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Descolonização. Chissano defende Soares porque "já não havia nada para negociar"

10 jan, 2017 - 10:41 • Pedro Mesquita

Em entrevista à Renascença, a partir de Maputo, o antigo Presidente de Moçambique Joaquim Chissano recorda Mário Soares e as negociações da independência.

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O antigo Presidente de Moçambique Joaquim Chissano defende que não tem sentido criticar Mário Soares por causa do processo de descolonização, porque, naquele momento, "não havia nada a negociar".

Em entrevista à Renascença, a partir de Maputo, Chissano diz que a morte de Soares - "um político muito maduro " - constitui a perda de um amigo pessoal e de Moçambique

Como encara o desaparecimento de Mário Soares?

É um momento de tristeza, porque perdemos um amigo do meu país, mas também um amigo pessoal.

Como foi o seu relacionamento com Mário Soares?

O primeiro contacto pessoal que tivemos foi em Lusaka, nas negociações pela independência de Moçambique. Foi aí que se começou a construir um conhecimento que se foi transformando em amizade. O presidente Mário Soares, que era ministro dos Negócios Estrangeiros, apresentou-se como um camarada de luta, porque Portugal tinha estado a lutar contra o fascismo e nós contra o colonialismo. Depois, quando ele foi Presidente da República, tivemos ocasiões de trocar visitas. E, primeiro, ele veio fazer uma visita a Moçambique, quando era primeiro-ministro.

Tivemos vários encontros. Um deles foi uma entrevista interessante, na qual o Presidente Mário Soares a entrevistar-me a mim. Foi uma conversa televisiva para lembrar os momentos em que nos encontramos: de Lusaka a toda a construção do relacionamento entre Portugal e Moçambique. Ficou um convite para nos encontrarmos, um convite informal, mas que nunca se concretizou, por questões de calendários. Nos almoços que tivemos, também falávamos de algumas questões históricas.

Em Portugal, uma das questões que gera mais críticas a Mário Soares é, precisamente, a da descolonização. Como é que olha para esse período da História?

No que toca a Moçambique, nem sei porque é que hão-de criticar Mário Soares, porque ele presidiu a uma parte das discussões e a outra parte foi presidida pelo Melo Antunes. Mas para nenhum deles se justifica qualquer crítica, porque, realmente, do nosso lado não havia nada a negociar. A nossa luta já tinha conquistado a independência e o que era preciso era, apenas, que Portugal reconhecesse o facto, porque o movimento das forças armadas não teria surgido sem a vitória do nosso combate.

As forças armadas portuguesas tiveram o mérito de terem reconhecido este direito antes do próprio Estado, antes do próprio governo de Marcelo Caetano. Eles reconheceram que, de facto, estavam a fazer uma luta inglória. Tiveram bom senso e reforçaram a parte da luta anti-fascista, anti-ditadura, na qual o Presidente Mário Soares esteve empenhado, desde a juventude, porque lutava contra o fascismo e a ditadura que colonizava.

Num plano mais pessoal, humano, que traços de carácter destaca em Sopares?

Mário Soares era um político muito maduro que sabia adaptar-se às situações da revolução do seu próprio país, mas também era aberto à discussão e sabia mudar as suas atitudes. Daí que tenha sido capaz de construir esta amizade com Moçambique.

Comentários
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  • Pedro Castanheiro
    10 jan, 2017 Lisboa 22:12
    É escandaloso o desfasamento entre o elogio coletivo da cobertura mediática e a realidade vivida nos comentários e nas redes sociais. Nem na morte de Mobutu se viu tanta ausência de contraditório. Fica claro que a democracia em Portugal é ainda sobretudo uma ilusão.
  • Maria
    10 jan, 2017 19:54
    Obrigada pela descolonização grave e injusta. Obrigada pelo helicóptero que caiu carregado de diamantes. Obrigada pelos cofres cheios da fundação. Soares é mais responsável pelos erros cometidos do que pela liberdade, que nem sequer estava em Portugal no 25 de abril.
  • Filipe
    10 jan, 2017 Amadora 13:10
    Que a guerra tinha que acabar, disso não tenho duvidas. Que "não havia nada para negociar" discordo em absoluto. Havia tudo para negociar. Mario Soares foi inteligente e häbil no dominio interno, pois como sabemos a nossa revolução e o período que se seguiu são exemplares, em materia de poupança de vidas, por isso ficou conhecida como a "revolução do cravos", nada sangrenta ( e ainda bem). Na descolonização houve um processo mal feito mas, para sermos justos, foi o possivel dadas as pressões que existiam, externas e internas, que não podemos ignorar.
  • luis
    10 jan, 2017 Lisboa 12:52
    Quem podia ter negociado, Salazar, não quis e com isso deitou a perder a possibilidade dos colonos continuarem em África. Salazar é o único culpado da descolonização.
  • Mário
    10 jan, 2017 Portugal 11:56
    Mentira não foi a vossa luta que vos deu a independência mas sim o golpe de estado em Portugal é que originou a vossa independência. É triste que agora digam tantas mentiras. A Frelimo nunca teve vitórias assim como MPLA praticavam terrorismo matando fazendeiros isolados e suas famílias. Matavam mulheres gravidas mas isso não convém mencionar.

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