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Qualificações de Guterres ditaram a vitória num processo aberto e transparente

06 out, 2016 - 01:00 • José Alberto Lemos, em Nova Iorque

Conselho de Segurança deverá propor o seu nome por aclamação à Assembleia Geral esta quinta-feira.

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A expectativa era maior em relação à votação desta quarta-feira. Havia a distinção de votos entre membros permanentes e não permanentes do Conselho de Segurança. Havia a candidatura de última hora de Kristalina Georgieva. Havia as declarações do embaixador russo a manifestar interesse em encerrar o processo dentro de dias, que aqui analisámos no último artigo.

Mas as dúvidas também cresciam na razão directa das expectativas. Já nos tínhamos habituado a que Guterres liderasse a corrida, mas desta vez a ameaça da candidatura de Georgieva poderia baralhar o jogo e alterar tudo.

A reunião do Conselho de Segurança já durava há quase hora e meia e os jornalistas impacientavam-se cá fora. Em conversas cruzadas, detectavam-se opiniões divergentes sobre o desfecho da reunião. Uma simpatia generalizada pela candidatura de Guterres coexistindo com algum cepticismo dos mais habituados aos jogos de bastidores e ao cinismo que domina as relações internacionais. Iria prevalecer a velha ordem – as negociações de gabinete? Ou a nova ordem – a transparência de processos baseada em provas públicas e avaliação de mérito?

Mas, de repente, quase ao bater das 11h30, 16h30 em Portugal, a surpresa. Aparecem todos os embaixadores dos 15 países do Conselho de Segurança e ladeiam o embaixador russo, que detém a presidência neste mês de Outubro.

Vitali Churkin toma a palavra e é ele que define o momento como “histórico”.

“Acho que isto nunca foi feito assim na história das Nações Unidas”, diz. Os jornalistas mais veteranos na ONU parecem concordar, Nunca ninguém tinha visto nada assim.

O diplomata russo anuncia então ao mundo que o CS tinha acabado de fazer a sexta votação, diz que o processo de selecção foi muito importante, sublinha a responsabilidade com que foi tratado e agradece a todos os candidatos que participaram nele. “Todos demonstraram muita sabedoria, compreensão e preocupação pelos destinos do mundo”, anota.

Estava claramente a despedir-se de todos, excepto de um. Quem seria?

Churkin não se deteve. “Mas hoje, depois da sexta votação, temos um claro favorito e o seu nome é António Guterres”, proclamou, enfatizando o nome do candidato português.

O suspense tinha acabado. Após meses de audições, debates, votações, intrigas de corredor, lobbying, desistências de alguns e insistências de outros, Guterres levava tudo de vencida. Justamente no momento em que tinha aparecido uma candidatura com a presunção de chegar, ver e vencer.

Humilhação alemã

E talvez tenha sido essa presunção que a arruinou. Chegar tardia e enigmaticamente a um concurso que pela primeira vez se pretendia aberto e transparente, apresentada formalmente por um país (Bulgária) que até à semana anterior apostava noutra pessoa, patrocinada por outro país (Alemanha) cuja influência nas Nações Unidas é menor do que a sua aspiração a grande potência procura indiciar, a candidatura de Kristalina Georgieva tinha muitos ingredientes para correr mal.

É certo que se tivesse prevalecido a velha lógica das negociações de bastidores e troca de favores, a candidata lançada pela chanceler Merkel e por Jean Claude Juncker poderia eventualmente impor-se. Mas depois de cinco votações cujos resultados foram logo tornados públicos, depois de prestações de provas em que vários candidatos se revelaram capazes de desempenhar o cargo, seria muito difícil apagar esse histórico e tirar um coelho da cartola.

Foi isso que tentaram a Alemanha e o presidente da Comissão Europeia, entre outros, numa jogada de alto risco que nem sequer se coaduna muito com o espírito prudente, calculista e sóbrio de Berlim. O tiro saiu pela culatra e a resposta do Conselho de Segurança não podia ter sido mais eloquente. A candidatura de Georgieva durou 48 horas, o que para Berlim não pode deixar de constituir uma humilhação diplomática. E política, já agora.

