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Joaquim de Almeida. "Quis fazer este papel porque a minha mãe teve Alzheimer"

21 set, 2016 - 15:43 • Entrevista ao programa "Olá Manhã" – Óscar Daniel e Miriam Gonçalves

Em "O Poder da Música", o actor interpreta um neurocientista que se especializa em doenças degenerativas e que perde a mãe para a doença de Alzheimer. As semelhanças com a história de Joaquim de Almeida estão lá e tornaram o papel "difícil", mas também "especial". O actor conta como acompanhou a evolução da doença da sua mãe, durante dez anos, e fala também das repercussões "gravíssimas" do Alzheimer nas famílias e da falta de apoio público.

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Joaquim de Almeida. "Quis fazer este papel porque a minha mãe teve Alzheimer"
Joaquim de Almeida. "Quis fazer este papel porque a minha mãe teve Alzheimer"

Joaquim de Almeida conversou com a equipa do programa "Olá Manhã" no Dia Mundial da Doença de Alzheimer, antecipando a estreia do filme "O Poder da Música", esta quinta-feira nos cinemas. O actor, que tem dado apoio público à luta contra a doença, conta como foi lidar com o problema na sua família. E fala também dos papéis de vilão – e de outros para lá do estereótipo – da série que está a protagonizar nos Estados Unidos, da fama e de disciplina.




Na rubrica "Trocado por Miúdos" desta manhã, perguntamos: “Gostavas de ser famoso?” O Joaquim de Almeida gosta de ser famoso?

Têm todos um bocadinho de razão [as crianças que falam na reportagem], os jornalistas são realmente uma seca. Não, os jornalistas, não são sempre uma seca. Mas aqueles que eles mencionam, daquelas revistas – e, portanto, eles estão a falar de um certo tipo de jornalistas –, esses são uma seca. Os jornalistas não, porque estão a fazer o trabalho deles e nós precisamos deles para que se saiba que os nossos filmes vão sair.

Ser famoso... Ser famoso, tem coisas boas. Às vezes oferecem-nos os almoços, e é verdade que quando não marcamos nada temos sempre mesa, as pessoas gostam de nos ver sentados lá. Para poderem dizer que estivemos lá.

Por outro lado, sair à rua... Quando vinha a Portugal tinha uma casa na Lapa, e depois mudei-me para Ranholas, em Sintra, no meio do campo, onde ninguém sabe onde eu ando. E é verdade que sair de casa na Lapa, todos os dias, e entrar no barulho... Vai-se ao café e ouve-se logo: “Então? O Rui Veloso esteve lá ontem em casa…” As pessoas sabiam quem é que esteve em minha casa, o que é um bocadinho aborrecido.

Principalmente quando invadem a nossa privacidade…

Sim, sobretudo nestes bairros de Lisboa, onde as pessoas querem saber o que os famosos andam a fazer. Portanto, eles [os miúdos] têm muita razão…

O Rui Veloso dizia-me assim: “Ó pá, ó Joaquim, eu saio de Portugal e ninguém me conhece, agora contigo… É uma chatice porque as pessoas conhecem-te aqui, conhecem te ali". Principalmente quando se fazem filmes americanos. Os filmes americanos têm um problema: vendem-se no mundo inteiro. Aliás, como as séries de televisão. Vamos agora para a segunda temporada [de "Queen of the South"], a primeira temporada terminou no domingo, e já sei que quando chegar aos Estados Unidos, no domingo, vou ter toda a gente…

E vendem-se as séries e os filmes muito à base da figura dos actores.

E não é só isso. Antes nós víamos a série e esperávamos pelo próximo episódio na semana seguinte, agora temos opção. Não vemos a série enquanto ela está a sair, mas compramos a série toda de seguida. A semana passada vi o "Narcos", a primeira temporada, em dois dias e a segunda temporada em dois dias.

Mas os miúdos tinham toda a razão. A chatice das fotografias, por exemplo. Acho muita piada porque eu sou um bocadinho aquele senhor famoso que não gosta de tirar fotografias. Essa parte das antestreias é a parte de que eu menos gosto.

