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Seis meses depois do Brexit. Construir uma nova Europa para não sair da União

23 dez, 2016 - 18:26 • Tiago Almeida, em Paris

Seis meses depois do referendo que ditou a saída do Reino Unido da União Europeia, o debate sobre a Europa cresce em França. As eleições presidenciais do próximo ano podem ser decisivas para o futuro.

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Reportagem 6 meses de Brexit - Tiago Almeida, em Paris - 23/12/2016

Seis meses depois do referendo que ditou o Brexit:


“Vejam como a história é bela… quando a liberdade não liga aos poderes estabelecidos e triunfa levada pela vontade de um povo. Lei verdadeiramente soberana, controlo real das fronteiras, fim das contribuições à União Europeia. Comprometo-me a levar o meu país, a França, para o caminho da liberdade que é o único que nos levará à grandeza. Viva as nações livres, viva o Reino Unido e viva a França”.

O discurso é de Marine Le Pen, líder do partido de extrema-direita em França, a Frente Nacional, que, segundo as sondagens, passará à segunda volta das eleições presidenciais do próximo ano.

Depois do referendo britânico, os ventos de uma eventual saída da União Europeia (UE) começam também a soprar em França. Há quem saúde o Brexit, mas também quem lembre como a União Europeia foi importante para a existência de várias décadas de paz num território.

O populismo antieuropeu parece não parar de crescer – no Reino Unido, em França e noutras paragens. O economista Pascal de Lima diz, no entanto, que, “em termos económicos, o populismo não existe”.

“Em termos económicos, olhamos para a taxa de crescimento, para os efeitos do proteccionismo entre 1945 e 1975, e não vemos argumentos que justifiquem que tenhamos que, obrigatoriamente, praticar uma concorrência livre e selvagem, uma mundialização capitalista livre e selvagem, fundada nas finanças e nas multinacionais. Hoje, em termos económicos, não há populismo, há uma realidade que indica que temos que criar uma nova Europa”, diz este luso-descendente à Renascença.

O que existe, defende Pascal de Lima, são partidos que estão a explorar o medo para promover a saída da UE. O economista acredita que há uma alternativa: “É não meter medo e imaginar uma nova Europa muito mais promissora em termos económicos.”

E esse é “um combate que tem que ser levado a cabo” porque há razões que estão a pôr em causa o projecto europeu: um défice democrático da própria União Europeia, o baixo crescimento na zona europeia, a forte taxa de desemprego na maioria dos países e a falta de vislumbre de um projecto a longo prazo. Pelo que, acredita, “não se trata de dizer ‘não’ à Europa, mas de dizer ‘não’ à Europa actual”.

Um jovem contente e outro frustrado

Diferente nos termos é a opinião de Nicolas, um estudante de 24 anos que ficou “muito contente” com o resultado do referendo britânico.

“Fiquei muito contente porque considero que a União Europeia, pelo menos tal como ela existe actualmente, é uma união política que tira a soberania aos Estados. Hoje em dia, trata-se de saber que tipo de união é que os políticos querem criar com a União Europeia”, afirma este parisiense.

Nicolas até admite maior união económica e militar, mas política não. “Caso queiramos ficar na União Europeia, teríamos que reformular a ideia completa do projecto europeu. Criar, claro, uma união económica, tal como já existe hoje em dia entre diversos Estados através de tratados. Uma união militar, também, em alguns casos concretos. Mas uma união política, em todo o caso, não”, rejeita Nicolas.

Se Nicolas sorriu com o Brexit, Alexandre, de 23 anos, ficou surpreendido e até frustrado por terem sido sobretudo os mais velhos a votar pela saída do Reino Unido da União Europeia. Onde um rejeita a união política, o outro defende uma Europa federal.

“Não temos escolha”, acredita. “Temos que construir outra coisa com as pessoas que ainda cá estão e que seja mais eficaz. É por isso que eu apoio a criação de uma Europa federal, muito mais integrada, com países homogéneos em termos culturais e económicos. Cerca de dez ou 12 países muito mais integrados.”

Alexandre inclui Portugal nesse grupo de países. “Portugal, claro, mas também a Espanha, a Itália, a Alemanha… países que sejam, verdadeiramente, próximos economicamente e culturalmente. E criar assim um único país, uma espécie de Estados Unidos europeus. Acho que a individualidade dos países europeus não faz nada, enquanto a nossa União – temos cerca de 500 milhões de habitantes e poderíamos ser a segunda ou terceira potência mundial – teria muito mais peso político e económico”, acrescenta.

Garantia de 70 anos de paz

O aprofundamento da União é também o que defende Jean-Claude Le Brun, que, aos 80 anos, sabe bem como a União Europeia tem sido importante para manter a paz na Europa.

“Fomos um dos fundadores da Europa. Conseguimos criar 70 anos de paz, enquanto antes tínhamos conhecido três guerras num espaço de 70 anos. Por isso, acho que sair da União Europeia seria um disparate total”, afirma este francês.

Jean-Claude Le Brun vive no campo e acredita que o Reino Unido se pode “desenvencilhar” fora da UE porque é uma ilha, tem uma cultura particular e, sobretudo, pode virar-se para os países anglo-saxónicos e da Commonwealth.