Os números da “straw poll” são claros: a candidata tardia obteve apenas cinco votos positivos, oito negativos e duas abstenções, sendo que dos oito negativos dois foram de membros permanentes, aqueles que indiciavam um veto nas votações formais que se seguiriam. Com este resultado, Georgieva ficou em sétimo lugar entre os dez candidatos, integrando um grupo que sem ironia se pode denominar de “carro vassoura” desta corrida.

Bokova bate Georgieva

A maior ironia vem, aliás, do facto de a candidata búlgara preterida pelo governo de Sófia na semana passada, a directora-geral da UNESCO, Irina Bokova, ter ficado à frente da sua rival com sete votos positivos, sete negativos e uma abstenção. Dois dos negativos vieram de membros permanentes, mas Bokova ficou na quarta posição, melhor do que na “straw poll” anterior. Uma posição que lhe deve ter dado uma satisfação muito particular e que será certamente motivo de polémica na Bulgária.

À sua frente apenas o sérvio Vuk Jeremic com 7-6-2 (três dos negativos de membros permanentes) e o eslovaco Miroslav Lajcak com o mesmo resultado do sérvio, mas só dois negativos dos membros permanentes.

Mas antes da “ameaça” Georgieva, Guterres teve de ultrapassar as pressões para que fosse uma mulher a ocupar o cargo pela primeira vez e ainda a lógica da rotação entre regiões que, desta vez, apontava para a Europa de Leste. E neste aspecto três factores foram essenciais: as suas próprias qualificações, o trabalho excepcional da diplomacia portuguesa e o processo aberto e público desta selecção. Por isso, a vitória do candidato português é também a vitória do processo de transparência aberto na ONU pela primeira vez este ano.

Graças a ele, toda a gente pôde acompanhar os resultados dos escrutínios e avaliar as qualificações de cada candidato. E essas marcaram claramente a diferença em relação aos rivais na corrida. Isso mesmo ficou patente ainda esta quarta-feira na votação, que foi a melhor de sempre nos seis escrutínios realizados desde Julho. Em 15 possíveis, Guterres teve 13 votos positivos, nenhum negativo e duas abstenções. Ou seja, nenhum dos membros permanentes do Conselho de Segurança deu qualquer sinal de que vetaria a candidatura portuguesa. Foi a primeira vez em que no primeiro escrutínio diferenciado – com boletins de voto de outra cor para as cinco potências com direito de veto – um candidato não recebeu qualquer voto negativo.

A manifestação desta vontade unânime quanto a Guterres levou o CS a decidir apressar o processo e a anunciá-lo publicamente. O grande consenso encontrado em torno do candidato português aconselhava a um desfecho rápido, evitando assim prolongar aquilo a que o embaixador russo tinha chamado na segunda-feira “fadiga construtiva”.

Este era igualmente o desejo da diplomacia e dos responsáveis políticos portugueses. Quando o presidente Marcelo Rebelo de Sousa esteve em Nova Iorque, há duas semanas, para a sessão de abertura da Assembleia Geral, disse aos jornalistas que esperava que a questão ficasse arrumada no início de Outubro. Havia a consciência de que um protelamento da decisão traduziria maiores dificuldades para a candidatura portuguesa.

O voto formal ficou marcado para esta quinta-feira, às 10h00 de Nova Iorque e, segundo o embaixador russo, o Conselho de Segurança tentará que a aprovação de Guterres seja feita por aclamação. Só então o seu nome será proposto à Assembleia Geral para votação final global, cumprindo o estipulado na Carta das Nações Unidas.

O antigo primeiro-ministro português terá então cerca de dois meses para conhecer melhor os cantos à casa e será empossado no dia 1 de Janeiro de 2017 para um mandato de cinco anos. Nesse dia, António Guterres entrará para o clube mais restrito do mundo: o dos secretários-gerais da ONU, um clube que tem apenas oito membros desde a fundação da organização em 1945. Que seja um português o nono a ocupar um cargo de tal complexidade e relevo internacional é algo a que só assistiremos uma vez na vida.

