14 jan, 2017 - 14:25 • Marina Pimentel
Os meios de comunicação electrónicos estão a ser usados abusivamente por muitas empresas para prolongar o horário dos trabalhadores sem direito a qualquer contrapartida. Em França, o Governo decidiu intervir e a Espanha deverá seguir-lhe o exemplo.
Em Portugal, o Governo remete a questão para a contratação colectiva, mas o Bloco de Esquerda quer uma lei que acabe com o que entende ser uma ilegalidade praticada pela maioria das empresas.
“A intenção da nossa intervenção legislativa é que não se deve excluir uma clarificação sobre a aplicação do direito ao repouso e a aplicação das limitações no que diz respeito ao horário de trabalho à distância dos dispositivos de comunicação electrónica”, explica José Soeiro ao “Em Nome da Lei” da Renascença.
O Bloco quer dar mais meios e poderes de fiscalização à Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) e simultaneamente criar uma lei que impeça as empresas de exigir uma disponibilidade aos seus funcionários como se eles tivessem isenção de horário, quando esta apenas abrange 3,5% dos trabalhadores portugueses.
Receber um telefonema de trabalho à hora de jantar, levar TPC no portátil ou receber directivas da entidade patronal por SMS fora do horário laboral, entrou na normalidade, em muitas profissões. Começa a generalizar-se a ideia de que o trabalhador tem de estar sempre contactável pela entidade patronal e que esse é o preço a pagar pela flexibilidade de horários.
CIP: “A corporização desta temática no terreno é a contratação colectiva”
A Confederação Empresarial de Portugal (CIP) reconhece o problema, mas rejeita que possa ser tratado por uma mudança de lei. Diz que o problema deve ser negociado pelas empresas com os trabalhadores e as linhas gerais dessa negociação devem ser fixadas em sede de concertação social.
“Feito esse desenho - e reconhecendo nós que nem todos os sectores nem todas as empresas têm aquela dimensão para o erigir como uma das necessidades a ponderar, nomeadamente ao nível da extensão do mercado com o trabalho; ao nível da influência que os quadros possam ter na tomada de decisões - a corporização desta temática no terreno é exactamente a contratação colectiva”, defende Gregório Novo, director das Relações de Trabalho da CIP.
O psicólogo João Paulo Pereira não tem dúvidas, acaba por ser mau para as empresas a inexistência de fronteiras entre tempo de trabalho e tempo de descanso. Um trabalhador que não desliga acaba por tornar-se um mau trabalhador. É a conclusão que retira depois de, na Associação Portuguesa de Psicologia da Saúde Ocupacional (APPSO), ter analisado a situação de 80 mil trabalhadores.
Os partidos têm de aprender a resistir ao “frenesim” legislativo
O professor de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito de Lisboa Luís Gonçalves da Silva também acha que a questão deve ser deixada para a concertação social, e diz que os partidos têm de aprender a resistir ao frenesim legislativo.
Luís Gonçalves da Silva entende que a lei já protege e delimita claramente o tempo de trabalho do tempo de repouso e dá respostas para eventuais abusos. Uma empresa só pode sancionar um trabalhador que não responda a um email fora do seu horário de trabalho se este tiver sido colocado de piquete.
António Brandão de Vasconcelos, presidente da Everis Portugal, a consultora que fez com a revista “Exame” o ranking das melhores empresas para trabalhar em Portugal em 2016, diz que há uma correlação directa entre o grau de satisfação de um trabalhador e o respeito que a empresa tem pelo seu descanso.
O programa da Renascença “Em Nome da Lei” é emitido aos sábados, logo a seguir ao meio-dia. Na edição desta semana, os convidados centraram o debate em torno do direito ao descanso.