28 out, 2016 - 09:36 • Eunice Lourenço, enviada a Cuba
Sandra Lopes vive em Cuba há 12 anos. É a representante para a região das Caraíbas da Oikos, uma organização não governamental portuguesa para o desenvolvimento vocacionada para o trabalho com as populações e os países mais pobres.
Em entrevista à Renascença, em Havana, onde participou no encontro do Presidente da República com a comunidade portuguesa ali residente, Sandra Lopes conta o que mudou em Cuba nos últimos anos e aponta o que acha que ainda é preciso mudar.
Sandra sente que vive a História a acontecer todos os dias e que contribui para essa mesma História. Aredita que o fim do bloqueio norte-americano é condição necessária para que mais mudanças aconteçam.
O que é que a Oikos faz em Cuba?
A Oikos trabalha em dois eixos. Por uma lado, na ajuda humanitária. Sempre que há um desastre natural, a Oikos faz recolha de fundos e ajuda as populações mais afectadas. Esse foi o início da Oikos em Cuba. Fizemos uma transição natural da ajuda humanitária para o apoio ao desenvolvimento e estamos a trabalhar muito fortemente na agricultura e nas energias renováveis e a apoiar o pais a ter ferramentas, métodos de trabalho que sejam sustentáveis económica e ambientalmente e que permitam o pais avançar com uma estratégia económica de futuro.
Centram a vossa actividade em que regiões?
Estamos em todo o pais.
Nestes 12 anos, o que é que mudou mais?
São mudanças radicais, só visíveis para quem vive aqui. Cheguei em 2004, vivi anos difíceis em Cuba. É um país economicamente pobre, parece que não, pelo seu orgulho, pela sua forma de se manifestar, mas tem dificuldades económicas agravadas pelo bloqueio económico dos Estados Unidos e todos os sectores são afectados por essa crise económica.
Cheguei num momento muito difícil, em que ainda não havia iniciativa privada. Vi toda essa transição, isso foi uma mudança radical na dinâmica social do país. Acho que foi a mudança mais interessante e mais importante que pude viver e constatar.
E qual é a maior mudança que falta fazer?
Acho que este pais precisa, já, de não ser um país bloqueado, porque os cubanos têm uma capacidade humana e profissional impressionante, a vários níveis - como a saúde, biotecnologia, investigação - e precisam que o mundo se abra para eles para que verdadeiramente possam crescer.
Trabalhando aqui, tenho muitas dificuldades em importar recursos para os nossos projectos. Sendo um pais bloqueado, os custos são 200 por cento superiores e isso dificulta muito todo o trabalho e a ajuda, seja ao sector da saúde, da educação ou da agricultura. É deixar o país respirar para ver o que acontece.
Muitas vezes, quando se fala de Cuba fora de Cuba, fala-se na necessidade de multipartidarismo, de maior respeito pelos direitos humanos. Quem vive cá, sente que essa abertura está prestes a acontecer?
As condições políticas estão delimitadas, não tens um país com condições normais para ser normal. Sendo um país limitado por todos estes bloqueio, é difícil ter uma situação normal. O actual Presidente já anunciou que vai haver eleições, está a fazer mudanças radicais no país, a criar condições económicas para poder avançar. E o país precisa, realmente, de ser um país livre, que não o deixam ser.
Falam muito de direitos humanos, Cuba é um país impressionantemente humano. Quando viajo ouço muitas cosias sobre Cuba, não se pode falar de Cuba sem saber o que se vive aqui. Tive o privilégio de ter estado noutros países a trabalhar - no Haiti, na República Dominicana... - e vi condições de direitos humanos gravíssimas e aqui nunca vi presenciei, nunca sofri essa situação.
Vivo aqui, vivo com os cubanos, existe uma vontade de crescer, de saber mais, de ir longe. Têm uma capacidade de inovação e precisam de caminho para poder fazer isso.
Sente que continua a viver historia aqui?
Todos os dias estou a viver história. Ter aqui o nosso Presidente da República é um momento muito importante e reforça ainda mais os laços entre os dois países.
As instalações da Oikos em Havana são na Fábrica de Arte Cubana, que é um pólo de criação e de animação em Cuba. Explique melhor o que é a Fábrica de Arte Cubana...
É um exemplo do que está a acontecer neste país. Pela primeira vez, uma iniciativa publico-privada no sector cultural. É um projecto liderado unicamente por artistas, criado por um artista muito famoso em Cuba chamado Equis (X) Alfonso e reúne no mesmo espaço todas as manifestações artísticas: teatro, dança, musica, galeria de fotografia, de artes plásticas, moda, jóias... Tudo ao mesmo tempo, no mesmo espaço e tudo criado livremente por artistas. É uma dinâmica difícil de explicar por palavras, a demonstrar que a cultura não tem de ser uma carga para o orçamento de um país, pode ser financeiramente auto-sustentada e com liberdade de criação, que é o mais interessante e que tem por objectivo principal mudar os hábitos culturais dos jovens deste país, que recebem na veia a cultura cubana que está viva.