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“Inverno crudelíssimo” e muitas outras previsões. Estão aí os Almanaques para 2017

28 dez, 2016 - 12:48

Num mundo antigo e rural, eram uma ferramenta essencial. Hoje, são parte “do mercado da saudade”, interessam a coleccionadores e também captam um público mais urbano que busca o saber popular para ajudar nas pequenas hortas.

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O segredo é a alma do negócio e, por isso, Narcisa Fernandes só pode dizer que “o Borda d’Água tem a sua forma de trabalhar”. O certo é que é com base na “configuração dos astros, das luas e do nosso tempo” - e com uma ajuda do Observatório Astronómico de Lisboa, que fornece os dados - que a sócia-gerente da Editorial Minerva, casa-mãe d’O Verdadeiro Almanaque Borda d’Água, faz as contas para o ano de 2017 e sabe dizer-nos quando fará chuva, frio ou bom tempo.

“Aprendi com o senhor Artur Campos, que foi um pai do Borda d’Água, como se fazem essas contas. São o meu segredo. Um dia, a quem for fazer, também ensinarei”, revela.

Com “50 anos de firma”, Narcisa Fernandes conhece como ninguém o almanaque que se afirma como sendo um “reportório útil a toda a gente”. Começou por ser quem carimbava, à mão, a ferradura vermelha que fica sempre em cima do Cartola, figura icónica da publicação anual. Hoje, é a sócia maioritária da editora que leva às casas dos portugueses aquele que é, a par do portuense “O Seringador”, um dos almanaques mais conhecidos do país.

Em ambos podem encontrar-se previsões de tempo, mas não só. “É um óptimo coadjuvante ao agricultor e ao plantio, seja ele do campo ou da cidade, porque tem todas as marés, todas as luas e informa em que épocas é que se devem plantar determinadas flores e determinados legumes”, conta José Miguel Lello, responsável pela editora d’O Seringador”. A isto somam-se todas as efemérides, as listas das feiras portuguesas e das espanholas mais próximas da fronteira, mas também quadras, rimas e previsões astrológicas.

“Há sempre que ler”, constata Narcisa, que faz a comparação do almanaque com as revistas para dizer que, ao contrário destas, “ o almanaque compra-se e dá para o ano inteiro. É para qualquer coisa”.

A “folhinha” que ainda é para toda a gente

A discussão sobre a origem da palavra “almanaque” – que se crê ter origem no árabe – ainda existe, mas “desde o princípio significou um contar dos dias, ou seja, contar os vários aspectos do calendário”, salienta David Pinto Correia, co-autor do artigo “Almanaques ou a Sabedoria e as Tarefas do Tempo”.

Apesar dos diferentes almanaques que proliferaram na história das publicações portuguesas (desde os mais populares ao “Almanaque Enciclopédico”, que se deveu à iniciativa de Eça de Queirós), “o almanaque é hoje compreendido como uma espécie de calendário em que, muito sinteticamente, se dão algumas informações que interessam a um público”, remata David Pinto Correia.

Nos dias que correm, os que sobrevivem são os mais voltados para os aspectos práticos da vida rural, onde se faz acompanhar o passar dos dias com previsões meteorológicas, as fases da lua e as dicas sobre sementeiras. Mas num tempo em que as previsões meteorológicas passam na televisão, na rádio e no "smartphone" todos os dias, para quem são os almanaques?

Para Narcisa Fernandes, essa questão nem se coloca. “Há tanta coisa na internet. Mas as pessoas gostam de ter aquele livrinho” – a "folhinha", como os mais velhos ainda lhe chamam.

A quantidade de almanaques que Narcisa vende parece ser indicador do interesse que a publicação ainda tem. O negócio até já foi melhor, quando atingiu uma tiragem de 380 mil, mas os 100 mil que hoje edita servem para manter a tipografia da casa-mãe, a Editorial Minerva, com as contas equilibradas.

“O nosso almanaque chega a sítios onde não chega a rádio nem a televisão. Há muitas aldeias que não têm electricidade mas onde as pessoas usam a luz do sol para poderem ler o seu Borda d’Água”, constata Narcisa.

José Miguel Lello não nega, no entanto, que o público d’O Seringador se tenha diversificado e que hoje faça também parte “do mercado da saudade”. A par dos coleccionadores, normalmente jovens que tinham na família quem fosse guardando as publicações antigas, junta-se agora também um público mais urbano que busca o saber popular para ajudar nas pequenas hortas. “É muito curioso porque, a nível rural, temos mantido os nossos índices de venda, mas também temos verificado um crescimento nas grandes cidades acima do Mondego."

Esse fenómeno de crescimento do negócio é explicado pelas pessoas “que não são propriamente agricultoras mas que compram porque acham piada”, mas também pelo crescente crescimento das pequenas hortas.

