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Novo aeroporto. Montijo vai durar "pouco mais de uma década", diz antigo presidente do LNEC

29 mar, 2017 - 14:36 • Sérgio Costa

Carlos Matias Ramos, que também foi bastonário da Ordem dos Engenheiros, defende a solução Alcochete.

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O antigo bastonário da Ordem dos Engenheiros Carlos Matias Ramos critica a opção Montijo para pista complementar à da Portela e diz que vai construir-se um aeroporto para pouco mais de uma década.

Em entrevista à Renascença, Matias Ramos, que presidiu ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) entre 2005 e 2010, lamenta que o estudo que coordenou quando dirigia o laboratório tenha sido ignorado pelo Governo.

Esse trabalho do LNEC aponta o campo de tiro de Alcochete como a melhor solução para um aeroporto complementar à Portela. Entre as vantagens que apresenta, está o facto de ter já um estudo de impacto ambiental.

"Praticamente, não houve debate político nenhum", lamenta Matias Ramos

O Montijo a ser apontado como solução final para aeroporto complementar ao Humberto Delgado. Faz sentido esta solução?

Do meu ponto de vista, não. Por dois motivos. Porque a capacidade do Montijo juntamente com a da Portela, de acordo com estudos do relatório da Eurocontrol não corresponde minimamente àquilo que tem sido referido como com limite a 2050.

O aeroporto do Montijo, na melhor das hipóteses, estará construído em 2022-23, porque não tem ainda a declaração de impacto ambiental, ao passo que o campo de tiro de Alcochete já tem essa declaração. Tendo em conta as exigências, 2022/2023 será um prazo aceitável. Acontece que o relatório da Eurocontrol estabelece a saturação plena do aeroporto da Portela em 2030 e 46 movimentos já ocorridos no Montijo, e o Montijo tem uma capacidade limite por hora de 24 movimentos. Ou seja, o conjunto daria 72, mas a Portela já não pode receber mais nenhum voo que ultrapasse aquilo que eram "slots" disponíveis naquele aeroporto. Portanto, o Montijo vai saturar, de certeza, muito antes de 2050 e, pelas contas que eu fiz, verifico que o máximo dos máximos andará por 2035. Isto é, estamos a construir um aeroporto para 12 anos. Mas posso estar errado. Que não sejam 12, sejam 15 ou 16... Este assunto não foi devidamente discutido, não foi devidamente analisado e apareceu de chofre na sociedade portuguesa.

A solução "Portela mais Montijo", inicialmente, citando o relatório Roland Berger, apontava como o limite de capacidade para 2050. Portanto, há dados que contrariam esta ideia que tem surgido na comunicação social, e não só, também no debate político desta questão...

Praticamente, não houve debate político nenhum. O que houve foi uma decisão política, à revelia daquilo que, no meu entender, deve ser a prática comum quando se analisam investimentos públicos. Quando eu era o Bastonário da Ordem dos Engeheiros, fiz sair um documento, mobilizando vários profissionais da engenharia, a que chamei "Guião para o Investimento Público", que pretendia evitar estas situações.

O que é que isso significaria, se o Estado Português tivesse decidido adopta-lo? Era o seguinte: aquele guião tem uma espécie de "check list". Aquilo não era grande novidade, porque Inglaterra faz assim, é o chamado "Green Book". Perante as experiências anteriores, achei que o país precisava de ter um documento regulador para apoiar a decisão, que, necessariamente, será sempre política. Mandei para todos os partidos, mandei para todos os membros do Governo, mandei para várias entidades com responsabilidade nesta matéria e a resposta foi zero. Era um ponto de partida, não era um ponto de chegada, mas era para evitar estas situações que, no meu entender, não são as mais corretas num país que precisa de garantir que qualquer investimento público seja baseado numa análise cuidada, fundamentada, estruturada e tenha as componentes técnica, económica, financeira, de ordenamento do território, ambiental, etc etc.

Aquilo que tem sido dito pelo Governo é que, em todas as variáveis analisadas pela ANA, o Montijo mostrou-se sempre como a melhor opção, excepto num ponto: a sustentabilidade ambiental. Há factos que contrariam esta ideia?

É muito fácil perceber que há muitos factos a contrariar esta ideia. A pista tem que ser aumentada. Para onde? Para o Norte? Para o estuário? Ou, então, não recebe todos os aviões, mesmo os "low cost". Não recebe, por exemplo, o A330-200. Tem que ser aumentada, portanto. Depois, como é que é possível dizer uma coisa dessas quando se tem no campo de tiro de Alcochete uma situação extremamente favorável às diferente vertentes que foram analisadas, os chamados factores críticos para a decisão?

O Montijo não tem declaração de impacto ambiental. O outro local tem-na. Uma declaração de impacto ambiental demora qualquer coisa como um ano, um ano e picos, a preparar. Só aí, o Montijo perde vantagem competitiva.

A solução do campo de tiro de Alcochete, baseada numa única pista e com infra-estruturas mínimas, pode ser um bocadito mais cara, porque no Montijo já há a pista, mas não tenho dúvidas de que o campo de tiro de Alcochete será mais favorável porque já tem, como disse, declaração de impacto ambiental. Qual é o maior inconveniente da solução Alcochete? É a distância. Mas, analisando a distância de ambos à ponte Vasco da Gama, verifica-se que a diferença andará, no máximo, pelos cinco minutos. O que interessa é o tempo, não é a distância. Eventualmente, os custos serão ligeiramente superiores na componente das acessibilidades. Agora, nas outras componentes, posso fazer uma estrutura completamente moderna, estruturada, faseada, cujo desenvolvimento não tem constricções de espécie nenhuma.

