23 set, 2016 - 10:01 • Liliana Carona
É inaugurado esta sexta-feira à tarde o espaço de lazer criado nas antigas minas da Urgeiriça, no concelho de Nelas. A cerimónia está rodeada de polémica, com a Associação dos Ex-Trabalhadores das Minas de Urânio a dizer que ainda falta descontaminar diversas zonas e que, por isso, não vai estar presente.
A associação (ATMU) prefere aguardar por uma derradeira inauguração, que ponha um ponto final neste capítulo e que comece uma nova fase para aquela povoação. “É preciso virar a página. Isto não é tudo mau”.
Quem sabe tudo da Urgeiriça, dos mineiros, da vida difícil, mas também dos serões de convívio e amizade, é António Minhoto, 64 anos, presidente da ATMU.
“Este era o antigo lugar do Santa Bárbara, o poço mineiro donde vinha o urânio da Urgeiriça. Agora, aqui ao lado temos este parque com zonas desportivas, circuitos, zonas para debates nos balneários dos mineiros e no edifício onde trabalhava o guincheiro”, afirma à Renascença, apontando com o dedo, mas sem querer entrar dentro do novo parque.
António Minhoto não vai comparecer na inauguração deste novo espaço de lazer e alerta: “Inaugurar devia ser o complexo todo quando tivesse sido eliminada toda a contaminação, a antiga química por exemplo está por recuperar, os antigos escritórios, e se olharmos a nível da região, há minas em Tábua, Mangualde e Gouveia, que também ainda não foram recuperadas, com níveis de radão e gás que são nocivas à saúde”.
O espaço de lazer nasce sob o olhar de saudade dos colegas João Marques, de 67 anos, escriturário, e José Magalhães, de 60, carpinteiro. Trabalharam ambos na Empresa Nacional de Urânio nas décadas de 1970, 80, e 90.
“São estes momentos de reencontro de que temos saudades, é uma grande amizade”, sorri José Magalhães, actualmente a viver na América e de passagem pela localidade.
“Trabalhei na serração quase 20 anos, éramos viciados nisto”, recorda o carpinteiro, enquanto é interrompido por João Marques. “É preciso ultrapassar, e dizer às pessoas que a Urgeiriça é um local onde se vive saudavelmente, serão sempre bem recebidas”, garante.
Os ex-trabalhadores das minas da Urgeiriça querem terminar de vez com o estigma da terra envenenada e dar a Urgeiriça uma nova vida. “Urgeiriça, terra de saudade, Urgeiriça mineira para o futuro e para a dignidade”, concluem os mineiros, que admitem sonhar todos os dias com “aqueles tempos”.
Sentada no alpendre de sua casa, Deolinda Neto, de 58 anos, debulha o feijão para a sopa, indiferente ao facto da sua moradia ter sido, no passado, o posto da GNR, junto ao complexo habitacional dos mineiros. Não lhe interessa saber mais do que isso.
“Não sou de cá, sinto-me aqui bem, estou num sítio bonito, é só isso que interessa”, assegura à Renascença.
Uma história por acabar
A história que começou em 1907, com a fundação da então denominada Junta de Energia Nuclear, ainda não teve um ponto final. As minas chegaram a ter mil trabalhadores. Das mãos dos ingleses passou para a alçada do Estado em 1962, e mais tarde, designada Empresa Nacional de Urânio.
Fechou portas em 2000, numa altura em que tinha cerca de 40 trabalhadores. Mais recentemente, foi publicada em Diário da República a lei que estabelece o direito a uma compensação por morte emergente de doença profissional dos trabalhadores da Empresa Nacional de Urânio, tendo posto fim a um processo de 15 anos, pela luta dos direitos dos ex-trabalhadores contaminados pela radioactividade.
Até ao momento, já têm 50 pedidos, referentes a indemnizações para os familiares dos que morreram por exposição à radioactividade. A Associação dos Ex-Trabalhadores das Minas de Urânio (ATMU) acredita que mais de 100 morreram por neoplasia.