Emissão Renascença | Ouvir Online
Crónicas da América
A+ / A-

​Conselheiro de Segurança de Trump demite-se por ter mentido sobre conversas com embaixador russo​

14 fev, 2017 - 10:00 • José Alberto Lemos, em Nova Iorque

Há apenas três semanas em funções, Trump perde o conselheiro de segurança nacional. Michael Flynn estava em maus lençóis porque mentiu ao vice-presidente e ao país. Ao negar que tinha discutido sanções com o embaixador russo, ficou vulnerável a chantagem de Moscovo.

A+ / A-

É a primeira baixa na administração Trump. Três semanas depois de ter iniciado funções, o conselheiro Nacional de Segurança demitiu-se, na sequência de ter mentido quanto ao teor das conversas que teve com o embaixador russo em Washington. Nunca tinha havido uma demissão tão precoce numa administração americana.

Michael Flynn, um general reformado que foi um dos primeiros apoiantes de Donald Trump, foi também um dos primeiros a embaraçar o presidente e sobretudo o vice-presidente ao ter faltado à verdade quando descreveu as conversas telefónicas que teve com o embaixador de Moscovo.

O caso remonta a finais de Dezembro, ao dia em que o presidente Obama anunciou sanções a Moscovo por causa da interferência russa na campanha eleitoral americana. Nessa altura, Flynn teve contactos com o embaixador do Kremlin cujo teor suscitou suspeitas imediatas, não só por ter coincidido com o anúncio das sanções, mas também porque a reacção russa às mesmas não obedeceu aos padrões habituais.

As sanções de Obama incluíram a expulsão de 35 russos suspeitos de espionagem, mas o Kremlin, ao contrário do que é habitual, não retaliou. E Trump elogiou também essa ausência de reacção de Moscovo, considerando-a uma jogada inteligente.

Interrogado várias vezes sobre se tinha abordado com o embaixador a questão das sanções, Flynn sempre o negou, até que na sexta-feira passada o “Washington Post” revelou que nove funcionários que tiveram acesso à transcrição das conversas garantiram que Flynn tinha falado sobre as sanções com o embaixador.

As conversas foram gravadas numa acção de rotina que mantinha sob escuta o telefone do diplomata russo e na sequência da notícia do “Post” quer o Departamento de Justiça, quer o staff da Casa Branca, analisaram o seu teor. Impossibilitado de continuar a negar a evidência e perante a assertividade da notícia do “Post”, o conselheiro de Segurança Nacional recuou e mandou dizer por um porta-voz que “não tinha memória de ter discutido as sanções, mas não tinha a certeza que o assunto não tivesse sido abordado”.

Flynn terá sugerido ao embaixador russo que quando Trump entrasse em funções poderia rever o processo das sanções. E terá aconselhado Moscovo a não reagir excessivamente.

Pence embaraçado

A sistemática negação do conteúdo das conversas deixou o vice-presidente Mike Pence numa situação embaraçosa. Numa entrevista televisiva, Pence assegurou que a questão das sanções não tinha sido abordada com base nas garantias que lhe tinham sido dadas pelo próprio conselheiro de Segurança Nacional.

Fê-lo de forma convicta, veemente, mostrando confiar no que lhe tinha dito Michael Flynn. Faltou, contudo, à verdade perante o país, um incómodo que terá funcionado como forma de pressão sobre o conselheiro para que resignasse ao cargo. Nos últimos dias, Pence confidenciara ao seu gabinete que estava convicto de que Flynn lhe tinha mentido.

Não era, aliás, a primeira vez que Flynn mentia a Mike Pence. Poucos dias depois das eleições, o general tinha pedido às agências de “intelligence” autorização para que o seu filho tivesse acesso a informação classificada, alegadamente porque iria integrar a nova administração. Quando o caso se tornou público, Pence perguntou se era verdade e este desmentiu. Mas era mesmo verdade que o filho tinha obtido a referida autorização, que lhe veio a ser retirada. E, de resto, nem sequer integrou a administração Trump.

