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Ser dominicano é ter “a Bíblia numa mão e o jornal na outra”

24 set, 2016 - 11:51 • Ângela Roque

Estar atento à realidade é uma obrigação de quem anuncia a Palavra de Deus, diz frei Filipe Rodrigues. Neste fim-de-semana em que a família Dominicana está em peregrinação nacional a Fátima, a Renascença falou com este responsável sobre o regresso a Portugal do noviciado e sobre o Jubileu que assinala os 800 anos da ordem.

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Quem entra para o noviciado dos Dominicanos já pode fazê-lo de novo em Portugal. Nas últimas duas décadas esta etapa formativa fazia-se apenas em Espanha, mas o aumento crescente do número de noviços – só este ano entraram 8 – fez com que se decidisse recuperá-la. A tomada de hábito decorreu no Convento de São Domingos de Lisboa no passado dia 11.

“Há vinte anos tínhamos poucas vocações e achámos que não fazia sentido ter em cada província um mestre de noviços para 2 ou 3 frades. Então juntámos tudo num único noviciado, o Noviciado Ibérico e Interprovincial. Ou seja, todas as vocações de Portugal, que era uma província, e de Espanha, que eram quatro províncias, passaram a fazer o noviciado em Sevilha”, conta frei Filipe Rodrigues.

Só que entretanto algo mudou: “Nos últimos anos o vicariato de Angola, que pertence à província de Portugal, tem enviado para cá as suas vocações, e já começa a ser um número considerável. No primeiro ano foram três noviços angolanos e dois portugueses, o ano passado tivemos cinco noviços angolanos e nenhum português, e este ano temos sete noviços angolanos e um português. Achámos que era altura de apostarmos outra vez no noviciado em Portugal”.

A decisão acabou por ser tomada num ano especial. “É uma feliz coincidência calhar no Jubileu da Ordem. Estamos a celebrar os 800 anos”, sublinha frei Filipe, agora mestre de noviços, que considera este regresso muito importante: “É um sinal de esperança e alegria, e também um sinal de união entre Portugal e Angola. O vicariato de Angola é filho desta província de Portugal, mas não tínhamos muitas relações. Vinham para cá estudar, de passagem, agora o mestre da ordem pediu-nos para termos uma relação mais profunda, e achámos que uma das maneiras seria acolher estes irmãos na formação”.

Noviciado: “Um ano de prova”

O noviciado dura um ano. “O direito canónico diz que pode ser até dois anos, mas entre nós dominicanos é um ano completo. Nós dizemos que é um ‘ano de prova’, mas não quer dizer que seja um ano de sofrimento. ‘De prova’ significa que vão provar a vocação, vão ver se de facto é isto que eles querem para eles”, explica Filipe Rodrigues, lembrando que no dia da tomada de hábito o provincial lhes disse que “este ano era uma maneira deles viverem como nós e de nós vermos como é que eles vivem à nossa maneira. Vão ser introduzidos na leitura da palavra de Deus, na Bíblica, formação humana, a liturgia, a oração, o silêncio, pregação, o carisma dominicano, história da ordem. Portanto, é um ano de estudos mais internos em que têm um mestre, um irmão mais velho que os acompanha, e que lhes vai passando estes conhecimentos para que eles depois venham a ser pregadores”.

Na prática, explica, “ainda não têm votos, ainda não estão vinculados à ordem. É um ano de experiências e de rupturas. Ao final desse ano, quer da parte da comunidade, quer da parte deles, decidimos se é de avançar ou se não”. E conta que os que entraram nos anos anteriores têm ficado. “Graças a Deus não tivemos nenhuma desistência. E digo ‘graças a Deus’ porque precisamos de vocações, e ‘graças a Deus’ porque o discernimento foi bem feito”.

No Convento de São Domingos, em Lisboa, a chegada de mais gente obrigou a mudar rotinas. “Éramos catorze, vieram mais oito, passámos a ser vinte e dois, mais os irmãos que vão passando por Lisboa. Houve uma mudança grande, até para a nossa própria vida comunitária. A casa ganhou mais vida, há mais alegria, mais conversa, mais ligação entre os irmãos, e preparámos o nosso projecto comunitário em função do acolhimento destes irmãos mais novos. Temos um modo de vida agora mais intenso a nível de oração, de presença, o que é bom. Fez-nos voltar a pensar um bocadinho na nossa vida e na nossa missão”, revela frei Filipe, explicando que a responsabilidade da formação dos noviços não passa apenas por si. “Não é só do mestre. O convento que acolhe o noviciado é uma casa de formação, todos os catorze irmãos estamos implicados na formação destes mais novos”.

Falar da Bíblia à luz da actualidade

A Ordem dos Pregadores dedica-se ao estudo e à divulgação da Palavra de Deus, sendo fundamental estar informado. “Havia um teólogo dos anos 50 que dizia que ‘o bom teólogo é aquele que faz teologia com a Bíblia na mão e o jornal na outra’. E nós na ordem usamos muito esta expressão – ‘o dominicano é aquele que prega com a Bíblia numa mão e o jornal na outra’. Ou seja, tem de haver uma actualidade muito grande”, explica frei Filipe Rodrigues.

Os dominicanos marcam, por isso, presença na comunicação social (exemplo de Frei Bento Domingues, que há mais de 20 anos escreve crónicas para um conhecido jornal diário), mas têm um apostolado muito variado. Têm duas paróquias a seu cargo (a paróquia de Cristo Rei, no Porto, e a paróquia de São Domingos de Benfica, em Lisboa), e dão assistência à família dominicana, às monjas, às irmãs e ao laicado, em retiros, palestras, eucaristias celebrativas. “Somos convidados para muita coisa, pelas dioceses para pregarmos retiro ao clero, pelas paróquias, para fazermos pregações às pessoas. Temos presenças nos hospitais, já tivemos também presença no meio militar. Um dominicano adapta-se, de certa maneira, àquilo que é chamado a fazer”.

Em termos de representatividade a família dominicana não se limita aos frades, é alargada: “Em Portugal somos uma pequena província. A nossa presença contemplativa é muito pequena, temos três mosteiros – Lisboa com quatro irmãs, outro em Fátima com 12 irmãs, e outro em Lamego também só com três irmãs, todas com bastante idade, e por isso estamos agora a reflectir sobre que futuro é que a presença contemplativa dominicana tem no nosso país”.

Há também as chamadas irmãs de vida activa, como as dominicanas de Santa Catarina de Sena, e as irmãs missionárias Dominicanas do Rosário. O segundo ramo da família dominicana é a dos frades “na província de Portugal somos cerca de 30, e em Angola será pelo mesmo número”. O terceiro ramo, num universo maior, é o do leigos, alguns dos quais consagrados.

Este fim-de-semana a família dominicana está em peregrinação a Fátima. É um dos momentos altos do jubileu que a Ordem dos Pregadores está a viver e que encerrará a 21 de Janeiro, em Roma. Uns dias antes virá a Portugal o mestre da ordem: “Vem só visitar a província de Portugal, quatro ou cinco dias, e vamos pedir-lhe que ele encerre já aqui connosco o Jubileu”. Outro momento importante terá lugar já a 7 de Outubro, dia de Nossa Senhora do Rosário. “Vamos assinalar o Dia Jubilar do Rosário em todo o país. Vamos rezar o Terço e dar um sentido a cada mistério, relacionado com os direitos humanos”. Em Lisboa será na Igreja de São Domingos da Baixa, a partir das 15h30.

A entrevista a frei Filipe Rodrigues vai ser transmitida no programa “Princípio e Fim” da Renascença, que é retomado Domingo, às 23h30.

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