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Entrevista

Ilda Figueiredo: "Quero conjugar o turismo com a defesa da alma do Porto"

15 fev, 2017 - 19:24

Candidata da CDU às autárquicas do Porto quer travar a saída de população da cidade.

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Candidata-se numa altura em que o Porto está na moda, foi escolhido como principal destino europeu, quando há um crescimento acentuado do turismo, a que se associa um aumento também de serviços na cidade. Por onde é que o Porto pode melhorar?

O Porto é uma cidade bonita, é uma cidade que foi classificada como Património da Humanidade, é uma cidade com pergaminhos muito fortes, até na defesa de direitos, da liberdade, da democracia, porque aqui no Porto nasceram algumas lutas importantes ainda em plena monarquia. Lembro o 31 de Janeiro, lembro depois também a luta contra a ditadura... Mas simultaneamente, o Porto envelheceu e perdeu população. E houve grandes problemas com a habitação, não só a questão da habitação social, que no Porto tem uma grande importância, mas a habitação na zona histórica. Não é um problema só de agora, é verdade. Já vem de alguns anos...

De algumas décadas.

De algumas décadas até, é verdade. Mas acentuou-se nos últimos tempos. E a reabilitação urbana que se tem feito tem sido muito virada para o turismo e menos para a população, e esse...

O turismo em si é uma aposta errada?

Esse é um dos problemas. O Porto tem todas as condições para ser uma grande cidade, aberta, naturalmente, ao turismo, aos visitantes nacionais e estrangeiros, uma cidade cosmopolita. Mas o Porto não pode perder a sua alma. E a sua alma é-lhe dada pela sua gente. Pela gente que ajudou a construir este Património Material e Imaterial. E é isso que torna esta cidade única, pela sua riqueza, importante no plano patrimonial, cultural... Quando eu falo de património e de cultura, falo não apenas das pedras, mas também, e sobretudo, de quem as construiu, de quem construiu os edifícios e de quem lhes deu esta cor tão característica, incluindo nas falas, incluindo nos gostos, incluindo nos sabores. E esta é a minha preocupação. Esta é a preocupação também da CDU. Conjugar o turismo com a defesa da alma do Porto.

É muito crítica, e sublinhou esse ponto, da reabilitação urbana. Qual é o principal problema? São os preços praticados, a forma como se direcciona essa reabilitação urbana, o tipo de pessoas que se tenta captar?

Queremos que a reabilitação se faça naturalmente com toda a força porque é preciso impedir que o Porto fique muito envelhecido e a reabilitação é muito importante, mas há que ter equilíbrios nisto. E aí a câmara tem um papel muito importante. Seja uma reabilitação urbana para a população que ali vive, para captar população que teve de sair... O Porto perdeu muita população. O Porto perde, em média, diariamente, cerca de trinta pessoas. Tem perdido nestes últimos anos à volta de 9 a 10 mil pessoas por ano e isto não pode continuar assim, tem de se travar.

Mas isso acontece por causa dos preços que são praticados?

Por causa das três questões. Porque os preços são elevados, as rendas cresceram, os preços da habitação são elevados, as populações jovens precisam de habitação fora, saem da cidade, e, mesmo em termos de habitação social (e cerca de 15% da população da cidade vive em habitações municipais), nós sabemos que há uma lista de espera muito elevada, de cerca de mil famílias que pretendem fundamentalmente T1 ou T2, portanto, populações também jovens e que não conseguem. Então tendem a vir para Vila Nova de Gaia, ou para outras cidades próximas. Ora, é preciso resolver este problema. É uma questão central. E, naturalmente, conjugar então toda a reabilitação urbana para a população e não apenas para o turismo.

É a principal falha da actual gestão liderada por Rui Moreira?

Eu considero que a câmara municipal tem de ter como prioridade a defesa da sua população e da melhoria das condições de vida da sua população. Conjugando isto naturalmente com a abertura, com a dinâmica do turismo, com a dinâmica do comércio, com a dinâmica dos transportes, mas tendo que fazer aqui algum equilíbrio, procurando equilíbrios nisto.