Desde a passada sexta-feira que o incómodo em relação a Flynn era patente na “entourage” de Trump. O presidente nada disse sobre o assunto. Interrogado a bordo do Air Force One quando ia a caminho da Florida com o primeiro-ministro japonês, afirmou que desconhecia a notícia. Uma resposta pouco credível porque a notícia fora publicada de manhã na edição do “Post” e reproduzida durante todo o dia pelas televisões. E sabe-se que Trump é um ávido consumidor dos canais de notícias.

Os seus conselheiros evitaram pronunciar-se durante o fim-de-semana, dizendo que o presidente estava a reflectir sobre o assunto. Mas nem todos. Kellyanne Conway, a assessora dos “factos alternativos”, garantiu num canal que Trump tinha “confiança total” em Flynn. Sete horas depois o general demitia-se, revelando que tinha pedido desculpas ao presidente e ao vice-presidente e que tinham sido aceites.

“Informação incompleta”

Desta vez, porém, a justificação já não foi a falta de memória, mas sim que tinha fornecido informação incompleta aos seus superiores. “Infelizmente, devido ao ritmo apressado dos acontecimentos, inadvertidamente comuniquei ao vice-presidente eleito e a outros informação incompleta sobre as minhas chamadas telefónicas com o embaixador russo”, escreveu na carta de renúncia. Depois da teoria dos “factos alternativos”, surge a agora a da “informação incompleta”. A criatividade eufemística é, sem dúvida, um dos talentos da administração Trump.

A situação tinha-se tornado insustentável quando o Departamento de Justiça, encarregado de investigar o caso, comunicou que Flynn se tinha colocado numa posição em que poderia ser chantageado por Moscovo. De facto, sabendo que Flynn tinha mentido sobre o teor dos telefonemas, o Kremlin ficara na posse de um segredo que poderia em qualquer momento “trocar” por um favor do general. Ou revelá-lo, claro.

Flynn e o embaixador russo são velhos conhecidos. Em 2013, o diplomata preparou uma visita do general americano a Moscovo e em 2015 este apareceu num banquete oficial junto de Vladimir Putin.

Além de se ter tornado comentador do Russia Today, o canal televisivo em inglês financiado pelo Kremlin, Flynn foi pago pelo discurso que proferiu no banquete. Ser comentador no canal de propaganda do Kremlin também não o incomodava, e chegou mesmo a dizer que não via grande diferença entre o Russia Today e os canais de notícias americanos, incluindo a CNN.

Para além da amizade com Moscovo, as capacidades de Flynn sempre foram postas em questão por inúmeros analistas. Em 2014, o presidente Obama destituiu-o do cargo de director da National Intelligence Agency, o departamento de espionagem do Pentágono, por se ter revelado incapaz de gerir uma agência daquela dimensão.

E segundo fontes da actual administração, Donald Trump também parecia descontente com o seu desempenho, nomeadamente depois de terem vindo a público as conversas com o embaixador russo. O presidente pensava que a sua credibilidade enquanto comandante-em-chefe ficara afectada pelo episódio.

O conselheiro de Segurança Nacional é o responsável na Casa Branca pelas questões de defesa e segurança a nível mundial. É ele que todos os dias informa o presidente sobre o que se passa no mundo nestas matérias e por isso a sua posição é muito influente. Quer o secretário de Estado, quer o secretário da Defesa, só têm acesso ao presidente quando o solicitam, enquanto o conselheiro de Segurança está em permanência na Casa Branca e fala directamente com o presidente todos os dias.

Para já, Trump nomeou o general Joseph Kellogg, que era adjunto de Flynn, para ocupar o cargo interinamente, e parece haver três hipóteses em cima da mesa para assumir a pasta em definitivo. Uma delas é o próprio general Kellogg, outra é o vice-almirante Robert Harward e a terceira é o general David Petraeus, que chefiou a estratégia do reforço de tropas no Iraque para acelerar o fim do conflito e mais tarde foi director da CIA.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

Destaques V+