23 ago, 2016 - 15:25 • João Carlos Malta
Ponto prévio: este não é um texto sobre o que justifica “o falhanço” que muitos, como o ex-presidente do Comité Olímpico, Vicente Moura, defendem ter acontecido no Rio de Janeiro. Num documentário exibido pela SIC, sobre a preparação para os Jogos Olímpicos (JO) do atleta Nelson Évora, ele diz: "[Nas grandes competições] fisicamente somos todos muito parecidos, mentalmente é que se faz a diferença”.
Poder-se-á justificar com a falta de apoios, ou não segundo o Governo, poder-se-á dizer também que há problemas estruturais na organização do desporto em Portugal. Certamente há uma multiplicidade de factores que levaram à criação de um desajustamento entre as expectativas criadas para a competição e os resultados. Mas centremo-nos apenas na dimensão mental.
Será que a comitiva de 92 atletas que esteve no Brasil se preparou mentalmente para estes Jogos de forma conveniente? Que peso tem a preparação psicológica no rendimento dos atletas nas olimpíadas? Pode ser a diferença entre um resultado banal e um resultado para a história?
O caso do fundista Fernando Mamede é o que normalmente se destaca quando o tema são bloqueios mentais em grandes provas. Mas há outros casos. O ícone da marcha feminina portuguesa, Susana Feitor, que esteve em cinco Jogos Olímpicos (Barcelona 92, Atlanta 96, Sidney 2000, Atenas 2004 e Pequim 2008) e obteve resultados excelentes em grandes provas internacionais não tem dúvidas: ela própria não conseguiu melhores resultados nos Jogos por, muitas vezes, ter dificuldades em lidar com a pressão. Um factor que sempre secundarizou.
Susana nunca conseguiu uma prova memorável nos JO, ou seja, uma medalha. Sempre teve dificuldade em explicar as causas. “A minha inconstância nos JO talvez tivesse a ver com essa pressão que eu própria coloquei em cima de mim, porque sou uma apaixonada pelo olimpismo”, lamenta.
E depois explica melhor o porquê de as pernas não responderem à cabeça. “Eu queria muito ter um ‘resultadão’, ou repetir a classificação dos mundiais em que cheguei a ser medalha de bronze, 4ª, 5ª. Em Pequim, colapsei no meio da prova entre os 11 e os 15 quilómetros. O corpo deixou de responder e caí para o chão”, lembra. “Se calhar tem a ver com o meu treino mental que não seria o melhor. Nos Jogos bloqueava por alguma razão.”
Não perceber porquê
O psicólogo desportivo, que trabalhou com muitos dos atletas que estiveram no Brasil, Jorge Silvério, revela que casos como o de Susana Feitor repetem-se em cada uma das edições. Silvério garante que no Rio de Janeiro não foi excepção. Sentiu-o do lado de cá do Atlântico.
“Ouvindo as declarações dos nossos atletas percebemos isso. Há atletas que disseram que as coisas correram mal e não percebiam porquê”, recorda.
O psicólogo diz que os treinadores e os atletas reconhecem a importância do treino mental, mas que muitas vezes há preconceitos que travam um aprofundar desta dimensão da preparação.
“O atleta de alto rendimento prepara-se do ponto de vista físico, técnico, táctico e mental. Se desvaloriza um deles está a perder em relação aos outros. Temos de acabar com as ideias de que só se vai ao psicólogo quando temos um problema. Nestes casos é quase o oposto”, enfatiza Silvério.
Carlos Cruchinho, treinador do nadador Alexis Santos (que obteve a segunda melhor classificação de sempre da natação portuguesa em olimpíadas com um 12.º lugar nos 200 metros estilos), começa por dizer “que o treino mental é quase tão importante como a dimensão física.” Depois completa: “Em determinadas alturas até mais importante. Pode ser o que faz a diferença entre a superação e o resultado normal”.
No entanto, confessa, o nadador que dirige, apesar de ter à disposição um elemento da equipa que o acompanha e trabalha a área mental, “recorreu pouco” a ele. "O Alexis já tem umas características mentais muito fortes. Há capacidades inatas mentais, tais como as físicas, que devem ser trabalhadas em paralelo com o treino. Estes atletas mais dotados são diferentes."
Cruchinho aponta noutra direcção para justificar o fosso entre os nadadores lusos e os outros. “O que faz mais falta em Portugal, na natação, é a competitividade. É isso que ajuda a fortalecer a parte mental. Em Portugal há atletas que não têm adversários”, explica.
Há os "meetings", há os campeonatos da Europa e os campeonatos do mundo, mas muitas vezes não chega para que quando se compete a nível internacional o tamanho dos adversários não cresça de forma desmesurada na cabeça dos atletas portugueses.
“É muito habitual isso acontecer”, reconhece Susana Feitor. “Quando olhamos para os outros percebemos que há outro tipo de apoio que não temos em Portugal.”
O que fazer quando tudo é negro?
Susana percebe agora que se tivesse alguém a ajudá-la a controlar os pensamentos negativos, que sempre surgiram depois das lesões que teve ao longo da carreira, que continua depois de ultrapassar os 40 anos, “de certeza que poderia tê-los controlado” e evitar que depois estes se “manifestem no corpo.”
Jorge Silvério explica que há áreas que os atletas olímpicos deviam trabalhar ao longo do ciclo de quatro anos de cada olimpíada. Há que preparar os desportistas para lidar com os jornalistas, com as redes sociais e com a pressão das pessoas conhecidas e que sempre perguntam: “Vais trazer uma medalha?”.
Há também que perceber como se estabelecem objectivos e como se comunicam. “Não faz sentido ser trigésimo do ranking mundial e esperar-se um grande resultado”, exemplifica.
Silvério dá ainda outros exemplos de áreas de trabalho para um psicólogo desportivo. Deve desenvolver estratégias em provas por eliminatórias para não ficar demasiado eufórico com uma vitória, nem deprimir com uma derrota na ronda inicial. Sobretudo, é preciso saber “relaxar e eliminar a ansiedade ou, pelo menos, poder controlá-la.”
Susana Feitor termina a dizer que vivenciou imensos casos de bloqueio de colegas olímpicos. Isso leva-a a concluir que a parte mental é fundamental.
“A nível internacional, os atletas fisicamente são muito iguais. Depois entra em equação a forma como gerem as emoções ou a pressão da comunicação social dos seus países”, adianta, para concluir que no caso dela ter dado ênfase a essa dimensão “poderia ter ajudado a potenciar os resultados menos conseguidos”.