“É difícil passar por Óbidos e não sentir vontade de escrever” admite Eucanaã Ferraz

Se até o estilhaçar de um copo o inspira, quanto mais um lugar tão bonito como Óbidos. Eucanaã Ferraz está em Portugal para participar no Festival Literário Fólio e à Renascença admite que os momentos de poesia, nestes eventos, funcionam como uma pausa na vida das pessoas que assistem.

Muitos dos seus livros de poesia foram editados em Portugal por uma editora que fechou. Agora vê os seus livros reeditados pela Imprensa Nacional – Casa da Moeda, numa antologia…

São oito livros reunidos num só, isso para mim é mais do que uma recepção da crítica. É uma recepção dos leitores. É reconhecível que aqui em Portugal há leitores, há uma atenção, há pessoas que conhecem outros livros. Para mim o leitor português é muito especial porque tem um conhecimento da poesia e a palavra e sei que é um leitor muito especial. É um leitor que eu prezo muitíssimo. Sinto-me realmente honrado!

E o que faz um poeta num festival como o Fólio? Consegue escrever durante o festival?

Um poeta num festival fala sobre poesia que é uma coisa sobre as quais as pessoas pouco ouvem falar. Acho que a poesia é uma pausa na vida delas, mais do que o festival é uma pausa na vida do poeta, porque as pessoas finalmente ouvem uma conversa sobre a poesia, os poetas declamam alguns poemas e acho que para as pessoas aquilo soa como um momento muito especial. Para nós que fazemos poesia não sabemos se aquilo vai render um poema ou uma ideia. Nunca se sabe! A poesia nasce de um lugar que a gente não sabe qual é e em situações de que nós não temos previsão. É muito difícil

Óbidos é inspirador?

Tudo é inspirador para um poeta. Os bons momentos, os maus momentos, uma paisagem, um acontecimento sem importância nenhuma, um pássaro que voa, uma folha que cai, um copo que se quebra, o olhar de uma criança... Mas este lugar é muito inspirador! É difícil passar por Óbidos e não sentir vontade de escrever. É tudo muito lindo e impressionante. Isto é que parece ser o mundo real, de verdade. Eu acho que para a poesia, o mundo real de verdade é capaz de dar poemas.

E o Brasil?

O que o Brasil vive hoje, é o Brasil! Nós estamos muito acostumados (risos) a altos e baixos. É sempre uma aventura! A vida brasileira é uma aventura. Nós trocamos de moeda com a facilidade com que trocamos de carro, ou de roupa. Adaptamo-nos a tudo.

Ou seja, o Brasil vai sair da actual crise?

O Brasil vive um momento político difícil mas as coisas estão andando e funcionando. O que houve no país seguiu a conformidade das leis. Todas as instituições democráticas estão a funcionar plenamente. O que acontece é que a democracia ao longo do século XX parecia muito estável e agora em pleno século XXI a democracia é um desafio para todos os países ocidentais que imaginaram que a democracia era a solução para todos os problemas. Nós sabemos que não é.

Tudo o que o Brasil passou nos últimos tempos, passou em conformidade com a democracia e faz parte da democracia que haja insatisfeitos. Tudo faz parte do jogo democrático e do jogo político. Não há nada extraordinário acontecendo no Brasil. Tudo está acontecendo dentro da legalidade democrática, mas enfim, as coisas não são fáceis.