O Joaquim está cansado de fazer de vilão?

Por acaso, agora, nesta série de televisão, “Queen of the South” ["A Rainha do Sul", baseada no romance de Arturo Pérez-Reverte], somos todos vilões. Portanto, isto de ser vilão entre vilões... Está sempre tudo bem. E, nesta série, eu sou um vilão até simpático. As vilãs, vilãs, são as mulheres. A minha mulher [na série], então, é uma coisa... Aliás, acho que é por isso que vamos para a segunda temporada. Porque somos todos maus, mas as vilãs…

E os homens gostam assim de mulheres mazinhas.

Mas, no ano passado, fiz um filme com a Sandra Bullock em que eu não era um vilão. Ou era um vilão, mas de outra maneira, um presidente.

Era um vilão de fato e gravata.

Fato e gravata? Eu sou sempre um vilão bem vestido! Vamos por as coisas como elas são.

Mas este ano tenho dois filmes em que interpreto outro tipo de papéis. Em "O Poder da Música" não sou vilão, antes pelo contrário. Sou um neurocientista que se especializa em doenças degenerativas, como o Alzheimer, Parkinson e demência. Dia 17 de Novembro estreia outro filme que é baseado n' "Os Velhos Marinheiros”, de Jorge Amado, o último filme que o José Wilker fez. Chamam-lhe “O Duelo”, porque é entre mim e ele, mas aqui também não sou vilão.

Para o ano, estreia em Agosto, um grande filme que acabei de fazer, em Londres: "The Hitman's Bodyguard". Aí vou mesmo ser um vilão.

Hoje é o dia mundial da Doença de Alzheimer e falamos também da estreia d' "O Poder da Música", um filme que gira à volta desta realidade. Joaquim de Almeida é um dos protagonistas. Foi especial fazer este filme?

Antes de mais, por causa da cidade maravilhosa que é Nova Orleães. Devo dizer que considero que este é um dos melhores retratos sobre a cidade, que passa a ser um terceiro personagem. É uma história comovente.

O papel que eu interpreto é o de um médico, Alvaro Cruz, um neurocientista que estuda estas doenças degenerativas, como o Alzheimer e o Parkinson. Ele está numa conferência em Paris, telefona para casa para saber como está a mãe e a mãe acaba de morrer. E ele sente-se de tal maneira frustrado, por ter dedicado toda uma vida a tentar descobrir uma cura para esta doença, e a mãe morre e ele acaba por estar longe.

Regressa e resolve tirar uns dias de licença e, nessa altura, vai dedicar se a uma coisa que o une muito à mãe, que é o amor pela música. E ele gosta muito de jazz e encontra esta cantora de jazz a tocar com um senhor velhote e começa a reparar que há ali um problema. Quando ela deixa de cantar, perde-se. E ele começa a notar que ela tem Alzheimer e tenta ajudar. E começa a ajudar, não só a cantora, mas também os familiares. Depois descobre que ela tem um filho que teve de dar para adopção.

No fundo, tem a ver com a música usada como terapia. Aliás, um dos intervenientes no filme é o doutor Pierluigi, que é um médico verdadeiro, que está na Alemanha e a quem foram atribuídos mil milhões de euros para descobrir a cura do Alzheimer. Os alemães sabem que se não descobrirem a cura nos próximos 15 anos, o sistema de saúde da Alemanha cai por terra. Porque é tão dramático como isto: uma em cada sete mulheres vai ter Alzheimer.

Mas o Perluigi contou-me esta historia: ele estava a estudar dois senhores que estavam completamente catatónicos, colocavam-se à frente um do outro e não diziam uma palavra. E quando ele punha a tocar Elvis Presley, eles começavam a falar, como se se lembrassem de tudo. Tirava-se a música e eles voltavam àquele estado catatónico. Portanto, a música tem efeitos muito especiais, como terapia, para ajudar a recuperar de doenças destas.

