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Investigador diz que ensino superior é “selectivo” e “discriminatório”

28 jul, 2016 - 11:39

Estudo revela que os casos mais flagrantes acontecem nos cursos de medicina e arquitectura. O especialista defende que a selecção dos alunos deveria ser feita com base não apenas em exames, mas também em entrevistas e exames psicotécnicos.

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O sistema de ensino superior português é "altamente selectivo" e "discriminatório", afirmou um investigador da Universidade de Coimbra, considerando que se deve abandonar o uso exclusivo de numerus clausus, que favorece os alunos das "classes mais altas".

O sistema de ensino superior português foi criado numa lógica de "massificação e democratização sem igualdade", registando-se uma "sub-representação" das classes mais baixas da sociedade que resulta, em parte, da utilização do numerus clausus como mecanismo único "de selecção", disse à agência Lusa um dos coordenadores do livro "Sucesso e abandono no ensino superior em Portugal" José Manuel Mendes.

O livro, que se centra num projecto de investigação financiado pelo Ministério do Ensino Superior e que decorreu entre 2008 e 2010, identifica uma falta de representação da sociedade portuguesa no ensino superior, sendo que cerca de 46% dos alunos são filhos de profissionais liberais (profissões exercidas no público ou no privado que exigem qualificações superiores, com alguma autonomia e capacidade de supervisão).

No entanto, "estes apenas representam 28% da população trabalhadora", constatou, referindo que os filhos de operários constituem 15% a 20% do universo do superior, quando esta classe representa "cerca de 30%" de todos os trabalhadores em Portugal.

Os resultados foram identificados no estudo, que teve como amostra alguns cursos da Universidade Técnica de Lisboa, do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE) e da Universidade de Coimbra.

De acordo com José Manuel Mendes, em cursos de medicina ou de arquitectura a sub-representação é ainda mais gritante, em que "não há praticamente filhos da classe operária", apresentando-se como "licenciaturas ultra-seletivas".

Mudar o sistema de selecção de alunos

Apesar de a entrada estar definida com base no número de vagas, isso acaba por afectar os alunos das classes mais baixas, que têm "menos condições" para alcançar notas elevadas (como por exemplo uma maior dificuldade de acesso a explicações), acentuadas por um sistema de ensino obrigatório que também é feito "para as classes mais altas", enfatizou o investigador.

Segundo José Manuel Mendes, a selecção dos alunos deveria ser feita com base não apenas em exames, mas também em entrevistas e exames psicotécnicos, "como se faz noutros países", de forma a tentar garantir uma "melhor representação da sociedade" no universo de estudantes que frequenta o ensino superior.

A investigação que deu lugar ao livro lançado recentemente conclui que "o sucesso no ensino superior não está relacionado nem com o sexo nem com a classe social", mas com a "forma como os estudantes se percepcionam e se inserem no sistema de ensino", nomeadamente a preparação, motivação e estratégias pedagógicas que definem, afirmou.

Já o abandono no ensino superior é influenciado pelo efeito de classe, com o contexto económico de cada aluno a aumentar a probabilidade de este abandonar ou não o curso.

"Se a questão das bolsas não afecta as elites, já para os bons alunos de classes mais baixas, se são confrontados com a diminuição da acção social, podem ser afectados", constatou, sublinhando que, no caso português, se o aluno tem uma bolsa é "praticamente garantido o sucesso", mas se "não tem, vai trabalhar" e isso poderá aumentar as probabilidades de abandonar o ensino superior, enfatizou.

O livro que analisa o sucesso e abandono no ensino superior português foi publicado pela Almedina.