“Nós somos um país muito pequeno e estamos isolados. Eu acho que as pessoas querem sair porque a União Europeia é mal compreendida pelos seus habitantes. É algo de um pouco mítico sobretudo porque há uma falta de participação da parte das populações. O Parlamento Europeu, por exemplo, tal como foi eleito, é uma aberração: enviamos pessoas que são completamente desconhecidas dos indivíduos que supostamente têm que representar”, lamenta Le Brun. “Acho também que é preciso que a Europa se torne numa força política, ou seja, que quando fale, seja ouvida.”

Também Brigitte, francesa de 63 anos, defende que a França continue na União Europeia. “Se a França sair da União Europeia, vai ver o que é desabar em termos financeiros, desabar em termos monetários e desabar em termos sociais. A França não ficará muito longe da Grécia caso saía da Europa”, afirma.

“Individualmente, não valemos nada nem uns nem outros. Se quisermos sobreviver vamos ter que fazer valer o nosso lugar no mundo”, acrescenta Brigitte.

Pascal de Lima diz algo semelhante. “Há uma outra maneira de ver a Europa, que consiste em dizer que uma saída eventual de países poderia permitir que os Estados-membros se especializem nos seus pontos fortes em termos comparativos. Podemos criar um sistema de proteccionismo inteligente e subtil. Não se trata de fechar as portas. Trata-se de mantê-las abertas, mas impondo regras e condições e, através disso, construir uma nova Europa”, defende o economista. É “a favor da Europa, mas de uma Europa diferente”.

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  • Xavier
    24 dez, 2016 LE MANS 11:02
    a EU nao pode continuar desta maneira, as desigualdades entre os paises, corrupçao, etc, aquele Parlamento Europeu que nao serve quase para nada, a nao ser para dar salarios exorbitantes, tem que haver mais transparencia, o povo tem que partecipar aos debates, nao pode haver , uma EU para ricos e outra para pobres, uma lei para ricos outra para pobres(vejam o caso da diretora do FMI) etc, etc, etc,
  • Mafurra
    24 dez, 2016 Lisboa 09:24
    Esta AINDA não viu que "águas passadas não movem moinhos" ! As nações tiveram o seu tempo. Assim como o viver em "famílias" em "tribos" em "condados" em "cidades-estados",etc,etc. Hoje vivemos o tempo das "federações". E um dia as federações juntar-se-ao numa só entidade.
  • Zezao
    24 dez, 2016 Olhao 09:16
    União ?! União faz-se respeitando os outros nas suas diferenças, não é roubando o povo com impostos exagerados para sustentar politicas de temas fraturantes. Estmos mais divididos que nunca, dentro e fora de cada País!! Cambada de tiranos...
  • Zezao
    24 dez, 2016 Olhao 09:07
    Tretas financiadas por interesses globalistas, sejam cooporativistas ou pessoais. Os verdadeiros culpados são os que não querem sair e ao mesmo tempo tentam criar explicações falsas. Em Portugal só não é pior porque somos um país pobre, mesmo assim a criminalidade aumento a olhos vistos e as leis continuam a protejer os ladrões com medidas na prática rdiculas, criadas por legisladores e juristas com protecão pessoal dos seus bens e não esqueçamos porte de arma! Os mesmos que não nos querem deixar defender estão bem armados e nem sequer deixam quem está em perigo de vida proteger-se.
  • j
    24 dez, 2016 a 08:52
    Europa sim , euroarabismo não.
  • Silva
    24 dez, 2016 08:19
    Bom dia! Sou de acordo em se unir a Europa, sermos um só país com os mesmos objectivos, com certeza seriamos mais fortes, mas isso é impossível por enquanto... para formar um país da UE têm de começar a unir os países pela Cultura, não pela moeda e só alguns saírem a lucrar... mas unir a Europa culturalmente pode demorar séculos. A EU foi criada com objectivos economicos (CEE), só depois se começou a falar em verdadeira união entre paises... mas agora os interesses economicos voltaram... por isso acho que apartir de agora é só fantochada liderada por aqueles que realmente mandam. Ou mudam tudo ou acaba tudo! Para mim o Reino Unido será o primeiro a sair mas com certeza não será o ultimo!
  • Paulo
    24 dez, 2016 Luzern 00:03
    Desemprego na Uniäo Europeia? Porque será? Mandem os Arabeques de volta e todo esse lixo que por aqui apareçe e teremos uma Europa melhor! Ainda vou perguntar ao Donald Trump se näo está interessado em vir para a Europa e ser o nosso Presidente...
  • Celeste
    23 dez, 2016 Loures 19:01
    Retomo e subsvrevo «Garantia de 70 anos de paz O aprofundamento da União é também o que defende Jean-Claude Le Brun, que, aos 80 anos, sabe bem como a União Europeia tem sido importante para manter a paz na Europa. “Fomos um dos fundadores da Europa. Conseguimos criar 70 anos de paz, enquanto antes tínhamos conhecido três guerras num espaço de 70 anos. Por isso, acho que sair da União Europeia seria um disparate total”, afirma este francês.»

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