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Reportagem

No Centro Padre Alves Correia ajuda-se quem chega a Portugal

21 nov, 2016 - 18:46 • Ângela Roque

Centro, com sede em Lisboa, dá apoio a imigrantes. Muitos estão em situação irregular e não falam português.

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“Aqui praticamente recebo tudo, desde a roupa e alimentos, procura de trabalho. Estou desempregada e a doutora hoje chamou-me. Disse que vai-me inscrever para fazer um curso, para começar a trabalhar”. Marilu Lopes, de 55 anos, é uma das utentes do Centro Padre Alves Correia (CEPAC), em Lisboa.

Viúva e desempregada, Marilu tem oito pessoas em casa para sustentar. Graças ao CEPAC, já fez cursos “de assistente domiciliária, hotelaria, refeitório, de jardinagem”. Mas o que gostava mesmo de voltar a fazer era cozinhar. “É um dom que eu tenho”, diz a sorrir.

A funcionar há 24 anos, o CEPAC é o único suporte para muitos do que chegam com pouco ou sem nada a Portugal. Criado para apoiar quem chegava a Lisboa das antigas colónias africanas, hoje continua a receber quem vem dos PALOP, mas também de outros países. Muitos estão em situação irregular e não falam português.

Situado entre a Estrela e São Bento, em Lisboa, o centro é o único ponto de apoio e uma porta aberta de esperança para muitos imigrantes. Dá apoio médico, jurídico, social, psicológico, de emprego. Tem ainda uma oficina de costura, aulas de alfabetização, bancos de roupa, alimentos e medicamentos. Tudo de forma gratuita.

Com a colaboração de 60 voluntários e sete funcionários, o CEPAC ajuda 450 famílias, num total de mais de 1.300 pessoas.

“Se não fosse esta casa, o que é que a gente fazia?”

Os últimos anos não têm sido fáceis para Marilu Lopes, que trocou a Guiné-Bissau por Portugal há 31 anos. Viúva há seis, sem trabalho há três, diz que no CEPAC só não ajudam no que não puderem.

“Uma das minhas filhas veio com a minha neta no Verão. A menina tem um problema grave e aqui já a encaminharam para a Estefânia. Hoje mesmo está lá, numa consulta. Cuidam muito de nós, acolhem, abrem o braço”, conta. Diz que o CEPAC é fundamental para muitos imigrantes que conhece: “Eu já vi tanta coisa aqui, que às vezes saio a chorar. Se não fosse esta casa, o que é que a gente fazia?”.

Foi para ajudar quem chegava, sobretudo dos PALOP, que o centro foi criado, em 1992, embora esse apoio já fosse assegurado pelos missionários espiritanos desde a década de 1970.

O irmão Manuel Carmo Gomes, director técnico do CEPAC, lembra que nestes anos a imigração nunca parou, mas os locais de origem diversificaram-se.

“Hoje vêm do Bangladesh, da Roménia, Ucrânia, Rússia, de países um bocadinho dispersos, como o Paquistão, a Índia, o Nepal – temos muitos nepaleses. E dentro do continente africano, para além dos PALOP, temos a Nigéria, com muitos imigrantes presentes em Portugal, o Senegal e o Gana”.

Acolher e encaminhar

Na sala de espera alguns imigrantes aguardavam a vez para o Gabinete de Apoio ao Emprego. “Aqui elaboramos o currículo das pessoas, criamos uma conta de email e depois encaminhamos para formação ou pesquisamos ofertas de emprego”, conta Judas Tadeu, ao mesmo tempo que atendia uma das utentes.

É ali voluntário há três anos, mas já é utente do CEPAC há sete. Ajuda e é ajudado: “Fiz uma formação em informática, vim para aqui estagiar e entretanto fiquei. Estou ocupado, passa-se bem o tempo e é um gosto poder ajudar.”

Os vários serviços do CEPAC são assegurados por 60 voluntários e sete funcionários assalariados. É o caso de Ana Mata, assistente social. “Faço o atendimento social, o encaminhamento para instituições ou para o apoio jurídico, porque a maior parte dos nossos utentes está a tratar da regularização em Portugal”, diz.

