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Guterres envia recados a Trump por causa dos cortes orçamentais à ONU

17 mar, 2017 - 09:07 • José Alberto Lemos, em Nova Iorque

Diplomaticamente como convém, mas reafirmando princípios inalienáveis como o multilateralismo. Guterres lança remoques a Trump. Reconhece necessidade de reformas e sublinha convergências. Mas insinua esperança na acção do Congresso.

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António Guterres reagiu esta quinta-feira diplomaticamente ao anúncio de cortes na contribuição americana para a ONU previstos no projecto de orçamento que o Presidente dos Estados Unidos apresentou ao Congresso.

E dizemos diplomaticamente porque, no curto depoimento divulgado pelo seu porta-voz, há parágrafos que visam agradar aos Estados Unidos e parágrafos em que são deixados alguns remoques à administração Trump.

Nas partes que convergem com os interesses e objectivos americanos, Guterres reitera o seu empenhamento em trabalhar afincadamente para reformar as Nações Unidas, criando uma organização “economicamente mais viável” capaz de “enfrentar os enormes desafios colocados à comunidade internacional”.

Exprime “gratidão" pelo apoio que Washington tem dado à ONU ao longo dos anos enquanto seu contribuinte principal e diz-se pronto para discutir com os EUA ou qualquer outro Estado-membro a melhor forma de garantir maior viabilidade económica para perseguir os objectivos e valores comuns.

O secretário-geral garante estar “totalmente empenhado em reformar as Nações Unidas” e em assegurar que elas se mantêm fiéis aos propósitos para que foram criadas e apresentem resultados de forma eficiente e a menores custos.

Guterres sublinha assim a sua concordância com as críticas principais da administração Trump à ONU — demasiado burocrática, cara e ineficiente. Reformá-la torna-se por isso um objectivo comum.

As divergências

Mas noutros parágrafos, o secretário-geral não se inibe de assinalar as divergências. Numa alusão à redução financeira projectada por Trump, Guterres alerta para o facto de “o corte abrupto de fundos poder forçar a adopção de medidas ad hoc que poderão minar a longo prazo os esforços reformadores”.

E na questão da luta antiterrorista, o chefe da ONU subscreve a necessidade de combater eficazmente o fenómeno, mas acredita que isso não se faz apenas com gastos militares.

“É necessário olhar também para as motivações ocultas do terrorismo, investindo na prevenção e resolução de conflitos, no combate ao extremismo violento, na construção e manutenção da paz, no desenvolvimento inclusivo e sustentável, no reforço e respeito pelos direitos humanos e em respostas atempadas às crises humanitárias”, diz Guterres, enumerando no fundo os vários tipos de missões a que a ONU está obrigada.

Missões que requerem dinheiro, naturalmente, e que não podem ser abandonadas por falta de fundos que seriam desviados para despesas exclusivamente militares. Recorde-se que Trump justifica o corte de 50% projectado na contribuição para a ONU com a necessidade de investir mais na Defesa. O que Guterres vem dizer é que o terrorismo não se combate apenas através de gastos militares e que é preciso olhar para as suas raízes e para o seu contexto.

Uma missão que só pode concretizar-se de forma multilateral, na opinião de Guterres. “A comunidade internacional está perante desafios globais enormes que só podem ser enfrentados por um sistema multilateral forte e eficaz, do qual as Nações Unidas são o pilar fundamental”, conclui.

Reafirmar a necessidade do multilateralismo e reiterar que a ONU é o pilar fundamental do sistema internacional podem parecer declarações de princípios inócuas. Mas fazê-lo dirigindo-se a uma administração profundamente unilateralista e a um presidente que vê a ONU como um “clube para as pessoas se encontrarem, conversarem e divertirem” já nada tem de inócuo e assinala uma divergência de fundo.

Recorde-se que o projecto de orçamento apresentado por Donald Trump ao Congresso americano na quinta-feira prevê um corte de 29% nas verbas destinadas ao Departamento de Estado, donde sai a contribuição anual dos EUA para a ONU. A Casa Branca terá dado instruções ao departamento para cortar cerca de metade dos fundos para as Nações Unidas, o que, a concretizar-se, porá em risco muitas das missões da organização.

Trata-se, contudo, para já de uma primeira versão do orçamento federal, que sofrerá certamente muitas alterações no Congresso, que tem de o aprovar. Foram já vários os congressistas e senadores que criticaram os cortes defendidos por Trump em várias áreas, nomeadamente na política externa. Resta saber se os fundos para a ONU estarão incluídos nas preocupações dos legisladores.

O comunicado de António Guterres faz uma alusão sibilina ao processo, insinuando a esperança de que o orçamento sofra alterações no Congresso: “A ONU viu projecto do orçamento para 2018 divulgado pela Casa Branca e anota que o processo orçamental nos EUA é complexo e demorado e precisa ainda de ser concluído”.

Para bom entendedor…

Comentários
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  • luísa lopes
    17 mar, 2017 13:54
    Curiosamente, o Sr. Guterres não se lembra de exigir o pagamento a países que há anos lucram com a ONU - e que muitas vezes têm as delegações mais faustosas - mas que nunca se lembram de pagar as respetivas quotas.
  • Pereira
    17 mar, 2017 Lisboa 10:53
    Como o secretário-geral da ONU é português já está habituado a andar de mão estendida a pedir qualquer coisita ... aproveita-se esta predisposição cá do burgo ...
  • antonio pais
    17 mar, 2017 lisboa 09:34
    O Trump hj já n dorme descansado....

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