Alcochete era já o veredicto do estudo que coordenou enquanto presidente do LNEC. Como avalia o facto desse trabalho não ser citado? parece mesmo quase esquecido...

Foi omitido.

Tem alguma explicação para isso?

Não. Não consigo. Não percebo como é que um relatório que constituiu, na altura, a melhor apreciação de documento que tinha sido produzido no âmbito do aeroporto de Lisboa tenha agora sido omitido, inclusive na bibliografia do relatório que sustenta a decisão política que é o relatório da Roland Berger. Não há uma única referência. A minha posição é de total espanto e total incompreensão.

O relatório da Eurocontrol, várias vezes citado, foi feito com base em simulações até 2030. Em 2030, o aeroporto da Portela estará completamente saturado e, em complemento, no Montijo, já estarão cerca de 46 movimentos por dia. Perante isto, como é que é possível fazer-se a afirmação de que 2050 será o limite de saturação da solução Portela + Montijo?

Estará a ser feito um aeroporto para pouco mais de uma década...

Sim, década e meia.

A questão da impossibilidade de ampliar a pista no Montijo foi, desde logo, um ponto apontado pelos pilotos, que dizem que não têm sido consultados. Como avalia esta situação?

No dia 24, ou seja, na sexta-feira passada, teve lugar no Laboratório Nacional de Engenharia Civil, promovido pela Ordem dos Engenheiros uma sessão em que as pessoas se pronunciaram livremente e teve qualquer coisa como 400 pessoas, além de mais 200 cá fora, porque o número de lugares disponíveis não era suficiente. O que aconteceu foi que houve pilotos que se manifestaram e, no entanto, o senhor presidente da ANA diz que ouviu o Sindicato dos Pilotos. Portanto, nessa matéria não sei o que é que se passou.

Do seu ponto de vista, há uma cedência à entidade que gere os aeroportos? Porque fala-se da solução mais rápida, mais barata, há quem diga que não é a mais segura e, como nos está a dizer, não é, enfim, a mais viável...

Não, o que pode haver, e está sujeita ao contracto de concessão ,é o facto de que não compete à ANA o investimento para este aeroporto complementar. É uma responsabilidade do Estado. A ANA não é obriagada a fazer qualquer investimento, é obrigada a desenvolver a solução para este problema grave que é a saturação do aeroporto da Portela. Não vejo que a ANA possa ser responsabilizável por isto. Compete à ANA a definição da solução. Agora, o Estado tem uma responsabilidade acrescida muito grande.

O não desenvolver iniciativas com vista a resolver o problema da saturação do aeroporto Humberto Delgado conduzirá, a longo prazo, a uma perda económica da ordem dos três mil milhões de euros. Grande parte dessa verba vai para o Estado, através de impostos, através da actividade económica que lhe está inerente. Eu pergunto: o Estado está exaurido, o Estado está numa situação difícil, o Estado português não faz investimento público, ou faz com parcimónia e vai fazer um investimento numa infra-estrutura que tem morte anunciada? Não compreendo.

Tentará fazer chegar ao Governo Português essas suas preocupações?

Eu tentei... Fi-lo pelos artigos que fiz no Expresso. Não sou muito de ir a gabinetes de ministros, não tenho essa vocação. Tenho esse gosto, se me chamarem. Por iniciativa própria, não o faço. Mas o que eu posso dizer, isso sim, é que estaria totalmente disponível para uma discussão franca, honesta e, se estiver errado, terei humildade suficiente para fazer o "mea culpa".

Está disponível para uma discussão aberta. Do seu ponto de vista, ainda não foi feita?

Não foi feita. A primeira, como lhe digo, a primeira discussão pública foi feita no dia 24, por iniciativa do bastonário da Ordem dos Engenheiros.

Fala-se sempre da capacidade da Portela estar esgotada. Não era possível encontrar uma solução na própria Portela?

A Portela tem umas limitações muito grandes de espaço e essas limitações condicionam inclusive o próprio "taxiway", que limita e põe imposições em termos do máximo de movimentos por hora.

Comentários
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  • Orlando Salvador
    07 abr, 2017 Montijo 17:01
    Credito que não dure 15 anos, não pelas razões enumeradas pelo Eng. Carlos Ramos, mas apenas por um único argumento : em 2030 as marés vivas subirão quase 1 metro e irá certamente ficar debaixo de água
  • Vasco
    30 mar, 2017 Santarém 22:22
    Não pretendo atacar ou defender quem quer que seja mas a verdade é que quanto a mim estes investimentos deveriam ter mais debate por gente conhecedora do assunto e menos partidarismos políticos, mas pelos vistos teima-se sempre no mesmo sistema e perde-se tempos infinitos com avanços e recuos até que algumas das vezes se chega à situação de não sair do sítio inicial.
  • Mário Guimarães
    30 mar, 2017 ´Lisboa 15:02
    Com o nome que pretendem baptizar nem um dia devia existir! Vergonha de gente ! Com que direito alteram o nome das estruturas aeroportuárias sem consulta aos portugueses ? Que bandalheira é esta ?
  • Claro!
    29 mar, 2017 lis 19:50
    Que tecnicamente a solução ideal será uma infraestrutura totalmente nova e liberta de constrições. Aliás presentemente qualquer infraestrutura aeroportuária se tornará num pólo dinamizador em todas as vertentes e para isso não pode ter incompatibilidades de raiz. Remendos nem para as calças quanto mais para infraestruturas destas!

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