Ana Mata tem também a seu cargo o Banco Alimentar. “De 15 em 15 dias cada família tem direito a um cabaz. Na primeira semana é um cabaz mais forte, com os secos; depois, são os frescos. Quem não tem fogão recebe todas as semanas”, explica.

“Distribuímos cabazes a 393 famílias, que podem ir até 3 mil pessoas. E temos aqui situações dramáticas, pessoas que se não fossemos nós estariam mesmo a passar fome, com crianças. E especialmente os doentes”.

Cuidar dos mais desprotegidos

Fátima Serras, médica, já perdeu a conta aos anos em que colabora com o CEPAC.

Recebeu-nos no gabinete no final das consultas que ali assegura dois dias por semana. Vê, em média, oito a nove utentes, muitas situações complicadas: “doenças infecto-contagiosas sexualmente transmissíveis, VIH, tuberculose. Estamos a prestar um serviço, na minha opinião, àqueles que mais precisam, porque são os que estão mais desprotegidos. É uma forma de pobreza sem acesso ao Serviço Nacional de Saúde.”

Um laboratório de análises e um consultório de radiologia colaboram, fazendo preços mais baixos, mas o CEPAC tem de pagar pelos exames que prescreve. E também precisa de ajuda para comprar medicamentos.

“O problema são os medicamentos mais sazonais. No inverno temos as pneumonias, as broncopneumonias, as gripes, há necessidades de antibióticos, anti-inflamatórios, anti-histamínicos. É muito difícil para nós, médicos, termos diante de nós utentes a quem precisamos de dar um fármaco e não termos capacidade para lhos dar”, lamenta.

Neste serviço são todos voluntários – são seis médicos de clínica geral, três psiquiatras, uma farmacêutica e duas enfermeiras. Mas ainda há áreas sem resposta, lembra Manuel Carmo Gomes, que está empenhado em conseguir algumas parcerias com clínicas.

Fazem falta “consultas de especialidade para ginecologia, dermatologia, oftalmologia”. “Medicina dentária também é muito necessária”, acrescenta Fátima Serras.

Campanha de solidariedade

Neste ano especial para os espiritanos (celebram os 150 anos de presença em Portugal), uma das campanhas de solidariedade da família espiritana destina-se ao Centro Padre Alves Correia.

Os donativos em dinheiro fazem falta e revertem para as actividades do Centro, mas há sempre outras ajudas que podem ser dadas. “Especialmente roupa de frio”, diz a assistente social Ana Mata. “Muitas destas pessoas chegam de África, não têm lençóis, cobertores, toalhas de banho, não têm casacos para o frio porque lá não precisam isso.”

À saída voltámos a cruzar-nos com Marilu Arminda Lopes. Deixou o Centro com um sorriso de esperança – talvez consiga em breve uma nova ocupação, quem sabe a fazer o que mais gosta, cozinhar.

Com cinco filhos em casa, uma neta e mais dois familiares, um deles deficiente, espera que o apoio do CEPAC nunca lhe falte. “Aqui recebem-nos com carinho e amor. E penso todos os dias, que no dia em que o CEPAC fechar, não sei onde vamos parar”.

Esta reportagem foi emitida no espaço informativo das 12h00 da Renascença desta segunda-feira. Todas as semanas, à segunda-feira, este espaço conta com notícias sobre religião

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  • Luiz Silva Leitão
    22 nov, 2016 Sintra 09:31
    "PARTILHAI A RIQUEZA PORQUE DEUS DE TODOS É PAI" Dou graças Deus porque vós e outros existis para atenuar a desigualdade social. Mas penso e acredito que enquanto não for criado sistema, fonte de rendimento contínuo e crescente, a situação é e continuará a ser sempre a mesma. Em minha opinião só daremos resposta muito positiva com a constituição de Empresas Sociais ( com fins lucrativos), partilhando a riqueza, gerada no consumo, por cada um de nós.

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