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Isabel Barbosa. “Quando os doentes recebem notícia de que têm uma doença do sangue o Mundo desaba"

11 mar, 2017 - 23:10 • Vítor Mesquita

A presidente da Associação Portuguesa de Leucemias e Linfomas falou à Renascença da doença, dos apoios que prestam e da ajuda dos voluntários. Há também um livro para ajudar à divulgação.

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Apoio importante para doentes com mieloma múltiplo, em dificuldade económica, a Associação Portuguesa de Leucemias e Linfomas (APLL) tem como missão o auxílio e o acompanhamento de pessoas afectadas por este tipo de cancro no sangue. O mais recente contributo é o livro “Somos Todos Heróis”, que relata o problema através do testemunho de quem sofre com mieloma múltiplo e de quem trata e apoia.

Em entrevista à Renascença em pleno mês da consciencialização para o mieloma múltiplo, a presidente da Associação Portuguesa de Leucemias e Linfomas, Isabel Barbosa, explica que doença é esta:

O mieloma múltiplo é uma doença do sangue, em que há uma alteração das células dos plasmócitos – que em vez de produzirem anticorpos que nos vão proteger, produzem proteínas anormais que afectam o sistema imunológico. Provoca lesões renais, lesões ósseas e aparece em pessoas já com bastante idade. É mais frequente em pessoas com mais de 60 anos de idade.

E como se manifesta?

Normalmente as pessoas têm dores muito fortes na coluna, que por vezes, alguns médicos de família não valorizam, devido à idade das pessoas. Dessa forma podemos ter as pessoas com a doença a serem medicadas durante um período de tempo, mas a não serem correctamente diagnosticadas. O problema é mais grave do que aquilo que pensam e, como a população está a envelhecer, o número de doenças malignas do sangue também está a aumentar.

Esta é uma doença sem cura, mas com tratamento?

Tem controlo. Há muito novos fármacos que podem ser utilizados. Há vários ensaios clínicos que estão a ser realizados. Portanto, pode dizer-se que é uma doença cada mais controlável e em que a sobrevida é cada vez maior.

Há a percepção de qual é a taxa de incidência da doença em Portugal?

Há cerca de 300 novos casos por ano. A maior parte dos doentes tem de fazer, forçosamente, um protocolo de quimioterapia ou iniciar tratamento com novos fármacos. E alguns deles vão fazer autotransplante da medula no final da quimioterapia – depende muito do estádio da doença.

Perante o cenário que acaba de traçar, qual o papel da Associação Portuguesa de Leucemias e Linfomas (APLL), nesta área?

O papel da APLL e dos doentes da APLL – ou dos sobreviventes ou resistentes, como alguns querem ser chamados – é passar o testemunho aos doentes com novos diagnósticos. Nós tentamos ajudá-los e aos familiares a renovarem a sua vida.

Neste enquadramento surge o livro “Somos Todos Heróis”. Pergunto-lhe: Que livro é este?

É um livro que reúne a experiência dos doentes, dos ex-doentes, dos psicólogos e temos, também, o prefácio da poetisa Ana Luísa Amaral, que numa frase expressa tudo o que está no livro: “(…) do Mundo que desaba e se renova (…)”. E, realmente, quando os doentes recebem a notícia de que têm uma doença do sangue, o Mundo desaba. É um livro importante para todas as pessoas. Creio que há pouca gente que não conheça alguém que tenha tido uma leucemia, ou um linfoma, ou um mieloma. No fundo, perceber a angústia das pessoas e como a conseguem superar é muito importante. O lado mais importante do livro é o testemunho de quem passou pela doença hematológica. Temos depois uma parte de auto-ajuda, com uma doente que escreveu sobre o que sentiu e como conseguiu ultrapassar. Há ainda um capítulo de psico-oncologia - importante na ajuda aos doentes e na superação do problema – para fazer perceber às pessoas que não estão sós e que há outros que passaram pela mesma experiência e conseguiram ultrapassá-la.

Foi fácil encontrar estes testemunhos. As pessoas mostravam-se disponíveis para contar a sua experiência, foi um processo fácil?

