10 nov, 2016 - 08:02 • Raquel Abecasis
O líder do PSD, Pedro Passos Coelho, fala, em entrevista à Renascença, da situação do país e acusa o actual Governo de dizer “coisas espantosas, como se a realidade não existisse”.
Nesta entrevista feita no momento em que se assinala um ano sobre a assinatura do acordo que levou a esquerda ao poder, Passos Coelho defende que se devem intensificar os factores de crescimento da economia, de modo a atrair investimento, gerar emprego e aumentar o rendimento das pessoas.
No seu discurso de encerramento do debate na generalidade do Orçamento do Estado, ficamos com a ideia de que continua a achar que "o diabo está a à espreita". É isso que pensa?
Estamos a desperdiçar oportunidades que seriam muito importantes para consolidar a estratégia de crescimento do país e colocar Portugal numa posição mais salvaguardada face a crises externas que vão acabar por ocorrer. Isto é próprio, até, dos ciclos económicos e nós não estamos a preparar-nos bem para uma fase de ciclo económico menos favorável, que há-de acabar por ocorrer e não será no longo prazo.
Precisávamos, no fundo, de intensificar os factores de crescimento da economia para poder atrair investimento e gerar emprego e rendimento para a maioria das pessoas. É, basicamente, disto que estamos a falar, e não estamos a consegui-lo. Por outro lado, precisávamos de aproveitar bem esta oportunidade para desendividar o país, na medida em que a dívida é muito elevada, quer a privada quer a pública.
Os privados, apesar de tudo, têm vindo a corrigir, porque não têm outro remédio. O Estado tem vindo ser mais lento neste processo e, portanto, precisávamos, nesta altura, de substituir dívida mais cara por dívida mais barata, de modo a pagarmos menos juros. É isso que é a verdadeira reestruturação, entre aspas, da dívida. O resto só semeia dúvidas e incertezas.
Mas isso significa que deveríamos ter prolongado a austeridade por mais algum tempo?
Não sou eu que acho que o modelo está errado. O próprio Governo acaba por reconhecer, embora, depois, não verbalize que o modelo está errado, com as alterações que faz e com as guinadas que faz. Há coisas que são mais do mesmo. Por exemplo, substituir carga fiscal dos impostos directos para os impostos indirectos. Isto prossegue até a um ritmo mais intenso neste orçamento e isso é mau, porque ter carga directa significa tributar as pessoas em função da sua capacidade. Agora, quando estamos a falar dos impostos indirectos dizemos, como o primeiro-ministro e o Governo, "isso é mais justo porque as pessoas só gastam se quiserem e podem escolher, ficam com o dinheiro no bolso e depois gastam se quiserem". Esta é uma forma muito cínica de colocar o problema, porque as pessoas precisam de gastar, evidentemente, e, quando vão gastar, tudo é mais caro por causa dos impostos e o dinheiro que têm no bolso vale menos.
Mas a percepção das pessoas é têm mais rendimento...
Algumas acham, outras não. Depende.
As pessoas acham que estão a viver melhor...
Não sei.
É o que as sondagens aparentemente indicam...
O ponto é este: se olharmos para a realidade, para os factos, percebemos, por exemplo, que um funcionário público que tenha um rendimento mais elevado - um chefe de serviço, alguém que esteja no topo da carreira - está, à partida, consideravelmente melhor, porque o corte que existia no seu rendimento era proporcional ao seu salário. Ora, esses, que não são a maioria, têm uma recuperação de rendimento sensível num só ano. Claro que há um aspecto um bocadinho ilusório, associado a isto, porque esse maior rendimento também vai ser tributado e vai sê-lo de uma forma mais negativa, porque o que é restituído é mais do que a actualização que é feita dos escalões do IRS. Ele não vai estar exactamente com a mesma carga fiscal em termos de IRS que tinha antes. Vai pagar mais.
Mas o que as pessoas acham é que, quando ouvem o dr. Passos Coelho falar, é que era mais do que uma obrigação - é mesma a política que defende para o país...
Isso seria absurdo, porque nenhum político defende, como maneira de estar, retirar rendimentos às pessoas ou penalizá-las. Isso é um absurdo.
Quando diz, voltando à minha questão inicial, que o “diabo ainda anda por aí” e é preciso estarmos prontos para tempos mais difíceis que estão mais perto do que longe, o que quer dizer, exactamente?
Talvez seja mais claro aproveitar a sua pergunta para fazer um “statementesinho” para dizer o que desejamos. Nós desejamos que a economia portuguesa possa crescer a uma ritmo maior do que tem crescido. Precisamos disso. Se não conseguirmos fazer isso, vamos continuar a divergir da Europa e, portanto, quando olhamos para Espanha, para França, para os outros países europeus, ficamos para trás e ficamos pior. E, se ficamos pior, isso significa que o bem-estar e a prosperidade em Portugal ficará abaixo daquilo que é possível. Ora, eu não acredito que um país decida ficar pior, porque quer ficar pior.
Mas o crescimento não se decreta num orçamento...
Não, mas a verdade é que este Governo tinha dito que tinha uma solução para pôr o país a crescer muito mais do aquilo que estava a crescer. E está a crescer menos. E este é o ponto. Como é que é possível que o terrível Passos Coelho, num Governo com as dificuldades que esse enfrentou, teve o país a crescer muito mais do que está a crescer hoje, com o rendimento disponível das pessoas a crescer mais do que está a crescer hoje, com o investimento a crescer muito mais do que esta a crescer hoje e com o emprego a crescer mais do que está a crescer hoje. Alguma coisa não está certa.
E também algo não estará certo no discurso dos políticos. Quem ouve o primeiro-ministro a discursar, dirá que isso tudo não é verdade e que tudo está a crescer e....
Mas a verdade é que o primeiro-ministro, bem como a generalidade dos membros do Governo, dizem coisas espantosas, como se a realidade não existisse. No debate do orçamento, quis ir buscar, justamente, os números que estão no OE do executivo para mostrar como o discurso do Governo está a falsificar a realidade. O Governo não tem vergonha de dizer todos os dias o contrário daquilo que escreve e daquilo que observa. Porquê? Porque, quando tem de escrever, para que os analistas possam avaliar, para que, em Bruxelas, as coisas possam ser avaliadas, está lá a situação verdadeira, real. Mas, depois, fazem um discurso a desmentir aquilo que escrevem e a desmentir a realidade. Podemos gostar mais dela ou menos, mas, se desmentirmos a realidade, ela cai-nos em cima com muita força.
Acha que isso vai acontecer em breve?
O que se passa é isto: o Governo está a propor, em termos de meta, de objectivo, de ambição para 2017 menos do que nós tivemos em 2015 de crescimento. Isto não é razoável e ainda só agora estamos a começar a conversa porque depois vai corrigir.