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Crónicas da América
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FBI lança uma bomba na campanha ao ressuscitar o caso dos emails de Clinton

29 out, 2016 - 01:35 • José Alberto Lemos, em Nova Iorque

Director da polícia de investigação informou o Congresso que havia novos dados que poderão levar a conclusões diferentes das tomadas até hoje.

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Há uma tradição na política americana de esperar por alguma surpresa no mês de Outubro a poucas semanas das eleições presidenciais, que se realizam sempre na “primeira terça-feira depois da primeira segunda-feira de Novembro”, nos termos constitucionais.

De quatro em quatro anos, o mês de Outubro é sempre aquele mês em que na recta final da campanha algo pode surgir com potencial para alterar o curso dos acontecimentos políticos. É claro que este tipo de tradições se confunde frequentemente com superstições e muitas eleições passaram sem que tal tivesse acontecido.

Mas mesmo as superstições têm sempre algum fundamento e por vezes os factos vêm em seu auxílio. É o que parece ter acontecido esta sexta-feira na América. A escassos 11 dias das eleições presidenciais, o FBI lançou uma “bomba” na campanha ao anunciar que tinham surgido novos elementos no caso dos emails de Hillary Clinton que o obrigam a reavaliar o desfecho da investigação.

Recorde-se que em Julho passado, o director do FBI, James Comey, comunicou ao Congresso que não havia matéria criminal para acusar Clinton no caso em que a ex-secretária de Estado usou um servidor privado para trocar emails que deviam ter circulado apenas nos servidores oficiais do Departamento de Estado.

Aquilo que foi um absoluto alívio para a candidata tornou-se agora o seu principal pesadelo, com o director do FBI a comunicar em carta ao Congresso que surgiram novos elementos que podem alterar o rumo da investigação. Trata-se de alguns milhares de emails que apareceram na correspondência electrónica de Huma Abedin, a mais próxima conselheira de Hillary, e do seu ex-marido, Anthony Weiner, antigo congressista por Nova Iorque, que está a ser investigado por conduta suspeita de aliciamento de jovens e de menores através da internet.

Segundo o FBI, tais emails vão agora ser analisados para verificar se contêm informação classificada, o que em caso afirmativo implicará o prosseguimento da investigação a Hillary e eventualmente a dedução de uma acusação criminal. Na carta que enviou ao Congresso, Comey afirma que os novos emails “parecem pertinentes para a investigação”, mas acrescenta que “ainda não pode avaliar se este material é significativo ou não” e “não pode prever quanto tempo demorará a completar este trabalho adicional”.

Duas conclusões se podem tirar desta carta. Uma é que a investigação nunca produzirá resultados antes das eleições, obviamente. A outra é que a análise dos emails pode resultar em nada. Mas aconteça o que acontecer judicialmente falando, o efeito político do anúncio do FBI é já o maior abalo imaginável desta campanha.

Como é natural, os democratas entraram em modo de controlo de danos e os republicanos exultaram com o caso. A campanha de Hillary Clinton não disfarçou o seu mal-estar com a situação e pressionou o director do FBI para que revele o que afinal tem em mãos e esclareça o público.

A carta de Comey tem apenas três parágrafos e não diz sequer de que emails se trata. A revelação de que são emails trocados com a assessora Huma Abedin e o ex-marido surgiu posteriormente através de fontes anónimas e por isso ninguém faz ideia da sua gravidade.

A equipa de investigação do FBI informou o seu director na quinta-feira sobre os novos emails, deixando-o numa posição difícil. Se Comey não informasse o Congresso sobre os novos desenvolvimentos poderia ser acusado de estar a esconder informação importante para não prejudicar Hillary Clinton. Se informasse o Congresso, poderia ser acusado de lançar uma bomba na campanha eleitoral, favorecendo Donald Trump, a apenas 11 dias das eleições.

O director optou pela segunda atitude, embora não tenha dado qualquer informação que permita ter uma ideia da seriedade da matéria judicial em causa. Sobre a candidatura de Clinton fica assim a pairar, de novo, a suspeição de ilegalidades que a tem perseguido desde o início do processo dos emails.

É neste ponto que os democratas insistiram, incluindo a própria Hillary Clinton que reclamou de Comey que revelasse tudo o que sabe para não deixar no ar suspeitas que podem ser infundadas. Falou mesmo de rumores, implicitamente acusando o director do FBI de permitir que sobre a sua cabeça continue a pairar a suspeita de ilegalidades baseadas em matéria cuja extensão e relevância para o processo o próprio Comey confessa que ainda não conhece. E que, tudo leva a crer, não se conhecerá nos próximos meses.

No campo republicano, naturalmente, o júbilo foi generalizado. O próprio Trump admitiu que afinal talvez o sistema não esteja tão viciado como ele imagina, louvando o FBI por estar em vias de corrigir a decisão tomada em Julho de não acusar Clinton. Concluiu mesmo que não era possível deixar que “os esquemas corruptos de Hillary cheguem à Sala Oval”.

A pergunta que toda a gente fazia nesta sexta-feira era a óbvia: que efeitos vai este caso ter na decisão dos eleitores? Quando faltam somente 11 dias para o voto e quando cerca de 15 milhões de pessoas já foram às urnas no chamado voto antecipado em inúmeros estados, este caso vem reforçar a convicção entre os apoiantes de Trump de que Hillary Clinton é de facto “corrupta” e tem agido sempre convencida de que está acima da lei. Vem dar um suplemento de alma a uma campanha que estava em desnorte e em descrença sobre qualquer hipótese de vitória. E vem ainda caucionar o argumento de Trump de que Hillary não é confiável nem honesta. O próprio magnata abriu um comício no New Hampshire a proclamar: “Que grande dia!”.

Entre os apoiantes de Hillary provavelmente o efeito será nulo ou quase, fartos que estão de ouvir falar do caso dos emails e das suas possíveis consequências. Num debate em Abril, durante as primárias, o próprio senador Bernie Sanders disse a certa altura que toda a gente estava farta de ouvir falar “do raio dos emails” e queria discutir as questões que verdadeiramente preocupam o país.

Mas quem conta nesta fase não são os apoiantes de um ou outro candidato. São aqueles que estão indecisos, incluindo aqui aqueles conservadores para quem Trump é um candidato inaceitável e que estão inclinados a votar em Hillary. Gente que faz um juízo de Hillary não propriamente positivo, que reconhece os problemas de credibilidade e seriedade da candidata, mas que mesmo assim a acha preferível a Trump.

E nesta faixa de eleitorado é possível, talvez provável, que muita gente opte pela abstenção ou até por votar em Trump face a este novo desenvolvimento do caso dos emails. Segundo uma sondagem da CNN feita há algum tempo, mais de 60% das pessoas atribuía importância à forma como Hillary lidou com os emails, naquilo que considera ser um sinal do seu carácter e da sua atitude perante a lei e as regras que todos devem respeitar.

Acresce que este novo caso surge num momento em que Trump estava a recuperar um pouco nas sondagens, embora a vantagem de Clinton se mantenha confortável. Veremos, pois, nos próximos dias como reagem os eleitores a esta bomba que o FBI lançou e que fez renascer a esperança numa campanha que estava moribunda – a de Donald Trump.
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