Como é que se faz esse equilíbrio? Com que tipo de medidas?

Bom, com regulamentos, por um lado, com diálogo, por outro, com prioridades municipais, que tenham que definir, designadamente até, em muitos prédios que são municipais, que a sua reabilitação se faz fundamentalmente para moradores. Para captar moradores que tiveram de sair ou que têm dificuldades de viver naquela zona, se não tiverem preços sociais. E esta é uma questão importante. Bom, nós estamos de tal modo preocupados com este problema que vamos até, esta semana, na sexta-feira, realizar um debate na Associação de Inquilinos e Condóminos do Norte de Portugal, com deputados, com especialistas sobre estas questões do direito à habitação.

Mas se o Porto nas últimas décadas perdeu indústria, outro tipo de serviços, como a banca está a crescer economicamente com o turismo, ter uma reabilitação urbana também direccionada para o turismo não é vantajoso para a própria cidade?

Eu disse-lhe que o turismo é para nós importante. É importante que a cidade tenha uma dinâmica económica. Mas tem de ter um equilíbrio. Não pode fazê-lo com a expulsão dos moradores da cidade.

Está a dizer-me que está a ser criado um Porto que não é para portuenses?

Esse é o desafio. Nós queremos que o Porto seja para os portuenses e queremos que este equilíbrio se dê. Que se inverta a tendência do Porto perder população. Porque, como já disse, não é de agora, é verdade, mas está-se a acentuar e algum dia tem de parar. E nós defendemos que se pare com essa saída das pessoas da cidade e então se vá procurar. Seja via PDM, o Plano Director Municipal, seja via outros regulamentos, que este equilíbrio seja possível e que haja, pelo contrário, um crescimento de população residente na cidade do Porto.

Fala-se agora da taxa turística. No quadro dessas medidas para garantir esse equilíbrio, a taxa turística pode ser canalizada para outras áreas que considera prioritárias?

As taxas são sempre polémicas, como sabemos, mas não queria ter uma posição, digamos, de negação de uma taxa turística. Tudo depende de que taxas estamos a falar, mas, sobretudo, tudo depende do destino dessa taxa. Porque se a taxa turística for para dar resposta a este grande desafio, parar a sangria da população do Porto e procurar, pelo contrário, reabilitar para os moradores todas as zonas degradas que temos no Porto, e que também sabemos que são muitas, então isso pode ter alguma vantagem. Agora, se a taxa turística for para ainda dinamizar mais o turismo e, com isso, contribuir para a expulsão de moradores da cidade, eu diria que isso é negativo. Portanto não basta falar da taxa turística.

É preciso saber para onde é que vai essa verba.

Primeiro, a quem é que se aplica, e em segundo lugar para que se destina. Qual é o seu objectivo.

Se for para fixar a população, aceitará a taxa turística?

Poderemos vir a aceitar, porque isto tem vários contornos. Eu não queria, por isso, ter uma posição fechada. Mas queria sim, perceber melhor e, naturalmente, teremos ocasião de o fazer, até em debate, de perceber melhor o que é que se pretende com isto.

Sobre IMI, o actual presidente, Rui Moreira, anunciou uma redução do IMI na ordem dos 10%. É possível fazer mais neste domínio?

Nós sabemos que a taxa de IMI varia entre os 0,3% e os 0,45%. A CDU tem defendido que o máximo seja 0,4% em todo o país, aliás, o PCP apresentou uma proposta com esse objectivo, na Assembleia da República, porque a taxa máxima era 0,5% e não foi aceite, mas foi aceite sim uma diminuição de 0,5 para 0,45 com base na proposta que apresentámos.