“Já me têm telefonado a dizer ‘ai, eu quero ter o Borda d’Água porque eu fiz aqui no meu terraço umas coisas e gostava de saber como é que me posso orientar’”, revela Narcisa. É o caso de Fernando Silva, um dos autores do portal “Hortas Biológicas”, que faz questão de referir os dois almanaques nas dicas que vai dando no "site" que criou, fruto da experiência num projecto de hortas biológicas na zona do Porto, o “Horta à Porta”.

O informático de 47 anos reconhece até que “algumas dicas estão desactualizadas” porque já não têm em conta técnicas mais modernas, mas reconhece que continuam a ser uma preciosa ajuda porque “são uma espécie de preservar da sabedoria que o povo foi guardando ao longo dos tempos. São muito completos”.

“Não há luar como o de Janeiro, nem amor como o primeiro”

Se é certo que as previsões dos almanaques portugueses ainda estão longe da precisão daquelas que são feitas diariamente pelo Instituto Português do Mar e da Atmosfera, a verdade é que a sócia-gerente da Editorial Minerva garante que é raro o Borda d’Água enganar-se.

“Este ano que está a correr, tive a preocupação de apontar, de Janeiro até agora, conforme corriam as luas e o tempo, se chovia, se fica frio, se nevava, se vinha trovoada. E fiquei toda contente porque fiz certo as minhas contas. Se me enganei, foi uma vez”, assegura.

Uma falha que hoje não terá as consequências que teria outrora, já que havia quem acreditasse na infabilidade da folhinha.

Os autores de “Almanaques ou a Sabedoria e as Tarefas do Tempo” referem-se a uma notícia do "Diário de Notícias", em 1924, dando conta de que o Borda d’Água previra que “certo dia de feira em Poiares havia de chover”.

A previsão da "folhinha" afastou os habitantes da feira num dia de sol, o que teve por consequência um péssimo dia de negócio para os feirantes. Um boicote ao Borda d’Água foi prometido, o que levou a que, na edição do ano seguinte, se pudesse ler, para aquele dia, a seguinte previsão: “Chuva em toda a parte excepto em Poiares”.

No ano de 2017, que é também o ano 4361 do dilúvio bíblico, 74 da era atómica e 56 do lançamento dos primeiros astronautas, não há qualquer referência a chuva na feira de Poiares. Ainda assim, se quiser precaver-se para a primeira semana de Janeiro, fique a saber: o “Borda d’Água” prevê frio na primeira quinta-feira do ano, que é também quinta-feira de quarto crescente e do aniversário da morte de Eusébio.

Já O Seringador adverte: "entrando o ano ao domingo, o inverno será crudelíssimo, a primavera temperada, o estio tórrido e o outono benévolo".

Fala ainda em “tempo revolto” na altura em que se devem enxertar os pessegueiros e as ameixoeiras. Caso chova, não se preocupe, que O Seringador também lembra que “chuva de Janeiro, cada gota vale dinheiro”. Para os mais românticos o Borda d’Água adverte: “Não há luar como o de Janeiro, nem amor como o primeiro”.

Comentários
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  • MAMM
    01 jan, 2017 Lisboa 19:45
    A ASAE já devia ter proibido este tipo de publicação, atentatória ao consumidor? O que devia ser proibido eram as chamadas de valor acrescentado na TV:
  • Celso Raminhos
    28 dez, 2016 S. Brás Alp. 22:38
    A enxada é do Brasil e trabalhou nas obras, tem cimento agarrado.
  • 28 dez, 2016 Alfredo 16:46
    No Seringador os "Signos" estão errados face aos meses
  • Vasco Fernandes
    28 dez, 2016 Fundão 15:49
    Claro que é sempre a mesma coisa e é sempre um "copy paste" e ainda bem que é assim. Querem ver que agora as enxertias das laranjeiras se passam a fazer em janeiro e as podas das vinhas em junho? Duhhh!!!
  • ANTÓNIO JOSÉ NUNES
    28 dez, 2016 LISBOA 15:26
    A informação do tempo, marés, ciclo das luas e outros é retirado do Instituto de Meteorologia; a astrologia é feita sem nexo; e os restantes elementos são copiados ano pós ano da mesma forma dos números anteriores. Infelizmente vê-se nos cruzamentos pessoas a pedir com este almanaque do bord´água de cordel. A ASAE já devia ter proibido este tipo de publicação, atentatória ao consumidor.
  • José Saraiva
    28 dez, 2016 Viseu 14:44
    que vergonha!.....até a foto da ENXADA teve de ser importada...
  • duarte silva
    28 dez, 2016 lisboa 14:26
    não passam de copy paste de um ano para o outro. comprei dois anos. tirando o calendario eram autenticos copy paste. nunca mais gastei nada nisso.
  • Raul Pinheiro
    28 dez, 2016 Lajeosa Sabugal 14:03
    O BORDA D;ÀGUA È O MELHOR DO MUNDO HÀ QUARENTA E CINCO ANOS QUE COMPRO ESTE LIVRINHO QUE ME GUIA TODO ANO OBRIGADO E FELIZ ANO 2017

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