Emissão Renascença | Ouvir Online
A+ / A-

António Vitorino. "É impossível perseguir todos os delinquentes alvo do jihadismo"

22 jul, 2016 - 19:51 • José Pedro Frazão

No debate de temas europeus da Renascença, Santana Lopes conclui que o atacante de Nice tinha "sangue inexistente".

A+ / A-
António Vitorino. "É impossível perseguir todos os delinquentes alvo do jihadismo"
António Vitorino. "É impossível perseguir todos os delinquentes alvo do jihadismo"

As circunstâncias, as motivações e os métodos do autor do ataque de Nice, que fez 84 mortos, estão ainda por determinar, mas o antigo comissário europeu António Vitorino não tem dúvidas: é impossível detectar todos os perfis de pessoas com perturbações psicopatas que possam ser enquadradas pelo jihadismo.

"No caso do terrorismo algumas práticas podem indiciar envolvimento com grupos terroristas, como a frequência de mesquitas radicais ou certo tipo de ligações pessoais. Neste caso, o assassino não estava referenciado como tendo tido uma ligação jihadista, mas apenas como delinquente de crime comum e violento. Mas quantos delinquentes de crime comum e violento existem em França? É credível que a polícia possa perseguir e acompanhar milhares de potenciais criminosos e violentos como um campo de paste fértil para o jihadismo? Não é, há que reconhecer", refere António Vitorino no programa "Fora da Caixa" da Renascença.

No caso do ataque de Nice, acrescenta Vitorino, confluem "uma personalidade profundamente perturbada, um psicopata e uma ideologia violenta, uma narrativa violenta do jihadismo que dá um enquadramento e um incentivo a um acto puramente de assassínio em massa. Um acto criminoso. Esse perfil é impossível de detectar, não tenhamos ilusões".

Falhas de segurança

O antigo ministro da Defesa considera que as comemorações da Festa Nacional de França constituem um evento "aparentemente menos apelativo para um atentado" do que um campeonato da Europa. No entanto, a segurança falhou em Nice, reconhece Vitorino.

"A segurança não funcionou porque o camião conseguiu penetrar na Promenade des Anglais, passando por uma barreira de segurança. Mas numa sociedade aberta eventos deste género existem muitos. O atentado de Bataclan [em Paris], por exemplo, é um conjunto de 700 pessoas que se estão a divertir à noite numa sala. É possível fazer a segurança disso?", questiona Vitorino.

No debate de temas europeus e internacionais da Renascença, Santana Lopes considera estranha uma actuação "a solo" do atacante de Nice.

"Aquilo nem é sangue frio. É um sangue inexistente. A capacidade para ir de camioneta para cima de não sei quantas pessoas, adultos e crianças… É tudo tão extravagante em termos de humanidade", confessa o antigo primeiro-ministro.

As razões do ataque

Santana Lopes não vislumbra uma causa provável para o ataque de Nice. "A não ser as posições de França na guerra da Síria, não vejo nenhuma causa. Não posso dizer que França tenha cometido um pecado aos olhos destas pessoas que justifique directamente esta tétrica escolha”, diz.

António Vitorino reconhece que há um caldo de cultura – "uma panela que está já a ferver" – que pode abrir caminhos a atentados como este, que acabam por acicatar ainda mais o conflito.

"Existe algum tipo de estigmatização das minorias muçulmanas. Por exemplo, a taxa de desemprego entre muçulmanos é quase três vezes superior à taxa de desemprego entre os franceses. Há queixas recorrentes de estigmatização de comunidades muçulmanas no acesso ao mercado de trabalho. Os currículos de pessoas que preenchem Mohamed ou Abdullah nem sequer são considerados para efeitos de candidatura a um emprego por preconceito em relação aos muçulmanos", exemplifica Vitorino.

Quanto à reivindicação pelo autodenominado Estado Islâmico, Vitorino reconhece que o grupo terrorista está numa posição confortável. "Quando acontece, reinvindicamos. Estejamos ou não na origem", diz o comentador da Renascença, ressalvando que as autoridades francesas não encontraram ainda uma ligação directa entre o assassino de Nice e qualquer organização jihadista.

"Há uma coisa que não se pode negar. A retórica do Estado Islâmico alimenta este tipo de atentados. Não digo que tenha sido uma decisão central, tomada em Ramadi [no Iraque] ou noutra cidade do Estado Islâmico, que tenha dito a este senhor Buhlel para fazer um atentado. Agora, a lógica e o raciocínio que está por detrás deste tipo de atentados é alimentada pelo Estado Islâmico. E depois a reivindicação aparece como natural.”

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

  • Johnas
    23 jul, 2016 Winterfell 03:11
    E então agora que deixaram entrar muitos deles na Europa como refugiados, sem saberem quem eles são, e ainda querem deixar entrar mais, é que é mesmo impossível.

Destaques V+