Comentários
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  • CAMINHANTE
    28 jul, 2016 LISBOA 15:52
    O título da notícia, é em si mesmo uma redundância de evidência - qualquer ensino superior será sempre selectivo e discriminatório, por definição. Serão sempre apenas alguns os que entrarão e sobretudo terminarão este ou aquele curso / formação superior ( Universitário). A questão que se deve analisar é o acesso a ensino superior, não o facto dele ser selectivo e discriminatório. E, quer queiram quer não, haverá sempre quem tem aptidão para determinadas áreas ou tarefas, em discriminação selectiva de outros que não apresentam tais aptidões. Tal como uns são altos, outros baixos, uns louros, outros morenos, uns belos, outros nem por isso... é a existência multifacetada da vida.
  • Maria Sousa
    28 jul, 2016 Lisboa 15:37
    "Apesar de a entrada estar definida com base no número de vagas, isso acaba por afectar os alunos das classes mais baixas, que têm "menos condições" para alcançar notas elevadas (como por exemplo uma maior dificuldade de acesso a explicações)" - Ora bem, se é essa uma das razões apontadas - dificuldade de acesso a explicações - os alunos de mais baixas condições, na qual me incluo, só têm de fazer uma coisa, é começar a preparar o seu acesso à Universidade não no 12º Ano, mas sim muito mais cedo, para aí no 7º Ano, para não dizer no 5º. Se a vida não nos proporciona meios económicos temos de arranjar outras formas. Não me revejo neste estudo, nem pouco mais ou menos, pois por experiência própria, no caso, uma filha minha, só posso dizer que ela entrou na Faculdade de Arquitectura de Lisboa, com uma média de acesso de 18,6 valores, depois de ter feito um dos exames nacionais, o de Geometria Descritiva, com 20 valores, o qual, juntamente com outra disciplina, eram exames de acesso à Universidade e foram feitos quando ela estava no 11º Ano, sendo que o 12º Ano dela apenas serviu para fazer média nas notas. Quero dizer com tudo isto, que não é preciso explicações, é preciso é dedicação dos alunos e dos pais, pois muitas vezes deixámos de sair para ela poder estudar, quer sejam eles de classes altas ou baixas.
  • António Marques
    28 jul, 2016 Setúbal 15:29
    E quem garante a isenção das entrevistas e a confidencialidade dos testes? Decerto serão os que estão no sistema, que uma vez mais escolheriam os filhos dos poderosos dos amigos e dos conhecidos. Não, em portugal não. Tudo ficaria ainda pior. A solução será a igualdade de oportunidades e essas só se conseguem quando se pagarem ordenados decentes aos pais e o ensino melhor substancialmente a ponto de não serem necessárias explicações para os alunos aprenderem o que não aprendem na escola. Nos colégios das elites isso é conseguido, porque não também no público?
  • fr
    28 jul, 2016 Portugal 14:56
    Agradecia antes de mais nada que Renascensa não censure este comentário: Acontece que os filhos de quem tem mais posses arranjam sempre emprego, seja por contactos familiares, amigos, ou a própria empresa dos pais, assim os institutos e universidades podem aproveitar-se que esse formandos não vão para o desemprego e vão rapidamente para o mercado de trabalho. O que acontece na verdade é que a grande maioria dos cursos superiores são uma completa perda de tempo e os empregadores não se interessam por habilitações, mas por experiência. Na verdade os cursos superiores prejudicam os mais pobres que ficam com um canudo que não vale nada e perderam anos em que poderiam estar a ganhar experiência e dinheiro ao contrário dos filhos de mais ricos, que tanto faz, com ou sem canudo jamais ficariam mal. Quem se aproveita de isto tudo é o sistema de ensino que faz publicidade enganosa e não dão futuro a quase ninguém neste país. Aos jovens e pobres, incluindo eu, digo: tirem um curso técnico e idem trabalhar mal acabem o 12º ano, toda a gente vos está a mentir, o ensino superior está desactual. A internet tem tudo o que precisam para aprender, e as empresas não querem saber das vossas habilitações. Ainda hoje fui rejeitado para uma oferta de emprego. Tenho as habilitações, mas não tenho experiência, logo não querem, mas se fosse experiência e 9º ano já era na boa. Amigos. Um experiente com o 9º ano arranja emprego mais rápido que um com mestrado sem experiência. ESTA É A REALIDADE.
  • Hugo
    28 jul, 2016 Montemor o Velho 14:45
    O ensino superior é “selectivo” e “discriminatório”...e "elitista", mas a sociedade portuguesa não é "selectiva" e "discriminatória" em relação aos mais desfavorecidos? Mas o estudo devia ser feito à séculos, porque só entrava nas universidades, os filhos da classe mais rica, não era? Olhe sr. Petervlg deve ser um sr. que sempre teve tudo e não teve dificuldades de vencer na vida?
  • Petervlg
    28 jul, 2016 Trofa 13:54
    Agora querem meter cunhas nos cursos, não mexam, onde as coisas correm bem

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