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Timor-Leste. “Há ali um potencial extraordinário” que Portugal não tem sabido aproveitar

13 dez, 2016 - 10:37

Quando passam 25 anos sobre o massacre de Santa Cruz e 20 sobre a atribuição do Nobel da Paz a Ramos Horta e D. Ximenes Belo, Ana Gomes, antiga embaixadora de Portugal na Indonésia, recorda os detalhes que rodeiam esses dois acontecimentos.

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Ana Gomes entrevistada no Carla Rocha - Manhã da Renascença por Miguel Coelho a propósito dos 25 anos sobre o massacre de Santa Cruz e 20 anos do Nobel da Paz para Ximenes Belo e Ramos Horta (13/12/2016)
Ana Gomes entrevistada por Miguel Coelho (jornalista) e Carla Rocha (locutora)

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Portugal não está a aproveitar as oportunidades que Timor-Leste tem para oferecer, quer ao nível económico quer político. É a opinião da eurodeputada socialista Ana Gomes, convidada no programa Carla Rocha – Manhã da Renascença.

“Nos últimos anos, não houve essa capacidade de perceber que há ali um potencial extraordinário, ainda por cima numa zona do mundo que está em grande desenvolvimento económico” e onde “Timor pode ser uma pedra chave no plano diplomático” para resolver tensões políticas, afirma.

Ana Gomes defende que, neste contexto, Portugal poderia retirar dividendos ao assumir “uma atitude descomplexada” e “madura, de cooperação com países onde há uma extraordinária fraternidade”.

Viveu o massacre de Santa Cruz e o Nobel de Ximenes Belo e Ramos Horta no centro do turbilhão. O que recorda da importância dos dois acontecimentos para colocar Timor nas agendas mundiais e conduzir o país ao desfecho feliz que hoje conhecemos?

O massacre de Santa Cruz, em 1991, foi o ponto de viragem, até para Portugal e para os portugueses. Foi o murro no estômago e no coração, porque muita gente não tinha noção, nessa altura, do que estavam a sofrer e como estavam a resistir os timorenses.

Era um assunto praticamente esquecido. Havia uns tantos na diplomacia que sabiam, que achavam que era uma questão de honra para Portugal, mas também havia quem achasse que era um problema que o tempo resolveria e que deveríamos deixar andar.

O massacre de Santa Cruz, recordo, ocorreu porque os jovens timorenses se mobilizaram em Díli. Estavam à espera de uma missão parlamentar portuguesa que tinha sido engendrada até para ir “dar o amen” à integração de Timor na Indonésia – era esse o propósito nessa altura, embora não assumido – e depois, à última hora não foi, porque se teve consciência de que iria provocar reacções na população timorense e houve um pretexto de uma jornalista australiana que os indonésios não aceitaram que fosse incluída.

Acabou por ir, como resultado do trabalho diplomático por nós feito em Genebra, um relator das Nações Unidas para as questões da tortura e foi perante ele que os estudantes se manifestaram. Foi por isso que depois ocorreu o incidente que levou à morte de um estudante. E depois, no funeral no cemitério de Santa Cruz, houve o massacre.

E a grande diferença de muitos massacres que houve em Timor nessa altura, e em todos esses anos, é que estavam lá dois jornalistas americanos e um inglês, que fizeram sair as imagens cá para fora.

Foi nessa altura que todos tivemos um murro no estômago, no coração. Os portugueses, quando viram os timorenses a rezar, escondidos entre as campas, em português, perceberam que era uma obrigação, um dever todos nós, mobilizarmos.

E isso desencadeou uma viragem política nos governantes que estavam já resignados à ideia – não todos: lembro, por exemplo, o papel extraordinário que teve sempre o General Eanes na defesa de Timor, e depois Mário Soares como Presidente da República.

Passados todos estes anos deixou-se de falar de Timor e fica a ideia de que o relacionamento entre Portugal e Timor se distanciou.

Infelizmente, acho que Portugal fez o que tinha a fazer e aqui a interacção com os timorenses foi fantástica.

De facto, o Prémio Nobel da Paz para Monsenhor Ximenes Belo e para José Ramos Horta, há 20 anos, foi muito o resultado de um trabalho notável diplomático, antes de mais, de José Ramos Horta com o apoio da diplomacia portuguesa. A mesma que, quando é preciso se mobiliza. Quando temos um projecto empenhamo-nos e somos bons.

A questão é até que ponto Timor continua a ser um projecto mobilizador para a diplomacia portuguesa

Não é só a diplomacia. A questão é Portugal no seu conjunto e a questão económica. Houve um momento de corte, infelizmente, no Governo de Durão Barroso e quando Martins da Cruz era ministro dos Negócios Estrangeiros, que fechou a “loja” Timor que havia no MNE [Ministério dos Negócios Estangeiros] encabeçada na altura pelo padre Vítor Melícias.

A partir daí houve um desinvestimento na relação com Timor em muitos aspectos. Há oportunidades extraordinárias do ponto de vista económico e muitas coisas para fazer em Timor.

