29 set, 2016 - 12:46
No dia em que o Conselho de Estado reúne para analisar a situação internacional e as suas consequências em Portugal, a Renascença entrevista a chefe da representação da Comissão Europeia em Portugal, Sofia Colares Alves.
"Situação política, económica e financeira internacional e seus reflexos em Portugal num quadro de curto, médio e longo prazo", foi o tema definido pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, na convocatória da reunião.
País historicamente dependente e permeável, Portugal tem capacidade de manobra reduzida e é de Bruxelas que saem as directivas políticas (e económicas) essenciais. A chefe da representação da Comissão Europeia em Portugal defende e aponta múltiplas concretizações da integração europeia que são positivas para Portugal e para os restantes Estados-membros, argumentando que as pessoas tendem a "procurar culpados e bodes expiatórios" das dificuldades.
A UE é associada a pressão sobre os Governos no que toca ao rigor orçamental. Continua a fazer sentido seguir esse padrão?
As regras da União Económica e Monetária, que foram aprovadas por todos os Estados-membros, implicam o rigor orçamental por uma razão muito simples: só podemos ser uma união monetária se os estados-membros mantiverem o controlo sobre as suas finanças públicas. Não me cabe a mim comentar aquilo que foi decidido pelos próprios Estados, os acordos e as metas que alcançaram, se os 3% de défice público faz sentido ou não, isso já foi acordado. O que é importante dizer é que sem responsabilidade não pode haver solidariedade.
Acho que as pessoas também percebem isso, que nós não conseguimos direccionar-nos para aquilo que é mesmo importante, que é o emprego e o crescimento económico, se não conseguirmos pôr a nossa casa e as nossas contas em ordem. A Comissão, enquanto guardiã dos tratados e dos procedimentos e regras europeias, tem este papel, que nem sempre é muito simpático, de insistir que os Estados-membros cumpram.
É frequentemente evocado um certo distanciamento das pessoas e de alguns líderes em relação ao projecto europeu. Este distanciamento pode relacionar-se com os números altos do desemprego na Europa, nomeadamente os 500 mil registados nos centros de emprego em Portugal?
Quando há uma crise económica e quando as pessoas perdem rendimento e emprego, andam naturalmente maldispostas e têm menos paciência para ouvir e compreender agendas políticas e agendas económicas. É normal, as pessoas recolhem-se muito mais, dobram-se muito mais sobre si próprias, estão muito menos receptivas a projectos de solidariedade e cooperação, que é o projecto europeu.
E procuram culpados…
E, obviamente, procuram culpados e bodes expiatórios. Como sabemos, a União Europeia e a Comissão são sempre um bode expiatório bastante fácil, porque é algo distante, apesar de não o ser.
No dia-a-dia, o telefone, as telecomunicações que fazemos, os transportes aéreos ou os transportes terrestres, o metro que apanhamos, a agricultura e os produtos da agricultura portuguesa dos quais beneficiamos, as infraestruturas, tudo isso são concretizações da integração europeia e da concretização do mercado comum. A Europa somos nós, mas, obviamente, quando se fala de mais integração, mais solidariedade, quando os tempos começam a ser mais difíceis e há mais desemprego e se pede ao Governo e às pessoas para ter atenção quando contraem dívida, obviamente, que as pessoas ficam com menos disposição para ouvir a aceitar.
As regras devem mesmo ser iguais para todos? Deve-se insistir nas exigências a Portugal ou mostrar compreensão e flexibilidade perante um país que tem cumprido praticamente todas as estipulações de Bruxelas?
A decisão que foi tomada pelo Conselho sob proposta da Comissão de cancelar as sanções a Portugal demonstrou que defende uma aplicação das regras do PEC flexível, inteligente, como já foi dito pelo presidente da Comissão várias vezes. Há margem de manobra, mas não pode haver flexibilidade total. Para termos regras que ninguém aplica, então, não vale a pena ter as regras.
O caminho da austeridade e do rigor absoluto não representa risco de os governos enviarem uma mensagem errada aos mercados e voltarem aos problemas de financiamento?
É o oposto. É necessário mostrar seriedade e rigor orçamental exactamente para que aqueles que compram dívida portuguesa tenham confiança que um dia essa dívida vai ser paga. É o "bê-á-bá" deste sistema. A Comissão tem trabalhado muito de perto com o Governo português para que as metas sejam alcançadas. Nos últimos anos, têm sido feitos progressos significativos, que foram acolhidos e compreendidos pela CE. Com serenidade e trabalhando em conjunto com o Governo e com os parceiros europeus, temos de trabalhar para virarmos esta página e passarmos para uma questão que é muito mais importante: o crescimento a médio e longo prazo.
O primeiro-ministro, António Costa, disse em Bratislava acreditar que o processo de suspensão de fundos a Portugal no quadro do Procedimento por Défice Excessivo "está bem encaminhado", reafirmando que não há justificação para a sua concretização. Concorda? Costa disse que o assunto está "a ser tratado agora no Parlamento Europeu", que vai encetar um diálogo consultivo com a Comissão Europeia. Pode explicar exactamente do que consiste este processo?
