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Orçamento Participativo Portugal. Há três milhões para distribuir, mas é preciso sair do sofá

31 jan, 2017 - 19:33 • Eunice Lourenço

Governo faz “roadshow” a recolher propostas para o Orçamento Participativo Portugal. Esta quarta-feira a paragem é no Porto.

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A noite estava fria. Muito fria, dez graus à chegada, sete à partida. Mesmo assim, mais de 80 pessoas foram numa sexta-feira à noite ao Pavilhão do Grupo Desportivo do Carregado, no concelho de Alenquer, para apresentarem as suas propostas para o Orçamento Participativo Portugal (OPP), a iniciativa apresentada pelo Governo como pioneira a nível mundial e que vai permitir distribuir três milhões de euros por iniciativas de cidadãos.

“É preciso pensar para além da nossa rua, da nossa terra”, avisa a secretária de Estado da Modernização Administrativa. Graça Fonseca tem percorrido o país, primeiro a divulgar o OPP, agora a recolher propostas. A sessão em Alenquer é facilitada pela experiência que o concelho já tem: vai para o quarto orçamento participativo.

O OPP pretende aproveitar as lições das boas experiências de orçamentos participativos municipais e alargar essa experiencia ao país. Os projectos podem ser entregues até Abril, em sessões como a que foi feita no Carregado: as pessoas sentam-se em mesas de quatro ou cinco, discutem as suas ideias e põem-nas no papel. Tem de ser sempre presencial. É preciso “pensar que vale a pena sair do sofá”, avisa Graça Fonseca, que acredita que os orçamentos participativos “têm potencial para reforçar os laços de confiança com as pessoas” .

O Orçamento do Estado para este ano prevê uma verba de três milhões de euros para o OPP. Cada projecto pode ter um custo máximo de 375 mil euros, tem de abranger pelo menos dois concelhos e ser de uma destas quatro áreas: cultura, agricultura, ciência e formação de adultos. Não é essencial que as propostas já tenham o projecto devidamente quantificado, pois esse trabalho pode ser feito na fase de análise técnica.

As propostas têm de se feitas até 17 de Abril. Depois – de 24 de Abril a 12 de Maio - haverá um tempo de análise técnica e de 1 de Junho a 15 de Setembro os cidadãos podem votar nos projectos e eleger quem vai ter direito a participar na divisão destes três milhões de euros. Pelo caminho, sempre que forem identificados projectos que podem ser agrupados, os respectivos subscritores hão-de ser postos em contacto.

Recuperar moinhos e o “Cantar dos Reis”

É o que deverá acontecer com Raquel Raposo, que, na sessão que decorreu no Carregado, apresentou uma proposta denominada “Nas asas do vento”, para recuperação de moinhos e da cultura a eles associada. No mesmo dia, em Torres Vedras, tinha sido apresentada uma proposta parecida.

“Fiquei a saber que, quando assim é, os proponentes são contactados no sentido de saber se querem convergir numa mesma proposta que, neste caso, é o que faz sentido”, disse à Renascença esta arqueóloga, que apresentou uma outra proposta: a criação de um espaço dedicado à memória do Ribatejo.

“A província do Ribatejo, tal como foi entendida durante décadas hoje não existe, mas existe toda uma vivência comum a estas populações das lezírias e das charnecas que também devia ser preservada para que as novas gerações possam ver espelhado aquilo que foi a vivência dos seus antepassados”, explica Raquel, enumerando: “As imagens dos arrozais, toda a vivência do campino com os seus trajes de gala, o fandango como vivência destas populações…”

Outra tradição muito própria de Alenquer é o “Cantar dos Reis”, que Fernando Silva quer propor que seja património imaterial da humanidade. “É uma manifestação cultural comum aos concelhos de Alenquer e do Cadaval e através da qual a população expressa nas paredes das suas casas as vivências próprias do lugar, fazendo críticas sociais ou dando a entender a vivência cultural e até mesmo comercial de cada aldeia”, resume Fernando Silva.

Também comum aos concelhos de Alenquer e Cadaval é a Serra do Montejunto, local onde José Carlos Morais quer que seja feita uma actualização do estudo sobre as aves que fazem ninho naquela zona.

“Pretendo dar continuidade a um trabalho que foi feito de 1989 a 1997: o atlas da avifauna nidificante. O que pretendo é que, passados 20 anos da publicação desse atlas, se faça uma actualização e se possa ver a evolução, quer a nível da avifauna quer a nível dos habitats. É possível agora ver qual foi a evolução na serra do Montejunto, nomeadamente o impacto das actividades humanas, dos incêndios e como isso afectou o que foi identificado há 20 anos”, defende este ambientalista que já foi deputado municipal pelo MPT – Partido da Terra.

Para José Carlos Morais, é positivo haver um orçamento participativo, mas não chega nem a verba destinada, nem a mera transposição de regras usadas nos orçamentos participativos municipais. “Ainda é uma fase muito experimental, as verbas são muito reduzidas, a metodologia ainda não se adapta bem. Se calhar a metodologia não é a melhor, penso que há aqui alguma coisa a afinar”, afirmou à Renascença, acrescentando: “Um orçamento participativo em termos nacionais é um desafio grande, é preciso mais verbas e é preciso uma metodologia específica para um orçamento deste tipo, não basta adaptar a metodologia local para nacional porque não é a mesma coisa.”

Primeiro ano experimental

Graça Fonseca reconhece, em entrevista à Renascença, que este primeiro ano é mesmo experimental e que o método foi mesmo pegar nas boas experiências de orçamentos participativos municipais, como é o caso de Alenquer, e tentar que funcione a nível nacional. Para o ano, depois de avaliada esta experiência, serão introduzidas alterações e pode aumentar a verba.

Mas, mesmo em moldes experimentais, o Governo já pode contar com alguma mobilização que foi ao ponto de um grupo de cidadãos se juntar para um trabalho prévio ao encontro participativo.

Antero Freitas foi o porta-voz desse grupo constituído por professores e membros da associação de pais. “Esta proposta surgiu de um conjunto de propostas e entre nós houve uma tomada de decisão. Cada um teve direito a três votos num conjunto de 20 propostas e a mais votada foi a seleccionada”, conta este professor, nascido na Guiné Bissau, mas que gosta de se dizer “cidadão do mundo” e que propõe a “fundação de uma aldeia global no âmbito virtual e no âmbito real, onde todas as pessoas que sentissem a necessidade de serem acolhidas e acompanhadas nas suas vidas tivessem uma porta que se abrisse os tratasse com dignidade num espírito humanista”.

Os encontros participativos para a apresentação de propostas para o OPP vão continuar até Abril. Esta quarta-feira, o encontro é no Porto, na sala de concertos Maus Hábitos, em frente ao Coliseu, às 21h30.

O mapa dos encontros pode ser consultado aqui.

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