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Bispo das Forças Armadas defende manutenção da força de paz no Kosovo

30 ago, 2016 - 22:07 • Ângela Roque

D. Manuel Linda visitou os militares portugueses naquele país dos Balcãs. Do que viu e ouviu, diz que no Kosovo todos receiam o fim da missão de paz, porque as divisões subsistem.

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O Kosovo continua demasiado instável para se pensar na retirada da força internacional de paz que a ONU. É o que defende o bispo das Forças Armadas, que acaba de regressar da região.

Foi a primeira visita que D. Manuel Linda fez a uma missão militar no exterior e o balanço não podia ser mais positivo.

Em entrevista à Renascença, diz que gostou de estar com os 190 militares que ali estão destacados. Homens e mulheres, muitos com uma fé convicta, a quem todos tecem elogios, e que encontrou muito empenhados no que ali fazem.

Do que viu e ouviu diz que no Kosovo todos receiam o fim da missão de paz, porque as divisões subsistem. Aconselha por isso prudência na hora de decidir se o contingente é, ou não, para manter. O relatório da visita seguirá em breve para as chefias militares.

Visitou, pela primeira vez, militares portugueses destacados no estrangeiro. Como correu a visita?

Foi muito positiva, porque permitiu-me um contacto com os homens e mulheres do contingente português, que são mais do que imaginava. São 190, porque alguns militares também estão no quartel-general da KFOR. Do ponto de vista humano foi muito enriquecedor, porque contactei com uma realidade que desconhecia, e deu-me pretexto para eu interligar vários fios de conhecimento, e até dimensão histórica, que de facto só com um contacto local é que se consegue fazer. Do ponto de vista humano, relacional, e do ponto de vista pastoral, foi uma óptima oportunidade para estar com estes militares, portugueses e não só, que aspiram à paz e também têm, muitos deles, valores religiosos.

Esta é uma missão de paz. Com que espírito é que encontrou os militares portugueses?

Muito animados, cumpridores escrupulosos da sua missão, com muita humanidade naquilo que fazem. Isso foi-me ressaltado continuamente nas duas vezes em que me encontrei com o comandante general da KFOR, italiano, e que não se poupou em elogios. Disse-me o melhor que se podia dizer dos militares portugueses.

Esta missão está a terminar, vai ser substituída. No terreno como estão as coisas?

Esta missão vai continuar durante mais dois meses, depois há outra força que já está em aprontamento, que é a do Regimento de Infantaria nº 13 de Vila Real, partirá para substituir esta. E eu imagino que não seja a última. Lá correm rumores de que, passados tantos anos da guerra dos Balcãs, já há tempo suficiente para as estruturas funcionarem. Mas, se é certo que os outros países nascidos da antiga Jugoslávia já caminham pelos seus próprios pés, têm instituições, polícia, exército, um parlamento, um governo, tudo isso, o Kosovo não tem.

Portanto, se as forças de manutenção de paz que lá estão se retirarem, pode tudo voltar outra vez a uma situação de instabilidade. Eu acho que os governos que lá têm os seus militares - são 24 -, devem repensar muito esta situação, e se têm direito moral a, neste momento crucial, se retirarem quando o Kosovo muito necessita deles.

Manifestaram-lhe esse receio nos contactos que fez?

Contactei com muita gente. Tanto o comandante da KFOR como outros militares e responsáveis de outros sectores, inclusivamente religiosos, todos me manifestaram a necessidade de, em primeiro lugar, a ONU decidir de forma definitiva o que é que pretende com aquele território, respeitando a vontade das pessoas. Porque há três situações em jogo – uns são adeptos da integração na Albânia, outros, menos ao que sei, defendem a integração na Sérvia, e outros querem a independência. Ora, estas três sensibilidades têm de ser trabalhadas, tem de se investir numa cultura e formação que leve o povo a saber dialogar e depois a escolher aquilo que pretende para o seu futuro.

Enquanto isso não estiver feito, e não está, as Forças Armadas de Portugal e de outros países não podem, moralmente falando, abandonar aquela gente à sua sorte. De resto há outros dados que podem ser preocupantes. O Kosovo hoje pode ser uma porta de entrada para ideias e fundamentalismos de muita ordem. Dou este dado que me foi lá referido: das quase 9 mil organizações não-governamentais existentes no Kosovo apenas 400 são de origem kosovar. As outras foram formadas e são financiadas por gente do exterior. Isto pode querer dizer muita coisa, pode querer dizer que podemos ter instabilidade aqui (e desculpe a expressão), nas ‘nossas barbas’.

