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Reportagem

Uber e Cabify. Mais três meses de multas e precariedade

17 mar, 2017 - 12:05 • Catarina Santos

Este era um dia muito esperado por quem trabalha com plataformas como a Uber e Cabify, mas a regulamentação do sector pode demorar mais três meses. A Renascença apanhou boleia num destes veículos para perceber como se trabalha com a ameaça constante da multa e da precariedade.

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Vida de motorista Uber. Cidália foi explorada, deu meia volta e mudou de faixa
Vida de motorista Uber. Cidália foi explorada, deu meia volta e mudou de faixa

Já ouviu aquela história do taxista que não levou a senhora ao médico porque o trajecto era muito curto? E aquela do motorista da Uber que não transportou uma cliente cega porque o cão não podia entrar no carro? Se privar com motoristas ouvirá muitas destas narrativas. O alvo do juízo moral dependerá apenas da ligação empresarial do condutor. A luta que opõe taxistas e empresas que funcionam com plataformas electrónicas está para durar.

Este era um dia muito esperado por quem trabalha com plataformas como a Uber e Cabify, mas a proposta de lei para regulamentar o sector não vai, afinal, ser votada. O documento do Governo não teria apoio dos restantes partidos e seria chumbado. Deverá baixar à comissão sem votação, o que pode adiar por mais 90 dias uma decisão.

Entretanto, milhares de motoristas continuam a operar para estas plataformas, em Lisboa e Porto. A esmagadora maioria não tem carro próprio ao serviço. Trabalha para empresas que gerem frotas de automóveis e ganha uma percentagem do valor das viagens.

A Renascença apanhou boleia num destes veículos para perceber como se trabalha com a ameaça constante da multa (entre 5 mil e 15 mil euros para as empresas; entre 2 mil e 4.500 para os motoristas) e da precariedade.

Cidália Ribeiro tem 31 anos e começou a trabalhar com a Uber há oito meses. Agora está numa empresa parceira da plataforma que, por cada viagem efectuada, lhe dá uma comissão de 40% até aos 350 euros e de 43% acima desse valor. A empregadora é responsável pelo telemóvel que está no carro, paga todos os custos com internet e combustível.

Tem o carro durante 12 horas por dia, mas só tem de estar um mínimo de oito horas disponível na plataforma. Como a maioria dos motoristas do sector, passa recibos verdes, mas é uma excepção por ter um contrato de trabalho renovado mensalmente. Consegue receber à volta de 700 euros por mês.

Cidália passou já por outras experiências bem mais precárias, em que trabalhava efectivamente 12 horas por dia e “chegava a ganhar 80 ou 100 euros por semana”. E ainda tinha de pagar os dados móveis necessários para poder estar ligada à plataforma da Uber.

Autoridade do Trabalho tem recebido queixas

Multiplicam-se as queixas de situações de exploração laboral. A Autoridade para as Condições do Trabalho não adianta números, mas confirma à Renascença que “tem sido contactada por pessoas que pretendem informação sobre a sua relação laboral” e garante que “está atenta e a acompanhar algumas empresas que prestam estes serviços de transporte”.

O presidente da Associação Nacional de Parceiros das Plataformas Alternativas de Transportes considera que a precariedade decorre da ausência de um quadro legal definido. João Pica sustenta que o que oferecem aos colaboradores “é em tudo idêntico ao que um motorista de um táxi aufere”, e argumenta que são as debilidades legais que não permitem criar melhores condições.

“Como não temos o suporte da lei, é-nos um pouco difícil estarmos a celebrar contratos em termos de efectividade. O que eu calculo, enquanto presidente da associação, e o que digo a todos os parceiros e sócios é que assim que a lei sair, há que melhorar as condições e proporcionar contratos válidos às pessoas para que trabalhem com a dignidade respectiva”.

Mais 90 dias sem lei… e com multas

A proposta de lei que o Governo queria levar esta sexta-feira a votação era vista como um urgente primeiro passo pela ANPPAT. “Consideramos que não é a proposta ideal, mas vai ao encontro das nossas expectativas e dá-nos capacidade para trabalharmos de uma forma legal, de cabeça erguida e sem qualquer tipo de problema perante as autoridades ou a entidades competentes”, diz à Renascença João Pica, presidente da estrutura.