O Poder da Música: nos cinemas a 22 de setembro
Trailer de "O Poder da Música", com Joaquim de Almeida

Quando se faz um papel assim, como é que se lida com ele, do ponto de vista pessoal?

Do ponto de vista pessoal é muito difícil. Eu quis fazer este papel por uma razão muito especial. A minha mãe morreu de Alzheimer. A minha mãe teve dez anos de Alzheimer – e ela não tinha o gene. Mas aos 77 anos teve um desastre de automóvel, bateu com a cabeça – era Verão – deixaram-na estar meia hora à espera de ambulância, desmaiada. A partir daí, o “alemão” começou a atacar.

Eu não vivia cá, vinha a Portugal uma ou duas vezes por ano, e para mim era tão óbvio que a minha mãe estava pior... Eu via a evolução da doença. Os meus irmãos viam-na todos os dias e negavam. Ao princípio não queriam que ela tivesse isto. Foram dez anos e, no final, foi muito difícil.

Mas, graças a Deus, o meu pai tinha os meios para a ter em casa e transformou um bocado a casa para ela, com aquelas cadeiras de elevador para descer as escadas, com um quarto todo feito para ela.

Agora, o grande problema do Alzheimer é exactamente o que isto reflecte: as repercussões que isto tem na família. A maioria das famílias não tem o dinheiro que o meu pai tinha, não podem ter os doentes em casa. Ou podem, até um certo ponto, mas as pessoas passam por fases muito agressivas, ficam muito dependentes, não fazem absolutamente nada até ao último estado – que era o estado em que a minha mãe estava –, em que não se conseguem mexer, não vão à casa de banho e têm de ter cuidados intensivos.

Portanto, isto cria um problema gravíssimo nas famílias, porque há casas de saúde para onde eles podem ir, mas nem toda a gente tem dinheiro para pagar essas casas de saúde, que também são caras.

Este filme também tem o objectivo de levar as pessoas a entender e a serem mais compreensivas com todas as pessoas que têm entes queridos com Alzheimer, porque é realmente muito difícil uma pessoa ir trabalhar e chegar a casa e ter de cuidar do pai ou da mãe com Alzheimer. Como vivemos mais dez anos do que vivíamos há 30 anos atrás – o meu pai tem 94 anos e está perfeito –, é evidente que cada vez mais pessoas vão ter este problema e cada vez mais cedo. É o “early onset Alzheimer” (Alzheimer precoce): pessoas com 50 anos a ter a doença.

Este domingo fui à marcha da Memória e fiquei triste. Há marchas de tantas coisas com tantos apoiantes – e esta tinha muito poucos. Era bom que, no próximo ano, se lembrassem do Passeio da Memória e viessem dar um bocadinho de apoio, dar um bocadinho de visibilidade aos doentes de Alzheimer, que é um problema grave.

O Joaquim de Almeida acordou cedo para estar aqui connosco e eu sei que é uma pessoa de disciplina. Um actor tem de ser assim?

Tem. Quando nós trabalhamos, trabalhamos 12 horas, no mínimo. Por isso, levantamo-nos como tu, às 5h da manhã. Ou então não nos deitamos e trabalhamos a noite inteira. Mas eu, por acaso, sou muito mais apologista me levantar cedinho, trabalhar, porque eu gosto de filmar e depois ir ter o meu jantarinho, o meu copinho de vinho para dormir bem. Filmar de noite já gostei – aqui há 30 anos...

Tenho uma dúvida que me atormenta... Como é que se consegue decorar um texto, ir para as filmagens, olhar para Kim Basinger e lembrarmo-nos de tudo?

Com a Kim Basinger lembramo-nos sempre de tudo! Em cinema não tenho problema, porque fazemos poucos minutos por dia e os guiões não mudam assim tanto. Mas na série de televisão que eu estou a fazer, é mais problemático, porque nos dão literalmente cenas novas no dia anterior e lá estamos nós à noite a decorar aquilo. Ou então de manhã, e às vezes sai mais ou menos, dizemos aquilo mais ou menos.

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