Portanto, em termos de estabilidade encontrou tudo muito frágil…

A sociedade habituou-se a conviver com os militares, apreciam os militares porque sabem que eles lhes concedem segurança. Só que a sociedade tem de ter um parlamento, um governo, instituições credíveis, tribunais. E se optarem pela soberania têm de ter garantias, um exército, polícia e leis que depois se apliquem de forma colectiva. Ora, este processo está ainda demasiado embrionário. Chamou-me a atenção, por exemplo, que raramente se encontra uma bandeira kosovar. As bandeiras que se encontram em dois terços do território são as bandeiras da Albânia. Em Pristina, no fundo de uma grande avenida, dedicada a Madre Teresa de Calcutá, flutua a bandeira da Albânia, não a kosovar. Isso diz muito.

Do ponto de vista religioso como estão as coisas?

A sociedade é maioritariamente muçulmana, diria que existe um islamismo quase cultural, uma vez que a prática não me pareceu muito elevada. Os cristãos são minoritários, há 6 ou 7% de ortodoxos e à volta de 3% de católicos. Os católicos gozam de boa fama, são muito respeitados e bem integrados na sociedade, porque nunca estiveram ligados ao anterior regime. Pelo contrário, como o sistema de patriarcados dos ortodoxos funciona com determinadas ligações, e neste caso concreto estão na quase totalidade ligados ao patriarcado da Sérvia, e ainda há toda aquela carga histórica do Milosevic, que era sérvio, e da imposição da perspectiva sérvia, hoje a Igreja ortodoxa está com imensas dificuldades. Em alguns locais tem inclusivamente de ter segurança garantida, 24 sobre 24 horas, pelos militares que lá estão.

O balanço desta sua primeira visita pastoral a uma missão internacional é positivo? Gostou de ter feito esta visita?

Sim, por todos os motivos. As nossas forças armadas são constituídas por homens e mulheres que de facto têm fé. Muitas vezes uma fé meramente implícita, mas outras vezes absolutamente estruturante, que não é uma fé envergonhada. Celebrar em conjunto esta fé, numa missão no exterior, parece que se solidificam mais estes laços que nos unem mutuamente. Por outro lado pretendi, e disse-o desde o primeiro momento, mostrar a minha imensa admiração por aqueles que fazem este trabalho extraordinário que é manter a paz e criar as condições para o desenvolvimento da sociedade, e a minha visita foi também um tributo a essas pessoas que o fazem. Em terceiro lugar permitiu-me ter outra visão e colher informações ao mais alto nível militar, que na minha relação com as instituições aqui em Portugal, terei a preocupação de transmitir.

Tenciona transmitir estas informações a quem, ao ministro da Defesa?

Tenciono fazer um mini-relatório que enviarei às chefias militares, e depois as chefias militares verão o que acham conveniente fazer com esse documento.

Comentários
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  • Fausto
    01 set, 2016 Fátima S.A. 22:10
    Contacto com os homens!? O homem foi literalmente privado de estar com os militares! Animados!? A maioria dos homens estão cansados disto, o que não é normal devido ás invenções das chefias! Pela entrevista, não faz mesmo a mínima ideia da podridão que aqui vai! 3 dias não dão para nada...se estivesse cá 1 mês já chegava para ver as "diarreias" que chovem das chefias, para perceber que as "guerras" aqui fazem-se dentro dos campos militares!
  • Vasco
    31 ago, 2016 Santarém 22:25
    E eu a pensar que iria condenar a separação do Kosovo da Sérvia afinal enganei-me, como aquilo por lá dá uns bons ordenados sem grandes chatices compreendo a atitude.
  • Fernando Cerqueira
    31 ago, 2016 Ponte de Lima 19:57
    Mais um reformado que não fez nada por isso. Onde está o antigo farrista das forças armadas? Anda a gozar a reforma que nós pagamos
  • madrigal
    31 ago, 2016 vila real 15:59
    claro! as ajudas de custo ao estrangeiro não são de desperdiçar! Vida boa
  • Tonecas Futerres
    30 ago, 2016 Lapa - Lisboa 23:00
    Ah ...pois sim . Uns bons euros de ordenado ao fim do mês também dão MUITO JEITO . O patego paga . Não há problema ...

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