusão social no país?

Temos imenso orgulho no facto de termos um país muito internacional, e a esmagadora maioria das pessoas está bem integrada. Há uma ameaça a nível mundial, mas - o nosso ministro falou recentemente nisso – o uso da internet para radicalizar os indivíduos, essa sim é uma área importante para a colaboração internacional.

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  • Horacio
    30 mar, 2017 Lisboa 01:16
    Não há pânico porque ainda nada aconteceu. A verdade é que o destino do Reino Unido está agora nas mãos de Bruxelas se a Europa aceitar fazer um acordo frouxo e deixe a Inglaterra ter acesso ao mercado europeu sem penalizações .vai ser razoável para os ingleses e um péssimo exemplo para os outros membros . Mas se Bruxelas tratar os ingleses como um país que não mais tem privilégios e obrigar lhes a pagar taxas de exportação aí sim vão sentir a diferença .os custos de fazer negócios na Inglaterra vão aumentar já ,mas a realidade de ser apenas um país solitário e não um estado membro de uma comunidade de 500 milhões de cidadãos vai doer daqui a alguns anos . O perigo é que os ingleses vão fazer tudo para acabar com a união europeia porque é a única maneira de minimizar o desastre que escolheram.
  • verdade
    29 mar, 2017 aveiro 22:43
    Afinal há quem defenda o orgulhosamente só. Lá fora já sabemos cá dentro só falta a carta. Será que vamos ouvir o tempo volta para trás. Como os camaleões dão razão e não têm razão, quando invocam certas Personalidades e inventam o que já passou à história.

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