O que está a decorrer é um procedimento normal e as pessoas não precisam de ficar alarmadas com isso. A Comissão tem de apresentar uma proposta de suspensão dos fundos estruturais para Portugal. A Comissão não tem poder discricionário, não tem liberdade para decidir não o fazer. O regulamento que trata desta matéria impõe à CE a apresentação da proposta. Agora, o que a Comissão decidiu fazer, juntamente com o Parlamento Europeu, foi ter um diálogo estruturado sobre a questão. Isto mostra a abertura da CE no sentido de envolver o PE, dialogar e tornar o processo ainda mais transparente. É uma decisão que depois será tomada, como sempre, pelo Conselho de Ministros.
O comissário europeu dos Assuntos Económicos e Financeiros, Pierre Moscovici, afirmou que a Comissão Europeia pode levantar a suspensão dos fundos se o Governo português cumprir as metas e apresentar “finanças saudáveis”. O que são "finanças saudáveis" para a CE?
Em Agosto, durante o Verão, foi adoptada uma recomendação relativamente à questão do défice excessivo e foram estabelecidas metas que foram acordadas com o Governo para 2016 e pediu-se um esforço consolidado do orçamento para 2017. São estas metas que esperamos que o Governo português cumpra e o Governo já disse muitíssimas vezes que o vai fazer. E, portanto, se as cumprir, uma eventual decisão de suspensão dos fundos não terá efectividade prática porque só se aplicaria em 2017 e até lá vamos saber se o Governo cumpre as metas. Esperamos obviamente que o faça.
Pierre Moscovici defendeu que a Europa não é punitiva, mas sim a favor dos “incentivos”. Mas o facto é que muitos europeus vêem a Europa como punitiva, e pouco tem transparecido para mudar esta opinião.
Penso que há um tendência generalizada na Europa para os Governos nacionais chamarem a si tudo o que é positivo e imputarem à Comissão tudo o que é negativo. É uma mensagem que está a ter já repercussões negativas por esta Europa fora, com movimentos nacionalistas a emergirem um pouco por todo o lado e bastante preocupantes. A Comissão, tal como outras instituições europeias, tem alertado os governos e os políticos nacionais exactamente para este tipo de mensagem que acaba por ter um efeito "boomerang", porque os cidadãos, que de tanto ouvir, acreditam e pensam que todos os males provêm sempre da Europa e da Comissão Europeia.
Esta é uma mensagem que temos que tentar inverter. É esse o meu trabalho aqui em Portugal e o trabalho dos meus colegas, mas também dos meus colegas em Bruxelas, é de alcançar as pessoas, os cidadãos, explicar-lhes o que foi atingido em termos de efeitos muito concretos para as suas vidas quotidianas, o que é que a Europa lhes trouxe de positivo, e de facto há muito. Mesmo em áreas como o emprego e o crescimento os números não são assim tão negativos. Pelo contrário, desde 2013 que já se criou mais de oito milhões de empregos na Europa. Lançou-se o plano de investimento europeu, ou o plano Juncker, exactamente para se fomentar o crescimento e o investimento em áreas onde a Europa precisa de ser mais competitiva, e precisa de ser mais competitiva e mais sustentável para promover financiamento com as PME e também as start-ups, mas também em projectos estratégicos. Tem um leque suficientemente alargado para apanhar tanto as microempresas como empresas e consórcios industriais alargados.
E isto já teve os seus frutos no primeiro ano de implementação, a um ponto que o Presidente Juncker e a Comissão decidiram duplicar para o futuro, em termos de montante e em termos de tempo, e é exactamente este movimento de incentivo ao investimento e a promoção do crescimento e do emprego que é uma das prioridades se não a prioridade da Comissão Juncker. É uma prioridade extremamente importante para países como Portugal que tem pouco crescimento ou crescimento abaixo da média europeia, e é sobre esta vertente que eu aqui em Portugal gostaria de trabalhar com as autoridades portuguesas.
O comissário europeu Carlos Moedas afirmou no parlamento que a Comissão Europeia “não se imiscui” nas políticas definidas pelo Governo português, que agora goza de “mais liberdade”. Concorda?
Penso que o comissário Carlos Moedas estava-se a referir a mais liberdade relativamente ao período do programa de ajustamento, mas é também uma noção que as pessoas muitas vezes não têm, relativamente, por exemplo, ao défice orçamental, o que se acorda com o Governo português são metas, e depois cabe ao Governo decidir onde é que vai e como é que vai buscar o dinheiro, se do lado da despesa ou do lado da receita, e qual é o seu plano de poupança.
Finalmente, sobre as novidades na corrida à ONU. A candidatura agora anunciada da búlgara Kristalina Georgieva foi uma surpresa. O ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, adverte para o risco de “diminuição de credibilidade das Nações Unidas”, caso “se faça tábua rasa dos passos dados" no processo de candidatura a secretário-geral da Organização das nações Unidas (ONU). Considera que este risco existe e é real? Como é que a Comissão Europeia vê a candidatura de António Guterres?
As candidaturas, quer da vice-presidente Georgieva quer de António Guterres, são candidaturas pessoas e individuais apoiadas pelos respectivos países e a CE está ausente deste processo. E não só não tem interferência nenhuma como não tem influência no processo de selecção e designação do secretário-geral das Nações Unidas. A Comissão vê sempre com bons olhos a candidatura de cidadãos europeus apoiados por países europeus às Nações Unidas.