João Pica estima que existam cerca de 200 empresas a actuar no sector em Portugal e mais de 2.500 motoristas. A ANPPAT tem cerca de 100 parceiros associados – 80 a 85% trabalham com a Uber e 15 a 20% com a Cabify.

Já a maior associação de taxistas nacional considera que a proposta de lei do Governo estava longe de ser a ideal. O presidente da ANTRAL, Florêncio Almeida, diz que “há algumas coisas" que "ainda são inconstitucionais” para os taxistas.

O Bloco de Esquerda (BE) avançou com uma iniciativa própria para regulamentar o sector e propõe, por exemplo, que sejam criados contingentes para o número de carros que podem operar. O BE alerta ainda para os riscos de “dumping” – o risco de se praticarem preços baixos até se conseguir controlar o mercado, para depois os subir quando não existir alternativa.

São alertas que vão ao encontro das reivindicações dos taxistas, mas que não convencem o presidente da ANTRAL. Florêncio Almeida sublinha que “o PCP, naturalmente, foi o único partido que até hoje sempre defendeu que estas plataformas não devem ser aprovadas” e classifica as propostas do Bloco como “uma mixórdia que não diz nada” e que “não tem nada de concreto”.

O Executivo pediu que a proposta baixe à comissão de economia sem votação para que seja discutida a proposta do BE, o que pode adiar a decisão por mais 90 dias. A ANPPAT considera o adiamento “vergonhoso” e recorda que cerca de 200 motoristas já foram multados por operarem numa situação de vazio legal.

A legislação aprovada em Novembro permite que o Instituto da Mobilidade e Transportes cobre multas por transporte em táxi ilegal – e, enquanto não forem reguladas, as plataformas electrónicas estão incluídas neste lote.

“Neste momento nós trabalhamos com algum receio, estamos sistematicamente a cair nas operações ‘stop’, que se focalizam em quem trabalha para as plataformas da Uber e da Cabify”, conta João Pica. O Governo tinha dito que queria resolver a questão até ao final de 2016. Depois, passou para Março. Agora, poderá demorar mais três meses.