Consideramos que é necessário haver também aí um equilíbrio entre a taxa de IMI que se pratica e o objectivo de financiamento do IMI, naturalmente. Porque as autarquias, sabemos, nos últimos anos, foram muito prejudicadas com a não aplicação da Lei das Finanças Locais. E, portanto, precisam de algum financiamento e o IMI é uma forma de financiar a autarquia. Mas achamos que a taxa não deve ser máxima, deve ter também aqui um equilíbrio, porque temos muitos moradores com dificuldade financeiras, e por isso a taxa mínima é a dos 0,3%.

E acredita que há condições?

Creio que há condições para andar por esta ordem.

Outra das questões a suscitar muito debate no Porto é a mobilidade, os transportes. O PCP tem uma posição contrária à municipalização da STCP, mas não seria o ideal para gerir melhor a rede de transportes na cidade do Porto?

Há duas questões aí que importa ter em conta. Foi muito importante, e o PCP, os trabalhadores e os utentes, defenderam que a STCP não fosse privatizada como pretendia o anterior governo. O PSD/CDS queria a privatização da STCP. Nós sempre estivemos contra e conseguimos que esse recuo se desse com o actual governo. E, portanto, não há privatização, nem sequer os municípios, mesmo através da municipalização, poderão entregar a uma entidade privada, em termos de concessão. Isso também está interdito e isso é muito positivo.

Agora, a outra questão é a municipalização. Como sabe, a proposta do Governo, aliás, já existe a legislação, o decreto-lei, entrega aos seis municípios da área metropolitana que têm STCP. Ora, nós sabemos que a situação financeira desses seis municípios não é igual. É verdade que o Porto tem uma boa situação financeira, mas não é verdade em Gaia, não é verdade em Valongo, e por isso nós temos muitos receios em relação ao futuro. Não no momento actual, o Governo comprometeu-se a investir na aquisição de autocarros e também na contratação de motorista e outros trabalhadores necessários para manter a empresa a funcionar em plenitude, porque a STCP foi muito descapitalizada e, digamos, reduzida na sua capacidade de intervenção durante os últimos anos e o último governo, sobretudo. Não foi só, mas sobretudo. E por isso é necessário dar-lhe uma outra dinâmica. Ora, é por isso que nós temos dificuldades em aceitar a municipalização. Porque uma questão é o Porto, mas o Porto não é o único servido pela rede da STCP. São seis municípios e é preciso ter em conta tudo isto. Portanto, o nosso alerta é esse. E daí a nossa dificuldade em aceitar a municipalização como o governo decidiu.

Ainda sobre transportes, recentemente foi anunciada a construção de uma nova linha de metro no Porto, que vai ligar o centro histórico à Casa da Música. É suficiente? Se ganhar as eleições vai reclamar junto do governo uma ampliação das linhas dentro da cidade do Porto?

Eu penso que é muito reduzida esta linha. Aliás, no Porto como em Gaia. E como na Trofa, que esqueceram a linha para a Trofa quando há uns anos retiraram a linha da CP e prometeram que ia haver a linha do metro, e agora nem uma coisa nem outra. Portanto, é muito injusto este processo. Mas em relação ao Porto, em concreto, também não era isto que estava previsto, porque sabemos, como toda aquela zona do Campo Alegre, com pólos universitários, tem ali várias faculdades, com toda uma população que também ali vive, precisava que o metro fosse até ali.

Houve incapacidade, na sua opinião, da actual gestão da Câmara do Porto para reclamar essas linhas?

Eu não sei se isto foi negociado com o presidente da câmara, com a câmara, não sei. Sinceramente não sei, mas creio que deveríamos ter aqui uma posição mais forte, de defesa de uma linha diferente, ou seja, com uma maior amplitude, porque isto é uma linhazinha e nós precisávamos de uma linha com muito maior amplitude. Portanto, sendo certo que durante estes anos últimos não houve nenhum alargamento da rede de metro e que esta é, agora, uma pequena abertura para isso, para acontecer uma nova linha, nós achamos que se devia ir mais longe, até porque esta zona tem sido sempre um bocado preterida em termos de investimento público. Portanto, é momento para investir mais e para fazer uma linha maior e achamos que a Câmara o deve reivindicar também.

