19 fev, 2017 - 12:58 • José Bastos
PSD e CDS vão apostar numa nova comissão parlamentar de inquérito à Caixa Geral de Depósitos, desta vez para esclarecer o convite a António Domingues para liderar o banco público e as negociações subsequentes.
Esta nova comissão terá, apurou a Renascença, sobretudo, um objectivo político que é esclarecer as negociações entre o Governo e António Domingues e a posterior demissão deste da presidência da Caixa Geral de Depósitos, no fim de 2016.
Apesar da vontade declarada de governo e presidência em dar a polémica “por encerrada” a oposição aposta no tema como forma de capitalizar politicamente o momento desviando dos radares os indicadores económicos positivos do final do ano, em particular, o défice historicamente baixo.
Em causa está o futuro político do ministro Mário Centeno, mas também questões de fundo como a confiança do conjunto da cidadania num sistema de governação que permite a uma sociedade de advogados elaborar um diploma “à medida” para um cliente.
Álvaro Santos Almeida reitera no Conversas Cruzadas a defesa da demissão de Centeno por “acção de favorecimento pessoal”. “Já a semana passada deixei claro que o ministro se devia ter demitido, independentemente de ter mentido ou não, porque fazer uma lei para beneficiar essa pessoa, a pedido do próprio, não só fazendo a lei, mas pedindo a essa pessoa que trate da lei… é censurável”, diz o professor de economia da Universidade do Porto.
“Pedir a António Domingues que faça uma lei passada para beneficiar exclusivamente António Domingues é uma acção de favorecimento pessoal que me parece no mínimo eticamente reprovável. Só por isso o ministro Centeno devia ser demitido”, afirma.
“Depois especulou-se que surgiriam informações que mudariam este quadro, mas não só isso não aconteceu como, esta semana, ficou claro ter havido por parte de Mário Centeno indicações que levaram António Domingues a achar haver um acordo, o tal erro de percepção mútua. Isso só reforça a actuação eticamente reprovável do ministro das finanças”, diz Álvaro Santos Almeida.
Silva Peneda: “A opinião pública está farta disto”
Já Silva Peneda faz notar que “não lhe apetece discutir o tema: um episódio que descredibiliza a política”. O economista reconhece que nesta fase, “a oposição não vai agora largar o osso. Esse aspecto é claro. Quanto à eventual demissão do ministro quem a pode decidir é o envolvido ou o primeiro-ministro. Mais ninguém”, afirma.
“Portanto depende da forma como as pessoas encaram a situação. Quero dizer que se eu fosse alvo de um comunicado como o de segunda-feira do Presidente da República nesse mesmo dia eu pedia a demissão. Mas isso sou eu. E assim o assunto estava encerrado”, diz o antigo ministro.
“Eu não aceitava que o meu Presidente da República fizesse um comunicado dizendo 'estás aí a prazo' ou um "estou de olho em cima de ti' responderia com um 'então é já hoje'. Eu tenho muita dificuldade em discutir estas questões porque dependem muito de aspectos psicológicos. Não estou dentro das pessoas nem conheço profundamente os envolvidos. Posso é dizer que no meu caso reagiria assim. Mais que isso não posso adiantar”, afirma José Silva Peneda.
“Eu acredito que a opinião pública está farta disto. Mentiram? Todos mentem. Nos governos anteriores também mentiram. Por isso é que digo não me apetecer discutir este assunto. Isto descredibiliza a política e este é um episódio que produz esse efeito. Eu não dou para este peditório. Manifesto só esta opinião: se eu estivesse no lugar do ministro das finanças, face ao comunicado do Presidente da República, não hesitava um segundo sequer a pedir a minha demissão”, diz o ex-presidente do CES, Conselho Económico e Social.
“Era isso o que eu faria, agora se o ministro o fará ou não é algo que manifestamente não sei. O facto de ter sido invocado o interesse nacional era mais uma razão. Não sei o que vai acontecer porque isso depende do perfil psicológico do próprio ministro e do primeiro-ministro. A demissão de um ministro só depende desses dois envolvidos. Não depende de mais ninguém. O Presidente da República não pode demitir um ministro. Pode fazer um comunicado a convidá-lo a sair. Ou não pode….”, ironiza. “Já se discutiu tudo”, remata Silva Peneda.