Comentários
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  • walter
    16 abr, 2017 Seixal 16:12
    Ainda duvida da precariedade? Este calculo não considera o investimento e as contas são feitas com base no extrato de quatro dias de trabalho: Horas trabalhadas 39h7m Km pagos pela Uber 382,4 Km reais na procura por clientes e deslocações até estes 636€ Diesel 118,5 km Alimentação 16,0€ Lavagem 7,0€ Águas para clientes 2,0€ Wi fi 3€ Ponte 8,8€ Pneus 0,02€ Revisão 0,06€ Seguros 3,84€ Custo total 136,60€ Recebido da Uber 303,3€ Liquido 166,60€
  • Manuel Costa
    27 mar, 2017 Agurda 21:33
    Em Portugal a burocracia e as lentas decisões põem os investidores com os cabelos em pé. Esta é mais uma decisão que tarda a chegar!?...
  • Marcus Simonini Ferr
    20 mar, 2017 Rio de Janeiro 17:50
    Ao ler esta matéria, aliás, muito bem elaborada pela RR, percebo que o problema da UBER x Táxi, em Portugal é muito similar ao que ocorre, por exemplo nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. A proposta do BE é idêntica à da Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro.
  • Didier
    20 mar, 2017 Lisboa 13:57
    O grande problema para mim é que o setor do taxi não está a fazer nada para se modernizar, claro que o vazio legislativo só serve para a Uber e a cabify crescerem. exemplo: o meu percurso habitual custa cerca de 12. euros de taxi, e custa 8 na UBER. No taxi ando invarialvelmente de charuto com 20 anos e 2 milhoes de Kms, metade das luzes vermelhas do tablier ligadas, sujo e com um reformado como motorista que vai praguejando contra tudo e todos. Se eu não gostar dele, ou da forma como me transportou .. AZAR Na Uber sou transportado num carro limpo, recente e com alguém que só fala comigo se eu falar com ele. sei quanto vou pagar de antemão e tenho voz ativa sobre o serviço. Conclusao O negocio dos taxis (se não se modernizarem rapidamente) tem os dias contados. Bem podem ir para a rotunda do aeroporto.. viver
  • Geraldo Luiz de Oliv
    18 mar, 2017 Campinas. SP 14:53
    Essas empresas de tecnologia tipo Uber e cabif estão praticando dump, e fazendo com os motoristas sejam tipo escravos todo o ganho fica nas despesas, eles não sabem fazer cálculo de custo benefício.
  • edson
    18 mar, 2017 campinas sp 13:35
    Esse negocio de carro usando aplicativo , pra fazer o serviço do taxi , e furada , isso na minha opinião a policias devia investigar isso , por que pra mim isso e um meio de políticos lavar
  • Flávio
    18 mar, 2017 Maia 09:51
    Bom, a ser verdade os 40pct e mínimo de 8 horas, já ganham mais por menos horas do que um motorista de táxi em qualquer lugar. :) Por cá, conto com 6 dias de trabalho a 11/12 horas, portanto não se queixem muito pois este problema já faz parte do setor de transportes a muito tempo.
  • Rolando Pascoal Pinh
    18 mar, 2017 2955-203 07:07
    As multas nada tem a ver com este projecto de lei,mas sim com a lei 35/2016,continua se malhar em ferro frio,não existe uma única viatura a ser multada por este projecto lei,mas sim pelo não cumprimento da lei 35/2016
  • Pat Bel
    18 mar, 2017 Barcelona 00:59
    Realmente é uma vergonha de partidos de tretas. ..! PCP estes são e serão um atraso de vida.. BE estes pelo facto de ter uma cadeirinha no Parlamento julgam se gente , até já querem propor projeto Lei completamente desenquadrado com mundo atual , contingente de veículos! para acontecer o mesmo com taxis ! BE voltem para lugar que sempre estiveram. PSD , lamentável para quem sempre foi a favor das Plataformas , outra posição seria vergonhoso dar braço a torcer ao seu rival. Finalmente exploração aos motorista dos parceiros das Plataformas e não da Uber ou Cabify . Mas o engraçado está na ACT que anda atenta ! ACT deveria estar atenta às empresas de transportes rodoviários e taxis incluídos pelo incumprimento da alínea a) artigo 4 da Diretiva 2002/15/CE . Motoristas de veículos pesados são mesmo explorados , porque não escravizados trabalham 15 h diárias no duro a conduzir , carregar , descarregar, ser hulmilhados e ACT não fiscaliza estas empresas. Como tal aprovem plataformas que Portugueses desejam e deixem se de tretas. .sim sou leio tretas e leiam por favor Diretiva 2002/15/CE À bientot
  • Luís Casaca
    17 mar, 2017 Lisboa 23:39
    Meus Srs..Falemos do que é verdade.. Pressão constante para fazer horas e mais horas (12..13..14 )..os veículos sempre activos para os parceiros receberem valores que oscilam dos 15 aos vinte e muitos € por hora/ carro, para depois pagarem a quem dá a cara, percentagem ou 3.50€ à hora..Se vais ao WC..Não ganhas..Se vais comer.. Não ganhas..DIREITOS !!!..BOLA.. escala de serviço.. Horário de trabalho..Recebes ordens directas do parceiro e da plataforma..Trabalhas todos os dias e... És prestador de serviços !!!.. Plataformas que vêm CHEIAS..CHEIINHAS de €, entram no nosso país como querem, não têm responsabilidade nenhuma (só são plataformas!!!) e o nosso governo (FRAQUINHO) consente está PRECARIEDADE..VERGONHOSA, a forma como se EXPLORA quem já não conta para as estatísticas do emprego..O País cheio de cartazes CONTRA a PRECARIEDADE e ...NADA.. NÃO existe actuação das entidades reguladoras..venham falar comigo que eu mostro as provas..Essa reportagem é muito sucinta..As pessoas têm medo de falar porque no dia seguinte não vêm na escala de serviço porque...SIM!!.Não trabalhas mais porque SIM!!..A ACT dorme!!..Na volta os seus inspectores e os Srs. deputados andam de Uber e Cabify e dizem.." Que serviço de qualidade, carros novinhos..Todos de fatinho..Que beleza!!.. Vão 4 pessoas do centro de Lisboa almoçar ao Rossio e pagam 3.50€..!!!..0.80 e tal cêntimos cada um..Que grande negócio!!! Para quem?..Haja coragem para pôr está actividade LEGAL..Contratos de trabalho..

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