Há muitos problemas que são visíveis, por exemplo, na questão da justiça – e lembro que há um português que está sob residência fixa em Timor, Tiago Guerra, que é um caso que tem muito a ver com as incapacidades da justiça timorense, uma área em que eles precisam do nosso apoio, mas um apoio inteligente, não é pôr portugueses a decidir em nome de timorenses. Os portugueses podem dar capacitação técnica e profissional.

E há oportunidades económicas extraordinárias para Portugal que não estamos a saber aproveitar. É uma pena que desde que se fechou essa “loja” encabeçada pelo padre Melícias, num tempo muito duro ainda e em que não se viam essas oportunidades, não soubemos aproveitá-las e fazer dessa simbiose que houve entre portugueses e timorenses uma grande vantagem para todos nós, falantes de língua portuguesa.

Gostaria que o actual Governo assumisse Timor como uma prioridade?

Penso que será uma questão que terá de ser tomada como decisão política, mas depois tem de ser acompanhada nos diversos domínios. E há muita coisa que se pode estruturar, com uma intervenção ao nível do MNE, em articulação com o Ministério da Economia e outros ministérios.

Mas nos últimos anos não houve essa capacidade, em Portugal, de perceber que há ali um potencial extraordinário, ainda por cima numa zona do mundo que está em grande desenvolvimento económico, onde há tensões políticas e até de segurança muito complicadas, relacionadas com o Mar da China.

Timor pode ser uma pedra chave no plano diplomático na região e Portugal tem, de facto, muitas oportunidades com uma atitude descomplexada, que não pode ser de aproveitamento de curto prazo e neocolonial, tem de ser madura, de cooperação com países onde há uma extraordinária fraternidade connosco. Por exemplo, já podíamos ter feito o Português estar muito mais enraizado em Timor, isso era muito importante e não conseguimos ainda.

Ana Gomes foi activista da causa de Timor durante os anos 1990 e 2000. Licenciou-se em Direito, licenciatura que tirou à noite, anos depois de ter sido expulsa da faculdade.

Entrou na carreira diplomática em 1980 e foi como chefe de missão em Jacarta, nas vésperas da independência de Timor, que ficou conhecida.

Foi diplomata durante 32 anos e activista, desde os 13, quando aderiu ao Movimento Associativo de Estudantes do Ensino Secundário de Lisboa. Desde 2003 que se dedica à política a tempo inteiro e é eurodeputada eleita pelo PS desde 2004.

Jornalista que filmou massacre está em Coimbra

Esta terça-feira, assinalam-se 25 anos sobre o massacre de Santa Cruz e 20 sobre a atribuição do Nobel da Paz a Ramos Horta e D. Ximenes Belo. A Universidade de Coimbra assinala as datas esta tarde com a iniciativa “Timor: Imagens e palavras que mudaram o mundo”.

Pelo Teatro Académico de Gil Vicente vão passar nomes como Max Stahl, o jornalista inglês que filmou e divulgou o massacre no cemitério, em 1991; Ramos Horta, antigo Presidente e primeiro-ministro timorense; e D. Ximenes Belo, bispo católico timorense.

Comentários
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  • Vasco
    14 dez, 2016 Santarém 11:12
    Quanto a mim na área do turismo penso que se trata de uma região paradisíaca onde os industriais da hotelaria portuguesa deveriam investir em colaboração com as autoridades de Timor-Leste, pois se há portugueses a visitar países da região porque não Timor-Leste? Isto acabaria por tornar o país mais conhecido e atraente a outros investimentos.
  • Alcídia
    14 dez, 2016 Natal-Brasil 10:11
    Em nome dos jovens timorense agradecemos muito com as ajudas do Portugal e os portugueses. Viva 🇹🇱 Viva 🇵🇹
  • Mário Ferreira
    14 dez, 2016 Recife ,- Brssil 07:22
    OPINIÃO: Se Salazar tivesse dado independência às.Ex Colônias que assim.o desejassem, como pai para filhos adultos cuidarem dos seus destinos,com boa amizade onde Portugal fosse amigo de todas,poderia ter havido trocas comerciais e industriais e outros a explorar. Os 13 anos de guerra seria evitado assim como impedido da Indonésia ter anexado e chamado seu Timor.Quantas.milhares de pessoas não tinham perdido as vidas.Todos nós sabemos o que houve de sofrimento com invasão de Cuba e a IRSS dividida não pode mais investir . Angola,Moçambique,Guinê etc.deixaram lá bombas para mutilar milhões.
  • rosinda
    13 dez, 2016 palmela 22:51
    portugal nao sabe aproveitar nada! Mas o ps soube aproveitar o facto do presidente cavaco silva estar no fim do mandato para formar uma geringonça.Foi um aproveitamento tal nao me lembro de outro igual. Fiquei em choque tal qual a deputada ana gomes na noite das eleiçoes .
  • PAULO
    13 dez, 2016 LISBOA 13:25
    e desde quando portugal sabe aproveitar alguma coisa
  • José Saraiva
    13 dez, 2016 Viseu 11:34
    se fosse apenas em Timor....ou julgam que os demais potências (Alemanha , França, Reino Unido , EUA, Rússia,etc) ainda nos dão créditos pelos nossos lindos olhos?

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