Álvaro Santos Almeida lembra um episódio envolvendo um ministro de José Sócrates. “Em 2008, na passagem de ano, no discurso de Ano Novo o presidente da República Cavaco Silva fez uma intervenção muito crítica do então ministro da saúde e na sequência desse discurso o Dr. António Correia de Campos pediu a sua demissão”, recorda.
Luís Aguiar-Conraria: “O problema não é a descoberta da verdade. É a verdade ser o que é”
Já Luís Aguiar-Conraria apresenta a sua “narrativa” particular sobre o tema que marca a actualidade política. “Com base nos factos conhecidos a minha interpretação especulativa do que aconteceu é a seguinte: Marcelo Rebelo de Sousa era inicialmente contra a ausência da declaração de património e preparava-se para vetar a lei que permitiria a isenção”, afirma.
“António Costa terá convencido o presidente a não o fazer porque o plano de restruturação da CGD que estava a ser discutido em Bruxelas estava em muito dependente da figura de António Domingues, muito conceituada junto do BCE. A determinada altura Marcelo Rebelo de Sousa ter-se-á apercebido de que havia uma lei de 1983 que lhe permitiria puxar o assunto no momento oportuno”, diz o professor de economia da Universidade do Minho.
“Então o governo aprovou a lei e António Domingues aceitou ser presidente da CGD e, uma vez planos aprovados, pôde tirar da cartola a ideia de que existia uma lei de 83, cuja interpretação de que se aplicava à Caixa não é óbvia. A prova é o próprio Marcelo Rebelo de Sousa ter escrito um parecer, depois divulgado no site da Presidência.
“O Presidente aqui a pressionar o Tribunal Constitucional: Marcelo obviamente não é Cavaco Silva um especialista em finanças públicas. Marcelo Rebelo de Sousa é um dos maiores especialistas do país em Direito Constitucional. É evidente que um parecer jurídico do presidente que é um dos maiores constitucionalistas do país tem um peso que, a seguir, condiciona o TC. Penso que foi isto o que se passou”, remata Luís Aguiar-Conraria.
“Ainda há coisas que estão por se discutir. O problema não é a descoberta da verdade. O problema é a verdade que é. Sendo a verdade que é, é melhor descobri-la”, defende o economista. “Concordo quando diz que no passado mentiram, mas isso está mal. Neste momento o governo do PS está a pagar preço de não ter feito o que devia: demitir imediatamente o ministro Centeno”, acrescenta Luís Aguiar-Conraria.
“Não é admissível a forma como são feitas as leis”
Já o consultor de Jean Claude Juncker não crê que Mário Centeno possa ter perdido força em Bruxelas. Silva Peneda defende que visto de fora, desde Bruxelas, os resultados são muito positivos. “Não acho que o ministro Centeno esteja fragilizado. Perante as instâncias europeias como ministro das finanças não está nada fragilizado. Nas suas funções ele só apresenta resultados brilhantes”, diz o economista.
“Agora como homem - em matéria de carácter - é capaz de estar. Além de ministro há outra componente envolvida que é a do carácter. Se uma pessoa é ‘alvejada’ como foi pelo Presidente da República e aguenta, então tem nervos de aço e assobia para o lado e continua... Mas há pessoas que não são capazes de assobiar para o lado e reagem”, afirma Silva Peneda.
Já Luís Aguiar-Conraria retoma um elemento central do debate. “É óbvio que Centeno já devia estar demitido e acho que não se está a discutir o mais importante. O mais importante é algo já aflorado por Álvaro Santos Almeida: é a forma como as leis são feitas em Portugal e como se encomendam a escritórios de advogados - com óbvios conflitos de interesses - que depois irão defender clientes com leis que eles próprios redigiram. Isso não é admissível numa democracia”, defende o professor da Universidade do Minho.
“Lamento que se discuta uma coisa que já devia estar mais que resolvida, a demissão do ministro, para não discutir o verdadeiramente importante: como se fazem as leis. Porque o PSD e o CDS estão muito calados e o motivo é precisamente que sempre se teve esta prática. Aqui era necessário haver quase um pacto de regime, um levantamento das leis que foram assim feitas no passado, porque se percebe ser esta uma prática absolutamente comum”.