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Tailândia. "Bhumibol foi um Rei a todos os títulos notável"

13 out, 2016 - 17:58 • Filipe d'Avillez

Miguel Castelo Branco conhece a Tailândia como poucos e fala de um monarca que era venerado pelo seu povo, cujo desenvolvimento promoveu incansavelmente durante 70 anos.

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No dia em que morreu o Rei Bhumibol, da Tailândia, que era o monarca reinante que tinha estado há mais anos no trono, totalizando sete décadas, a Renascença falou com o historiador Miguel Castelo Branco, que viveu vários anos naquele país e é especialista nas relações entre Portugal e a Tailândia.

Miguel Castelo Branco, de 52 anos, tece grandes elogios a um homem que soube modernizar o país que foi chamado a governar inesperadamente, após a morte do seu irmão, quando contava apenas 18 anos.

Que tipo de Rei era Bhumibol?

Foi um Rei a todos os títulos notável. Notável pela obra política, económica e social que deixou. Introduziu as grandes mudanças que permitiram a modernização da Tailândia e reformas sociais de grande extensão, que permitiram a constituição de uma sociedade livre, democrática, participante, sem nunca ter alterado aquilo que considerava pilares fundamentais da sociedade tailandesa, nomeadamente a monarquia, o budismo, a democracia e as instituições que garantem a defesa do Estado.

Nos anos 60, 70 e 80 foi um homem que percorreu durante décadas, incansavelmente, a Tailândia, em contacto com as populações, e a obra social que deixou é impressionante. Neste momento a Tailândia tem menos analfabetos do que qualquer país europeu, para além da rede hospitalar, da protecção aos órfãos, aos doentes, o apoio que deu aos agricultores, a reforma agrária que promoveu e conseguiu uma coisa notável naquela região: Em 1975, como se sabe, no fim da guerra do Vietname, três países limítrofes foram tomados por governos marxistas-leninistas, o Vietname, o Camboja e o Laos. A Tailândia participou nessa guerra e foi a única monarquia que sobreviveu na região.

O Rei unificava os tailandeses, mas tem havido grandes divisões políticas. O seu sucessor conseguirá manter esse papel, ou as divisões vão piorar, e podem chegar a conflito aberto?

Não acredito que venha a haver guerra. A Tailândia é um país desenvolvido, e como todos os países que sofreram traumatismos profundos num processo rápido de desenvolvimento, há problemas sociais que se foram acastelando e que foram usados sabiamente por grupos políticos, neste caso populistas.

A Tailândia teve durante uns anos um primeiro-ministro que se encontra agora exilado no estrangeiro, Thaksin Shinawatra, um grande capitalista que pretendeu fazer uma mudança de regime, que não foi conseguida porque as forças armadas e a população urbana reagiram violentamente à tentativa de deposição da monarquia.

A Tailândia não é um país uno, tem um número importante de minorias. No sul é muçulmana, há grandes enclaves católicos, e a única solução que se apresenta é da manutenção da monarquia que protege e gere uma sociedade muito complexa.

Os europeus têm de compreender o seguinte, o Rei tailandês é objecto de uma veneração que nós não conhecemos na Europa, pelo menos desde Luís XIV. Tocar no Rei, referir-se ao Rei de forma descortês, é um crime. Mais do que um chefe de Estado, ele é visto pelos tailandeses como representação do corpo social, a alma do Estado e a fonte da autoridade das instituições políticas. Isso funcionou perfeitamente com Bhumibol, porque para lá da sua função de chefe de Estado, houve de facto uma relação de amor, directa, entre o Rei e o povo.

Ele deixa, no quadro das leis de sucessão, um filho, o príncipe Maha Vajiralongkorn, que já tem 60 anos. Contudo, creio que o príncipe não terá o amor e a devoção de que era merecedor Bhumibol. Mas há uma criança, o filho de Vajiralongkorn, que é o príncipe Dipangkorn Rasmijoti, que terá neste momento cerca de 14 anos e que poderá vir a suceder ao seu pai após um reinado transitório, um reinado curto.

A Tailândia e Portugal têm relações antigas...

Os portugueses são objecto de uma quase veneração pela grande maioria dos tailandeses, são sempre distinguidos como a grande potência europeia que pela primeira vez estabeleceu relações com o Sião. Mas não foram só relações de natureza diplomática e económica, que desapareceram por força da dinâmica da história...

Na Tailândia estabeleceu-se uma minoria católica, assentou-se um bandel, um aldeamento português, na capital antiga, e os portugueses ocuparam na altura posições de grande relevo na corte, nomeadamente na administração, no comércio, enquanto tradutores, enquanto soldados.

E é curioso que persiste uma comunidade luso-descendente importante, que mantém precisamente as mesmas funções profissionais que teriam os seus antepassados do século XVI e sobretudo do século XVII. Essa população, neste momento, está confinada a um bairro que é propriedade da Igreja Católica da Tailândia. Mantém a memória da presença portuguesa, os nomes portugueses, e ocupa funções de grande relevo na administração e sobretudo nas forças armadas tailandesas.

Ainda há uns anos tivemos as celebrações dos 500 anos das relações entre Portugal e a Tailândia e realizaram-se em Bangkok grandes celebrações. Nós em Portugal, já afectados pela crise, não pudemos corresponder á importância dessas celebrações, mas Portugal para os tailandeses – gostaria até de estabelecer uma imagem comparativa para que as pessoas compreendessem – eles olham para os portugueses como nós olhamos para os gregos antigos.

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