04 jul, 2016 - 18:43 • Sérgio Costa
O constante clima de ameaça sobre Portugal pode afastar os portugueses dos ideais europeus, considera Mota Amaral. Em entrevista à Renascença, o ex-presidente da Assembleia da República lamenta a forma como diferentes dirigentes europeus olham para Portugal e defende que a Comissão Europeia "tem de deixar de funcionar como o polícia mau para os países mais fracos e fechar os olhos aos problemas dos países grandes".
Compreende esta troca de acusações entre os principais partidos num momento tão delicado para o país?
Parece-me que se deve manter unanimidade no que toca à questão das sanções. Na Assembleia da República já ficou expressa, conforme sublinhou o Presidente Marcelo. Não faz sentido aplicar sanções a Portugal pelo desempenho no ano 2015, que é isso que está em causa. O esforço foi feito, enorme, para melhorar as despesas e para equilibrar a execução orçamental. As ameaças de sanções não fazem sentido numa altura em que é preciso que a Europa faça causa comum para enfrentar os problemas que têm estado a apertar países como Portugal e Espanha. Isto é absolutamente inaceitável e acho que temos de manter uma atitude firme, unânime contra a aplicação de sanções por parte da Comissão Europeia.
Essa posição unânime contra a aplicação de sanções existe, o que não ocorre é um entendimento sobre quem tem essa responsabilidade. A troca de acusações políticas pode ser prejudicial para Portugal, para quem nos vê de fora?
Com toda a franqueza, acho que sim, pode ser prejudicial, na medida em que quebra uma posição firme que já havia sobre essa matéria, evocando uma questão que não está em causa, porque o que está em causa é o desempenho de 2015. Há uma pequena divergência, mínima, relativamente aos compromissos assumidos e, sobretudo, a Comissão Europeia tem de deixar de funcionar como o polícia mau para os países mais fracos e fechar os olhos aos problemas dos países grandes, conforme o próprio presidente da Comissão teve a vergonha de dizer que da França não se fala porque é a França. Diferenciar os países europeus é que está a causar a indignação dos cidadãos contra os responsáveis europeus.
Nesse sentido, perante essas declarações que recordou de Jean-Claude Juncker, quais deverão ser os argumentos de António Costa perante a Comissão Europeia, que amanhã tem uma reunião que pode ser decisiva?
Os argumentos de António Costa, tal como referido, segundo vi na sua declaração, [são que] há problemas na Europa que são problemas sérios. É sobre esses que nos devemos concentrar, em perspectiva de unidade. As ameaças permanentes que nos são feitas por entidades europeias só estão a minar a própria adesão do povo português ao projecto europeu. E se é com isso que os responsáveis europeus querem construir a Europa, por mim, como se costuma dizer, vou ali e já venho.
Estas ameaças de sanções, as recentes declarações do ministro alemão das Finanças, Wolfgang Schäuble, que já falou de um eventual resgate a Portugal e que depois corrigiu as suas declarações, falam da eventualidade de uma Europa com decisões tomadas por governos à margem da Comissão Europeia. Está em risco o próprio projecto europeu?
O próprio barómetro da opinião pública europeia nunca esteve tão baixo, no que diz respeito à adesão dos cidadãos dos países-membros ao projecto europeu. Esse tipo de procedimentos, em vez de ajudar a recuperar a confiança, está a fazer andar para trás. Concederia prudência e discernimento aos responsáveis europeus e afinal, no âmbito do Conselho Europeu, estão representados todos os chefes de governo e de Estado dos países-membros, haverá certamente quem há-de impor um pouco de siso na Comissão Europeia, que, manifestamente, está fora da linha.