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​União Europeia: Afinal, o que está a falhar? Franz Timmermans responde

02 jun, 2016 - 23:38

A desconfiança da Turquia, o futuro de Schengen e como recuperar a confiança perdida são alguns dos assuntos abordados pelo vice-presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans.

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Big Crunch - Franz Timmermans na Euranet (02/06/2016)

É cada vez maior o número de cidadãos desencantados com o projecto europeu. De tal forma, que até o mapa político dos 28 Estados-membros tem estado a mudar de cor devido ao crescimento de partidos eurocépticos ou até mesmo anti-UE. Em entrevista à Euranet, o vice-presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans, tenta dar resposta às questões que mais afligem os europeus: refugiados, liberdade de circulação e economia.

Frans Timmermans entende o desencanto dos europeus com a União Europeia, mas explica-o com o facto de estarmos agora “no final de um período de 8 anos de profunda crise económica, seguida de uma crise de segurança e outra de imigração”. O vice-presidente da Comissão Europeia afirma que a conjugação destas três crises “afectou profundamente a Europa e a reacção a isto nem sempre foi a de nos unirmos como europeus e muitas vezes procurámos soluções nacionais que, em geral, não funcionam”.

Para Timmermans, “no centro de todo este problema está saber se as classes médias na Europa ainda se sentem optimistas quanto ao futuro. Estamos a falar de empregos, de oportunidades, do futuro dos filhos, da educação, de bons cuidados de saúde e acho que os outros problemas, embora possam ser graves, podiam ser aliviados ou até resolvidos, se conseguíssemos voltar a ter uma visão optimista do futuro”.

O problema é também interno, diz o nº2 de Juncker: “o que a União Europeia tem estado a fazer é prometer mais do que pode dar. E isso resultou em desilusão por parte das pessoas. E o que é curioso é que prometemos mais do que damos e, para compensar, fazemos promessas ainda maiores. Eu acho que precisamos de uma Europa mais modesta, mais orientada para as soluções, é preciso resolver os pequenos problemas e, assim, nunca chegarão a ser grandes problemas. E parar de prometer em demasia. Temos de ser modestos no que podemos fazer”. Ainda assim, nota o comissário, “apesar de as pessoas estarem zangadas porque a Europa não lida bem com alguns assuntos, a maioria dos cidadãos ainda acredita que é preciso um projecto europeu e não querem acabar com ele”.

Quanto ao facto de estamos a meio de uma crise de refugiados que parece estar a afectar ainda mais a maneira de pensar das pessoas do que a crise financeira, Timmermans reconhece que a Comissão tem uma série de problemas complicados para resolver, mas defende que Bruxelas precisa de manter um equilíbrio entre o projecto europeu e o facto de ter uma série de responsabilidades históricas. Ainda assim, diz, tem conseguido: “Temos de ter certeza que impedimos que as pessoas se afoguem e que garantimos protecção para as pessoas que fogem dos seus países em guerra. Por isso sinto que temos de continuar o nosso trabalho”.

A desconfiança da Turquia

O vice-presidente da Comissão perceber perfeitamente as desconfianças que haja em torno do acordo entre a união Europeia e a Turquia, “porque não nos sentimos confortáveis ao fazer isto com um país vizinho que, internamente, tem muito para progredir em termos de direitos humanos e do cumprimento das leis”. Mas acha “inevitável”, até porque pergunta sempre às pessoas que criticam o acordo como é que poderiam acabar com estes naufrágios em que morre tanta gente, como é que se impede que a Grécia se transforme num campo de refugiados gigante, com centenas de milhares de pessoas, sem que se passe por um acordo com a Turquia… “e ninguém me dá resposta a esta pergunta”.

“É óbvio que a única solução não pode passar pela Turquia”, afirma, mas ressalva que “basta ver como melhorou a situação na Grécia nos últimos dois meses”, com bons resultados: “Costumávamos ter uma média de 3 mil migrantes a atravessar todos os dias o mar Egeu. Pessoas a afogar-se todos os dias no Mar Egeu. E agora temos uma média diária de 50 refugiados e menos pessoas a afogar-se. Não podemos desvalorizar estes avanços e que só foram possíveis graças à Grécia e à Turquia. E vamos trabalhar nesta base”.