Comentários
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  • Miguel Botelho
    06 out, 2016 Lisboa 14:52
    Aberto e transparente? Boa piada.
  • José Saraiva
    06 out, 2016 Viseu 14:51
    julgo que se trata de uma VITÓRIA DO MUNDO LUSÓFONO...veremos que consequências (positivas ou negativas) virão para Portugal...contudo os meus parabéns ao SR. GUTERREZ pelo alcançado.
  • graciano
    06 out, 2016 alemanha 14:24
    correcao ao meu comentario anterior --e que me disseram agora que o pais nao gastou nada com esta campanha porque foram gastos indirectos
  • graciano
    06 out, 2016 alemanha 14:19
    ainda ninguem explicou e quanto e que essa candidatura custou ao pais-- e o que e que o pais vai lucrar com isso -porque os unicos a lucrar com issi sera ele e os seus amiguinhos porque o pais nada ganhara somos um pais pobre de dinheiro e pobre de politicos competentes e serios e assim continuaremos a ser
  • martins
    06 out, 2016 dortmund 14:02
    ter um bom jogo de cintura politica e o fundamental para um politico atingir os seus objetivos --parece que os politicos portugueses so sao bons nas instituicoes internacionais porque no governo sao uma desgraca --entao esse guterres nao e aquele que deixou o pais de tanga -mas que saiu de 1 ministro e lhe deram logo um tacho na cgd ---daqui lhe dou os meus parabens e lamentando me por nao ser um amiguinho dele para ir para seu guarda costas e nas proximas eleicoes concorrer a presidente da onu sim porque eu tambem seria um bom candidato a esse ordenado ha ja sei nao me pudia candidatar porque nao sou filiado em nenhum partido portugues kkkk
  • Fr
    06 out, 2016 portugal 11:39
    Temos Barroso lobo mau e Guterres bom samaritano. Literalmente. Barroso vem da católica, que forma muitos especuladores e usurpadores
  • verdade
    06 out, 2016 aveiro 11:29
    A melhor resposta 'Todos Ganharam'. Os sectários queriam uma mulher, como o ......... traga vantagens. A resposta centra-se na escola do que melhor se enquadra nesta estrutura Mundial e não caseira. A igualdade é o género ser tratado de igual modo sem batota e revanchismos e que vença o que melhor se apresentou nos actos e acções. A resposta foi dada Todos Ganharam.
  • clara
    06 out, 2016 lagoa 11:01
    Sempre achei que seria o Guterres o vencerdor, não por ser português mas pela fraca concorrência dos outros candidatos. Além disso, Guterres como um estratega politico, usou muito bem a imagem da Angelina Jolie em seu favor; onde está a A.Jolie há um fotografo e em muitas fotografias Guterres ao lado. Nunca tive uma boa impressão da ONU, parece-me uma feira de vaidades, gente a querer lá chegar, pelo vencimento chorudo e visibilidade pessoal e isto tudo à conta dos desfavorecidos, pobres, violadas, refugiados,deslocados, vitimas de guerra, autoritarismo, terrorismo...conheço quem defenda que toda esta desgraça que atinge e põe tanta gente na miséria é a fortuna de outros que vivem na ONU. A ONU é o descartar consciências dos países que querem entreter enquanto tiram partido dos conflitos. O Guterres só interessa aos que precisam de socorro e já nem forças têm para pedir auxilio tal é o infortunio, como ontem não vimos nem UM a cumprimentar o vencedor, não foi eleito para eles?As noticias não chegam aos campos de refugiados!!!
  • joa
    06 out, 2016 Lisboa 10:11
    Mais um tacho que não vai mudar nada a não ser a conta bancária desse indivíduo, que mais tarde também deve ir "trabalhar", com o o tal Durãopara o tal golden Sax que originou a grande crise económica! Não tem nenhum interesse para os portugueses ou portugal!
  • joa
    06 out, 2016 Lisboa 10:11
    Mais um tacho que não vai mudar nada a não ser a conta bancária desse indivíduo, que mais tarde também deve ir "trabalhar", com o o tal Durãopara o tal golden Sax que originou a grande crise económica! Não tem nenhum interesse para os portugueses ou portugal!

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