05 out, 2016 - 11:14 • Ângela Roque
O livro “Mundial 66 – Olhares” assinala os 50 anos desse evento desportivo que marcou Portugal e os portugueses. “Quisemos valorizar esse momento, fazer um enquadramento político, social, cultural, dessa época” explica o historiador e autor do livro que é também uma homenagem aos “magriços”, como ficaram conhecidos os jogadores dessa selecção nacional.
“É um agradecimento muito particular a essa geração de desportistas que estão no coração de todo os portugueses e um deles em particular até no Panteão Nacional, que é Eusébio da Silva Ferreira”. Uma geração que “num Portugal entristecido, soturno, cerceado nas suas liberdades, com uma imagem muito negativa também no estrangeiro”, fez o país sonhar. “Numa época em que a televisão era a preto e branco, aquele foi um momento a cores para a sociedade portuguesa”, sublinha.
A obra reúne 66 testemunhos sobre esse período da história do futebol e do país: “Convidámos personalidades da sociedade portuguesa das mais diversas áreas, da política, da cultura, da música e do cinema, das finanças, investigadores das ciências exactas e das ciências sociais, jornalistas e desportistas, como não poderia deixar de ser, incluindo a grande maioria dos magriços que ainda se encontram vivos e que aqui dão o seu próprio testemunho”, explica o autor.
Jorge Sampaio, Guilherme de Oliveira Martins, Bagão Félix, António Barreto, o físico e investigador Carlos Fiolhais, o maestro Victorino de Almeida, o padre Vítor Melícias, o cineasta António Pedro Vasconcelos e o jornalista Ribeiro Cristóvão foram algumas das personalidades ouvidas.
O livro foi lançado em Junho, pelos 50 anos do Mundial, e em Julho Portugal venceu o campeonato Europeu de Futebol. César Rodrigues encontra muitas semelhanças na euforia que se viveu no país nos dois momentos: “Há muitas analogias que podem ser feitas. Essa caminhada, seja em 66 seja em 2016, foi vivida com grande orgulho patriótico”.
Na década de 60, e em função do momento político que se vivia, a participação no mundial “foi acompanhada de uma forma particular, com grande orgulho e exaltação da identidade portuguesa, de um Portugal que se pretendia também afirmar através do desporto”. Já a vitória em 2016 foi um acontecimento “muito mais mediatizado, o que permitiu também uma exposição maior deste feito. Sendo que desta vez terminámos com um título de campeão!”, sublinha.
O exemplo de fé de Fernando Santos
No Europeu deste verão pode ter surpreendido muita gente o facto de Fernando Santos assumir publicamente a sua fé, agradecendo e dedicando a vitória a “Deus Pai”. César Rodrigues fala na importância desse gesto: “Nas sociedades em que vivemos, em que há alguma intolerância e a religião tende a ser uma coisa privada, Fernando Santos entra em contraciclo, falando abertamente daquilo em que acredita. E no momento em que tem a Taça ao lado assume que a sua fé terá também contribuído muito para essa superação e transcendência”.
O seleccionador nacional “distingue muito bem entre fé e ‘fezada’, e mostra que a sua fé não está associada a um Deus que possa ser benéfico para si e menos simpático para o adversário”, diz o historiador, sublinhando ainda o facto de a carta com que Fernando Santos agradeceu a vitória ter sido escrita um mês antes. “Isso também revela a perspectiva da esperança bem alicerçada na fé que professa” ,
“Desporto ao Serviço da Humanidade”
Nesta entrevista à Renascença César Rodrigues fala também da conferência mundial que começa esta quarta-feira no Vaticano, com o apoio do Comité Olímpico Internacional e da ONU, para debater de que forma é que a fé e o desporto podem trabalhar em conjunto para melhorar a vida das pessoas. Trata-se de uma iniciativa do Conselho Pontifício para a Cultura, que espera reunir 150 líderes religiosos e desportivos de vários países.
O historiador diz que esta iniciativa do Vaticano “merece todos os louvores” e considera-a mesmo “um rasgo de genialidade”, porque neste século XXI o desporto “tem uma importante palavra a dizer”.
“Por vezes o desporto é tido como algo marginal, nada mais errado, porque o desporto cativa a generalidade dos povos, a começar pelos jovens”, e transmite valores como “a superação, o respeito pela diversidade, não anulando as culturas de cada um, e também facilita a inclusão e a integração”.
“Ainda agora tivemos os Jogos Paralímpicos com verdadeiras lições de vida e de superação”, lembra César Rodrigues, para quem esta iniciativa pode “fazer a diferença” no actual contexto em que nem sempre se respeita a diferença de credos, raças, ideologias e culturas”. Isto só pode “favorecer a humanidade”.
César Rodrigues lançou o livro “Mundial 66 – Olhares” em conjunto com Francisco Pinheiro. Ainda neste mês de Outubro deverá ser publicada a segunda parte da obra. Com o título “Mundial 66 em 100 primeiras páginas”, baseia-se no que foi publicado pela imprensa escrita antes, durante e logo após o Mundial.
A entrevista a César Rodrigues foi transmitida no programa “Princípio e Fim” da Renascença, dia 2 de Outubro.