De resto, acrescenta mesmo que “se isto for um sucesso, pode servir de modelo para outros acordos com outros países, por exemplo no sul do Mediterrâneo, onde enfrentamos outros desafios. Este fenómeno é um desafio. Acho que precisamos de políticas de longo prazo para devolver aos países de origem as pessoas que não são refugiados de guerra, mas imigrantes económicos. E, para isso, temos de trabalhar com estes países, dando-lhes incentivos, criando oportunidades de investimento e apostando noutras áreas”.

Timmermans revela que a Comissão vai divulgar ideias baseadas no que foi proposto por Itália e por Matteo Renzi. Um projecto a divulgar na próxima semana: “E acho que podemos vir a ter uma solução de longo prazo para este problema. Por isso, não vamos ser pessimistas. Acho que isto pode ser resolvido. Vai ser difícil. Vai ser demorado. Mas podemos fazê-lo”.

O que falhou na crise dos refugiados?

O motivo pelo qual a UE falhou na política para os refugiados foi a consequência de não ter sido mostrada solidariedade durante muitos anos para com países como a Itália e a Grécia, que recebiam milhares de refugiados. Por isso, defende, “a única solução sustentável, se um país for invadido por refugiados, e ficar a braços com muito mais gente do que é equilibrado, é haver um sistema de distribuição para que possamos partilhar responsabilidades através da União Europeia. E não deve haver Estados-membros excluídos desta solução. Nem vejo razões para tal acontecer”.

Bruxelas deixa, no entanto, um aviso a propósito da distribuição dos refugiados: essa terá de ser feita pela UE e não por quem procura asilo: “Deixe-me ser claro quanto a isto, alguém que pede protecção internacional porque fugiu da guerra ou é perseguido, deve ter direito à protecção. Mas não deve ter o direito de escolher o país que o vai acolher. E se procura protecção internacional na União Europeia, não deve poder escolher onde encontrar essa protecção. É um princípio que devia ser seguido”.

Em alturas de crise como a que atravessamos, este alto responsável da Comissão não tem dúvidas: há tendência para se entrar numa espiral em que todos perdem. “A solidariedade (entre Estados-membros) deveria estar bem presente, porque, se pusermos em causa o princípio da solidariedade de cada vez que um parceiro está em apuros, aquele que em tempos precisou de solidariedade e não teve não vai - numa situação futura - ajudar quem não o ajudou”. Se formos por esse caminho, avisa, “então toda a ideia de uma Europa unida ficará enfraquecida de uma forma grave”.

Que futuro para Schengen?

Questionado sobre o facto de não ter havido uma reacção adversa por parte dos europeus quando se soube que alguns países tinham restabelecido os controlos fronteiriços e se não será um sinal de que a liberdade de movimentos, que é apresentada como um pilar da integração europeia, não é visto como essencial, Timmermans diz discordar.

“Se o Acordo de Schengen deixasse de existir, os efeitos económicos seriam enormes e cada cidadão europeu iria sentir os efeitos económicos ao viajar, ou simplesmente ao ver os preços todos a subir. Por isso temos de evitá-lo”. Se bem que haja casos de excepção como o que vivemos: “Temporariamente, durante uma crise de refugiados, os Estados-membros têm todo o direito de impor controlos fronteiriços. Mas o que temos de fazer agora é assegurar-nos que as fronteiras externas estão muito mais protegidas e que as pessoas que aí chegam são logo registadas, identificadas, e então podemos voltar a acabar com os controlos nas fronteiras internas. Se fizermos o que a Comissão propôs, no final do ano já não será preciso ter controlos fronteiriços internos. E é esse o nosso objectivo.

“Brexit” pode (mas não deve) ser influenciado pelo medo dos estrangeiros Olhando para a possibilidade de uma saída britânica, pergunta-se ao vice-presidente da Comissão Europeia se não o preocupa o facto de o tema da imigração ter ofuscado todos os outros problemas da Europa na campanha para o referendo deste mês. Frans Timmermans diz que não. Até porque “historicamente, o Reino Unido sempre esteve aberto ao resto do mundo, não só para a Europa. E se olhar para o sucesso nas artes, na ciência, na economia, vê pessoas de todo o mundo a ter sucesso pessoal, mas também a trazer mais valor para a sociedade britânica e para a sua economia. Por isso acredito que os britânicos podiam ser um exemplo para muitos outros países onde, se calhar, não têm experiência com a diversidade e têm medo dela. Mas podiam ver a riqueza que se traz para a sociedade quando existe essa diversidade”.

