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Regresso ao futuro. The Jesus and Mary Chain têm novo álbum e devolvem-nos os anos 80

24 mar, 2017 - 10:30 • Sérgio Costa

No dia em que os Jesus and Mary Chain lançam o novo álbum, “Damage and Joy”, procuram-se explicações para a longevidade das bandas e para a nostalgia e fascínio que os 80 geram. Respondem o músico Rui Maia e a socióloga Paula Guerra.

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Fará sentido alguém gritar com exuberância “I’m a rock and roll amputation” quando se aproxima vertiginosamente dos 60 anos de idade? Faz, se for escocês, se tiver o apelido Reid e se for um dos irmãos dos Jesus and Mary Chain.

Dezanove anos depois do o conturbado e perturbado “Munki”, disco elucidativo das profundas divisões entre Jim e William Reid, os padrinhos do rock alternativo voltam a lançar um álbum de originais. “Damage and Joy” é o título perfeito para um alinhamento de canções que traduzem a alegria de reparar danos de uma carreira tão tensa quanto relevante para o panorama musical actual.

Após quase dois anos em tournée a celebrar três décadas do seminal álbum de estreia “Psychocandy” (disco que rivaliza com “Velvet Underground and Nico” quanto ao poder influenciador de gerações), The Jesus and Mary Chain fazem regressar ao mercado mais de uma dezena de excelentes canções descomplexadas, intemporais e onde muitos dos caprichos da cena musical estão agradavelmente ausentes.

Logo à partida, no tema de abertura “Amputation”, a voz já menos urgente, mas sempre “cool” de Jim Reid dá o mote: “Trying to win your interest back”. A avaliar pelas reacções, o objectivo foi amplamente conquistado.

De banda relevante, mas sempre questionada, os Jesus and Mary Chain passaram, 30 anos depois do tufão sónico da década de 80, a reunir consensos alargados. A atmosfera mais psicadélica de “War on Peace” antecede uma paisagem sonora onde prevalecem vocalizações por vezes sussurradas e cobertas de feedback, com a aposta em duetos (destacando-se a colaboração com Sky Ferreira - a não perder “Black and Blues”). A maior timidez das guitarras em “Damage and Joy” não impede um bom regresso dos irmãos Reid com algumas ligeiras inovações na composição.

Os Reid e os outros

Os irmãos Reid são o mais recente exemplo de longevidade de carreiras que tiveram profundo impacto na década de 80. Tal como os Jesus and Mary Chain, mas sem interrupções na carreira e num patamar mais elevado de popularidade, outra banda que deixou marcas nos anos 80 acaba de lançar um novo registo. “Spirit”, dos Depeche Mode, não terá a força de “Music for the Masses”, “Violator” ou “Songs of Faith and Devotion”, mas não deixará de provocar arrepios aos fã mais fiel do trio britânico de Basildon. A textura sonora vincadamente electrónica (de outra forma não poderia ser) do primeiro single “Where’s the revolution” é exacta prova disso.

De outra dimensão, os U2 aderem este ano à moda da celebração de álbuns marcantes. Passam 30 anos da edição de “Joshua Tree”, o disco que colocou a banda irlandesa num plano estratosférico da fama.

A certeza de lotações esgotadas faz adivinhar o sucesso da tournée. Já o anúncio de um novo trabalho de originais foi prontamente adiado após a incerteza gerada com a eleição de Donald Trump. A vasta legião de fãs dos U2 ficará ansiosamente a aguardar pelo momento da edição do novo disco. Seja ou não um argumento de puro marketing, o lançamento foi adiado porque, justifica Bono, “o mundo está diferente”. Estará?

Nostalgia

Por que razão bandas dos anos 80 continuam a angariar louvores e a motivar ansiedade entre fãs? O que justifica a longevidade de bandas que tiveram o seu auge nos anos 80 do século passado?

Rui Maia sublinha a importância da década para o panorama musical. O músico dos X-Wife e rosto de Mirror People lembra que, “com o aparecimento da MTV, bandas que surgiram de um meio alternativo tiveram a oportunidade de chegar a um grande público”. Ao processo não é alheio o desenvolvimento da tecnologia, permitindo “a reinvenção das bandas com a introdução de novos e actuais elementos nas canções”.

A chave para longevidade passa, insiste o músico, “pela exposição mediática”, inédita até aos anos oitenta, e “pela opção de uma sonoridade estética”.

Paula Guerra, especialista em sociologia da música, aponta como factor determinante para a nostalgia com os anos 80 “os próprios conteúdos e conceitos utilizados na expressividade da pop”, numa época, “marcada por um certo kitsch, de investimento enorme e sem antecedentes no corpo, na moda”. Por isso, acrescenta a especialista, “acaba por ser uma década muito atractiva do ponto de vista da 'retromania'”. Paula Guerra lembra uma década que congregou muita simbologia, muitos artistas. “Talvez por isso, seja objecto de acentuada nostalgia”, conclui.

Rui Maia complementa esta tese reconhecendo nutrir “carinho pelos anos 80, que ficam marcados pelas grandes canções, pela moda e pelo cinema”. Adolescente na primeira década da sociedade de consumo, o músico defende, assim, a importância da cultura de há 30 anos.

Mas o que têm, afinal, de novo para dar as muitas bandas que sobrevivem há 30 anos? Rui Maia sustenta que, com a perda de inocência, o risco é mínimo. “As bandas acabam por jogar pelo seguro, oferecem o que os fãs esperam deles”, sentencia. Por seu turno, a socióloga Paula Guerra sublinha que a pop “andará cada vez mais numa lógica circular em busca do passado para antever tempos que ainda não chegaram”. É o regresso ao futuro.

Comentários
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  • Tiago Ferreira
    24 mar, 2017 Maia 22:20
    Vi-os no Infante de Sagres em 1988, O concerto mais caótico e delicioso da minha vida. Verdadeiro Psychocandy
  • Alda
    24 mar, 2017 Porto 18:49
    Eu por acaso gosto mais do Darklands
  • Helder Rui
    24 mar, 2017 Porto 16:24
    Muita malta diz que o Psychocandy é o melhor disco deles, mas eu continuo a preferir o Automatic que é o mais criticado, o problema é que na altura ninguém percebeu que era um disco muito á frente para o tempo. Ao contrário, o Psychocandy é um álbum cheio de referências á música dos anos 60 mas com a nuvem de ruído. É bom , é relevante, é influenciador sim sr mas não é o melhor deles. O Automatic tem grandes canções e é o meu preferido esta amputation faz-me lembrar essa época e deu-me vontade de voltar a ouvi-los
  • João T Alves
    24 mar, 2017 Oeiras 15:19
    caramba. Eles estão velhos. Continuam a tocar de costa para o público ou a febre já lhes passou?
  • Rui
    24 mar, 2017 Gaia 13:42
    Eh pá! Passei-me muito com os Jesus. No bom sentido. Já não ouço faz tempo. Vou comprar o disco
  • Pedro
    24 mar, 2017 Lisboa 13:11
    Eu vi os JAMC no Restelo em 88. Que grande confusão. Que grande concerto!
  • Adolfo Dias
    24 mar, 2017 Vila de Pedroso 12:44
    Há gente mesmo muito fora... É só forinhas...

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