Foi um processo lento. Felizmente, temos mais de 50 testemunhos. Há doentes e ex-doentes que agora têm força para contar o próprio caso.

Alguns, que apesar de serem activos na APLL, acharam que não tinham coragem para escrever a história deles. No entanto, a coragem destas 50 pessoas deu-lhes mais força.

Precisamente essa força, pode ser importante, no tratamento? Falou-me há pouco nas sessões de quimioterapia. O livro pode funcionar como um estímulo?

Eu acho que é um estímulo muito grande. Para os doentes actuais, ler os testemunhos de alguns autores que passaram por sessões de quimioterapia e conseguiram arranjar força para voltar à sua vida normal, às suas famílias… Há pessoas que dizem que tiveram que lutar, que tinham em casa filhos, que tinham que voltar para casa, que tinham voltar para os seus trabalhos.

Acho que este livro dá força aos novos doentes e também dá coragem a alguns que já passaram pelas doenças.

Pode ser uma arma contra o isolamento?

Sim, há muito doentes e ex-doentes que se isolam e quando encontram doentes que falam ficam mais compensados psicologicamente. Nós temos dois programas de reabilitação física dos doentes que são o De volta à forma (no Porto) e o Pulsar (em Braga) e acho que o simples convívio dos doentes, estarem num local em que sabem que toda a gente teve um problema é muito bom. Torna a comunicação entre eles melhor, a satisfação e a auto-estima melhoram.

Para lá das dificuldades inerentes à doença que outros problemas enfrentam estes doentes?

Por vezes, não têm apoio financeiro suficiente e quando vão do hospital para casa não têm condições económicas para comprar a medicação, próteses, que por vezes precisam, óculos, próteses dentárias, etc. Nós temos um grande número de doentes que temos de apoiar financeiramente todos os meses.

E aí é que a sociedade civil tem um papel importante, com as pessoas saudáveis, as empresas a tornarem-se sócias da Associação. Porque nós precisamos de todos os donativos para apoiar os doentes. Enquanto permanecem no hospital, os doentes têm o tratamento, mas quando regressam a casa a conta mensal da medicação é bastante alta e há pessoas com ordenamos mínimos que não têm dinheiro para essa medicação.

E os doentes com mieloma múltiplo são dos doentes que têm períodos de medicação mais longos e muitos deles precisam do apoio económico da associação, caso contrário não conseguiam adquirir esses medicamentos.

Mas esses medicamentos são comparticipados…

São, mas ainda assim as pessoas…

As pessoas têm dificuldades

A questão está na dificuldade das pessoas. Por exemplo, um doente com mieloma múltiplo com sessenta anos e que tenha uma reforma mínima por vezes não tem dinheiro para ir à farmácia buscar toda a medicação que necessita. O período entre o diagnóstico, o tratamento e a reforma por invalidez é muito difícil para muitos doentes. A associação, nessas alturas, tem um papel fundamental para eles, no apoio à medicação. Caso contrário alguns deles não fazem a medicação.

Portanto, para lá de toda a informação e do apoio psicológico que tentamos dar a doentes e familiares também temos esta vertente do apoio económico que é, realmente, importante.

Vamos ter, em breve, uma campanha em pacotes de açúcar, com frases do livro, e em que vai indicado o NIB da conta da APLL para que toda a gente possa contribuir.

Quem tem este problema, quem tem um familiar com este problema pode contactar facilmente a associação, no sentido de garantir apoio, ou esclarecimento?

Há muito tempo que tentamos ter uma linha de apoio, que ainda não conseguimos por razões económicas, mas de qualquer maneira por email, através do Facebook, por telefone, todos os doentes nos contactam. A APLL está sempre disponível para falar com os doentes. Eu acho que agora as pessoas estão mais alertadas para as doenças e, apesar da internet, as pessoas querem falar com pessoas, com voluntários ligados à associação.

Aproveito para destacar o papel do voluntariado, com pessoas que dedicam parte do seu tempo a actividades na APLL. Vão visitar doentes aos hospitais, trabalham na associação e contribuem para a sua divulgação e para as informações que são dadas aos doentes.

Há voluntários em número suficiente?

Não. Precisamos de mais voluntários que nos queiram vir ajudar.

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