Resta saber, então, se os britânicos (como a maioria dos europeus) sabem, ao certo, qual é o papel da União Europeia… e Timmermans responde de forma desconcertante: Acho que os políticos deviam parar de fazer aquilo que fazem há décadas: tudo o que é bem feito é porque o seu país fez e tudo o que corre mal é culpa da União Europeia. Se continuarem a dizer isto às populações durante anos e anos – e isto tem sido feito durante décadas em todos os Estados-membros – não podemos esperar que a população tenha uma imagem muito positiva da União Europeia. Por isso acho que muito vai depender da boa vontade dos políticos nacionais para que sejam mais honestos quanto ao que foi conseguido com a ajuda dos políticos europeus. E não culparem simplesmente a União Europeia quando algo corre mal e gabarem-se de tudo o que corre bem.

Confrontado com o facto de ser um desses “políticos”, o comissário alemão não tem dúvidas: “Claro que sim. Todos somos responsáveis. Não estou só a falar para os outros, estou também a falar para mim mesmo. Há uma combinação de promessas a mais e resultados a menos (por um lado) e (por outro) de culpar a União Europeia por tudo o que corre mal. E é esta a origem do eurocepticismo e até de alguma eurofobia nalguns países.

Como recuperar a confiança perdida?

Não há fórmulas mágicas, até porque “Houve muita desconfiança por parte do Norte da Europa de que os países do Sul queriam efectivamente esforçar-se para sair do ‘buraco’. E os países do Sul acharam que os do Norte estavam só a impor receitas que beneficiavam o Norte, mas não ajudavam nada o Sul da Europa. Por isso houve muita desconfiança entre os países europeus e isso não é uma boa receita para encontrar soluções comuns. É por isso que acho que agimos de forma lenta e tardia”.

A solução tem de passar, segundo este alto responsável, por “conseguir mostrar que a receita pode estar em mais investimento”. Se mostrarmos que o desemprego está a cair, que o crescimento económico se vai fazendo sentir e que a UE está “a fazer melhor este ano do que outras regiões do mundo” talvez seja possível recuperar a esperança Se bem que “recuperar a confiança, recuperar a autoconfiança, pode levar muito tempo e as pessoas precisam de provas antes de acreditarem. Por isso, antes de as pessoas terem mais confiança no projecto vai levar o seu tempo”.

Alemães queixam-se: as regras são para cumprir ou não?

A jornalista da rádio alemã que faz parte da Euranet, Claudia Knoppke, da AMS, questionou Timmermans sobre as regras orçamentais e, muito concretamente, sobre o porquê de Portugal e Espanha estarem com dívidas altas e não sofrerem penalizações para já. Para quê impor metas se não as respeitam, pergunta. Ao que o comissário responde que não concorda que a crise seja de dívida: “É uma crise de falta de investimento, de crescimento económico, de responsabilidade fiscal. Poderíamos ter mais receita fiscal se toda a gente pagasse os seus impostos e as grandes empresas não estivessem sempre a fugir. Por isso, não podemos limitar a crise à questão da dívida. É claro que precisamos de políticas fiscais responsáveis, de menos dívida pública, de mais investimento, mas não podemos olhar somente para a questão da dívida”.

Pelas palavras de Timmermans há uma viragem na visão até agora mais ortodoxa de Bruxelas: “se olhar para a situação nos Estados-membros, as políticas que estamos a tentar implementar a partir da Comissão estão mais orientadas para o desenvolvimento das áreas sociais, fornecer cuidados de saúde, educação e criação de emprego. Acho que estamos nessa fase agora e já não estamos só a falar de dívida”.

“Não quer que o problema não exista. Nós passámos de uma média da dívida de mais ou menos 60% antes da crise e agora estamos numa média de 100% do PIB e isso quer dizer que estamos a viver à custa dos nossos filhos, se não tivermos cuidado. Temos de resolver isso, mas isso era expectável no contexto da maior crise económica desde os anos 30”, rematou.
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