Um dos temas que o actual presidente da câmara mais tem debatido é a questão do aeroporto do Porto. Rui Moreira critica a TAP por alegadamente estar a esvaziar o aeroporto Sá Carneiro para "saturar" o aeroporto de Lisboa, para justificar, eventualmente, um novo aeroporto na zona da capital. Partilha destas preocupações?

Sempre afirmámos que primeiro era necessário e era importante manter a ANA e a TAP como empresas públicas para que o Estado tivesse uma gestão directa e equilibrada para evitar esses desequilíbrios territoriais, regionais, na gestão dos aeroportos. E o que se está a passar é consequência daquilo que nós dissemos. Ou seja, a privatização ia abrir caminho para utilização abusiva e especulativa, em alguns casos, destes aeroportos. E é o que está a acontecer. Infelizmente, o dr. Rui Moreira não se opôs, como nós fizemos, à privatização da ANA ou da TAP, mas agora está a sentir as consequências disso ter avançado. E eu folgo que ele tenha reconhecido que isto está a ter consequências negativas, porque naturalmente são negativas. Não é aceitável aquilo que se está a passar com o aeroporto do Porto, que é na Maia, mas que serve aqui a região. E não é aceitável porque aqui nós temos, hoje, instalações boas, que devem ser devidamente valorizadas e temos aqui toda uma vasta região que tem direito a ter voos directos a partir daqui para as diferentes zonas da Europa e até do mundo, sem necessidade de ir a Lisboa. E eu sei, porque sofri na pele, muitas vezes, as consequências desta alteração enquanto deputada no Parlamento Europeu, senti muitas vezes essa dificuldade.

Ilda Figueiredo é conhecedora, claro, da realidade do concelho de Vila Nova de Gaia que está intimamente ligado à cidade do Porto. Todos os dias de manhã, quem circula, quem vai em direcção ao Porto, de Sul, apesar de haver metro, enfrenta engarrafamentos, muito trânsito. Justifica-se uma nova travessia rodoviária entre Gaia e Porto?

Não só se justifica uma nova travessia rodoviária, como se justifica uma nova linha de metro que ligue o Porto a Gaia, via uma outra ponte entre a Arrábida e a ponte D. Luis. É evidente que essa é uma questão importante. Como é importante criar parques de estacionamento públicos, agregados à rede de metro, que permitam que as pessoas deixem ali os seus carros e não levem o carro para o centro da cidade. E com isso teríamos melhor ambiente, custos mais baixos em termos de gasto das pessoas com gasolina, com estacionamento, etc.. Aliás, um problema sério que hoje o Porto tem é também o estacionamento pago e que dificulta também esta situação. Ora, o que nós precisamos aqui urgentemente é de uma visão integrada da mobilidade nesta região, que inclua o Porto, Gaia e naturalmente Matosinhos e que permita uma visão integrada com funcionamento integrado entre o Metro, a STCP, e outros operadores privados, com parques de estacionamento públicos nas periferias que facilitem a vida às pessoas.

Comentários
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  • António Pais
    16 fev, 2017 Lisboa 09:45
    Nas autárquicas, vota PNR!
  • Oliver Torres
    16 fev, 2017 Gaia 07:32
    Uma nova ponte. Já
  • Maria João
    15 fev, 2017 Porto 23:28
    O PCP não renova os seus quadros?
  • Manuel
    15 fev, 2017 Lisboa 22:26
    Senhores do PCP, não têm uma pessoa mais nova? Eesta cheira muito a mofo.
  • Jorge A Ferreira
    15 fev, 2017 Porto 20:26
    Boa. Já estava farto de ler coisas sobre o Montijo. A sra está cheia de razão, mas podia libertar-se dos fantasmas do ocp sobre a gestão dos transportes.
  • Pedro Santos
    15 fev, 2017 Porto 20:04
    Que consiga, pelo menos, ser eleira como vereadora e influenciar decisões no município que beneficiem os portuenses.

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