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Tony Bennett aos 90 anos: o melhor ainda está para vir

16 set, 2016 - 07:55 • José Alberto Lemos, em Nova Iorque

Uma constelação de estrelas formou-se num mesmo palco em tributo a um homem perante o qual elas próprios se consideram pequenos e admiram como artista e como cidadão.

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Está pronto? Então aqui vai: Lady Gaga, Stevie Wonder, Michael Bublé, Diana Krall, K. D. Lang, Andrea Bocelli, Rufus Wainwright, Kevin Spacey, Alec Baldwin, Bruce Willis, Winton Marsalis, John McEnroe juntos e ao vivo no mesmo palco, na mesma noite.

E o que fariam tantas estrelas juntas no mesmo palco? Homenageavam um homem perante o qual eles próprios se consideram pequenos e admiram como artista e como cidadão. Um homem que completou 90 anos e que ainda canta. Mesmo sem microfone, se for caso disso.

Tony Bennett, Mr. Tony Bennett, um monstro da música, um “crooner” como já não há nenhum depois da morte de Sinatra, reuniu à sua volta na quinta-feira à noite no Radio City Hall de Nova Iorque muitos admiradores famosos e milhares de outros anónimos.

Uma sala esgotada para celebrar o seu 90.º aniversário com bilhetes que atingiram os 850 dólares por pessoa, mas cujo preço ia descendo à medida que se ia subindo na sala e sobretudo à medida que se aproximava a hora do espectáculo. Mesmo assim, os mais baratos tinham um preço exorbitante para os padrões portugueses.

Mas, bem vistas as coisas, em que outro local senão Nova Iorque se poderiam ver tantas estrelas juntas? Nem todas cantaram, claro. John McEnroe, o herói americano do ténis, subiu ao palco para fazer uma pequena rábula a si próprio e ao seu proverbial temperamento egocêntrico. “Quando as pessoas pensam em Nova Iorque pensam em quem? Em John McEnroe, claro. E quando eu penso em Nova Iorque penso em quem? Em John McEnroe, claro.”

Bruce Willis também não cantou, claro. Veio prestar homenagem a Tony Bennett enquanto cidadão empenhado no financiamento das escolas públicas para as quais tem recolhido fundos incansavelmente. Falou do impacto extraordinário que a sua acção tem tido e nos sucessos obtidos. Os jovens de uma delas, Frank Sinatra de seu nome, exultaram ruidosamente quando Bruce Willis deu o exemplo da sua escola. Um “orgulho e uma sorte” para o actor trabalhar com o nonagenário preocupado com o futuro dos jovens.

Winton Marsalis também não cantou, claro, nem tocou o seu trompete como só ele sabe fazer depois da morte de Miles Davis. Mas falou do Tony Bennett cidadão empenhado e activo quando era difícil e arriscado sê-lo. Falou do Tony Bennett que lutou ao lado dos negros pelos direitos cívicos nos anos 1960.

“Quando o dr. Martin Luther King pediu a Harry Belafonte que mobilizasse artistas para apoiar a luta pelos direitos cívicos, a primeira pessoa a quem Belafonte telefonou foi ao Tony”, contou Marsalis, que há muitos anos é o director da programação de jazz do Lincoln Center, o centro cultural mais prestigiado de Nova Iorque.

“Ele esteve nas marchas de Selma, no Alabama, ao lado dos negros que lutavam pelos seus direitos. E a certa altura foi transportado num carro de uma mulher que poucas horas depois foi assassinada pelo Ku Klux Klan”, narrou, para elogiar a coragem de Bennett ao arriscar ser boicotado pelos produtores musicais e outros responsáveis do show-bizz que lhe garantiam contratos.

Alec Baldwin também não cantou, claro. Foi uma espécie de mestre de cerimónias, que apareceu com uma cabeleira a imitar Tony Bennett e fez alguns “gags”, incluindo um diálogo com o próprio homenageado.

Quem cantou, e de forma empolgante, foi Kevin Spacey, que não é só actor e muito menos é só o presidente Frank Underwood de “House of Cards”. Mas foi assim que o apresentaram e ele aproveitou para, na qualidade de um “fingido comandante-em-chefe”, exprimir a sua admiração pelo “mestre” que ali vinha homenagear.

Andrea Bocelli cantou a “Avé Maria” de Schubert acompanhado por um coro lindíssimo de crianças negras, enquanto Diana Krall, K. D. Lang, Michael Bublé e Rufus Wainwright cantaram um tema cada de forma sóbria. O “show off” ficou a cargo de Stevie Wonder e sobretudo de Lady Gaga, que surgiu duas vezes em palco e resolveu alcandorar-se a vedeta da noite.

Desdobrou-se em elogios a Tony Bennett, que considerou sua família, agradeceu-lhe repetidamente os incentivos para prosseguir a carreira e até o fez a meio de uma interpretação da célebre “La vie en rose” de Edith Piaf. Uma “overperformance” que teve a seu crédito os vestidos sensuais e um francês sem “accent”.

Após esta chuva de estrelas, subiu ao palco o nonagenário que todos queriam escutar. E não se fez rogado. Começou por fazer prova do seu optimismo existencial com o célebre “The best is yet to come”, cantou mais dois ou três “standards” com a voz ainda forte e o estilo inconfundível, e no último dispensou mesmo o microfone para se fazer acompanhar apenas de um guitarrista que tocou com grande subtileza.

No balcão, tão longe do palco quanto a carteira permitiu, a voz de Tony Bennett ainda chegava. Com dificuldade, mas chegava. A apoteose veio depois, com todas as estrelas que o homenagearam a subir ao palco para cantar os parabéns em duas versões – na tradicional e numa outra mais ritmada imposta pelo piano de Stevie Wonder.

Os milhares de pessoas que encheram o Radio City Hall fizeram coro com o palco e, como alguém comentou, talvez Tony Bennett tenha ganhado fôlego para outros 90 anos. Foi bonita a festa, pá!, diria o Chico Buarque se lá estivesse.

A NBC filmou o espectáculo. A transmissão será em Dezembro num ecrã perto de si. Where else?

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