01 jul, 2016 - 19:29 • Sérgio Costa
Nota-se alguma pressa dos líderes europeus em resolver, de imediato, a saída do Reino Unido. Não há aqui precipitação?
Basicamente, quer-se dar um sinal político, dizendo que, se os britânicos não querem ficar, então que rapidamente se decida a saída do Reino Unido. Até porque pelo caminho há um número considerável de britânicos a votar no Parlamento Europeu e a decidirem sobre o destino comum de povos, relativamente aos quais decidiram não pertencer, na perspectiva do projecto político da União Europeia.
Para mim, é um bocadinho insólito o senhor [Nigel] Farage e os seus companheiros de percurso decidirem sobre aquilo que afecta os portugueses, os holandeses, os franceses, os alemães, sabendo-se que já não estão de corpo e alma na União Europeia e que querem sair da União Europeia. Daí a necessidade de ser resolvido rapidamente o que vai acontecer, muito embora não dê como líquida a saída. A política é feita de factos insólitos.
Acredita que a situação poderá inverter-se?
Ponho, pelo menos, essa possibilidade. Para começar, o referendo não é vinculativo. Em segundo lugar, o “sim” à saída da União Europeia significará o colapso do próprio Reino Unido. Entre a União Europeia e o Reino Unido, os escoceses optarão pela União Europeia e, depois, poderá bem acontecer que no próximo processo eleitoral no Reino Unido e na Inglaterra a questão se volte a pôr.
Recordará como David Cameron, quando foi candidato, colocou o referendo em cima da mesa e quem votou, no Partido Conservador, sabia ou esperava que este referendo fosse acontecer. É também, por isso, possível que, por exemplo, na contenda para o Partido Conservador inglês, havendo um candidato do “Brexit” e um candidato ou uma candidata do “Remain”, possibilidade que está já em cima da mesa, o do “Remain” vá a votos dizendo que se for primeiro-ministro não concluirá o processo. E aí os britânicos que nele votem votam conscientemente pelo “Remain”, apesar do referendo. O contrário também sucederá.
É por isso que eu não dou como líquida esta saída, sendo que ela me preocupa e preocupa por razões muito relevantes também para nós portugueses.
Não é o momento de reflectir sobre o próprio projecto europeu? Não haverá aqui uma grande dose de responsabilidade das lideranças europeias, alguma desconfiança em alguns estados quando ao rumo actual do projecto europeu?
Estamos a falar da segunda economia europeia, da quinta economia mundial, de 65 milhões de consumidores. Estamos a falar de um grupo de países que são fundamentais no contrapeso de predomínio continental da França e da Alemanha.
Não é a mesma coisa uma União Europeia com Reino Unido ou sem Reino Unido, no que tem que ver com a prevalência, desde logo, da França e da Alemanha. Se a paz tem sido afirmada como o primeiro grande sucesso da União Europeia, porque depois de duas guerras que vitimaram milhões de europeus, as principais potências europeias estiveram e estão neste projecto comum, a saída do Reino Unido significará o seu maior fracasso.
No caso particular, o Reino Unido é um cliente fundamental de Portugal e no Reino Unido trabalham muitos portugueses e, portanto, eu não teria nenhuma pressa na vontade da saída do Reino Unido. Agora, que é tempo para parar e pensar? Claro que é. Mas parar e pensar não é como alguns que, tendencialmente, já argumentam na base do chavão do “mais Europa”.
O que é que é isso do “mais Europa”? É o avançar rapidamente para o federalismo. Sou europeu, mas não sou federalista. E quem, por exemplo, se insurge hoje com as declarações do senhor Schäuble, que é simplesmente um ministro de um país, sendo federalista, depois não bata muitas vezes a mão no peito se tiver o senhor Schäuble como o ministro da Europa a mandar decididamente e decisivamente no futuro de Portugal.
Como é que avalia essas declarações de Schäuble sobre um eventual novo resgate para Portugal?
Questionei um colega deputado alemão em relação a essas declarações e, de facto, o que Schäuble diz é que Portugal tem que cumprir os seus compromissos. Se não cumprir os seus compromissos, o novo resgate virá e o novo resgaste terá condições mais duras. É isto que Schäuble diz. Nenhum ministro de nenhum país está inibido de fazer comentários à realidade política da União.
Quem queira bem a Portugal, sabendo que uma declaração incendiária implicará o aumento de taxas de juro, deveria inibir-se e recusar fazer essas declarações. Independentemente disso, Schäuble fê-las. Resta saber é se as fez na interpretação que me foi dita ou não. Porque tal e qual eu interpretei, eu não vejo isso propriamente como uma ingerência, vejo uma avaliação de uma evidência. Dizer-se que, se Portugal não honrar os seus compromissos poderá ter um novo resgate, parece-me uma evidência. Com um governo que rasga todos os compromissos, reverte e bate o pé, obviamente que o caminho está à vista.
Entretanto, ao mesmo tempo, surge a ameaça de sanções. Que sinais tem encontrado em Bruxelas?
As sanções são o maior dos disparates e a principal das injustiças, desde logo, vindas de onde vêm. Um dos principais promotores das sanções, neste momento, é um comissário, Pierre Moscovici, ministro com François Hollande até 2013 e que, em 2013, quando a Comissão Europeia compeliu a França a manter o défice abaixo dos 3%, bateu o pé, sendo que na altura a Comissão Europeia cedeu e concedeu à França mais dois anos. Ou seja, nós temos neste momento, como comissário europeu da Economia, alguém que enquanto ministro das Finanças francês foi incumpridor e que, agora, recusa a Portugal o que exigiu para a França.
Entre 1999 e 2015, foram muitos os países que incumpriram nas metas estabelecidas, com a França a começar, 11 vezes. No segundo lugar estiveram com 12 incumprimentos, alguns deles autorizados, outros não, a Grécia, a Polónia, Portugal, é verdade, mas o Reino Unido teve nove, a Itália oito, a Hungria sete, a Alemanha cinco...
Essa é uma das razões que leva, por exemplo, partidos como o Bloco de Esquerda a sugerir um referendo caso haja aplicação de sanções a Portugal. Faz sentido?
Isso para mim é simplesmente a argumentação da loucura. De quem acha que pode dizer qualquer coisa, incendiando literalmente o país, a pensar nuns tantos votos de quem não tem a mínima noção do que poderá acontecer. Não há nenhum estudo que não diga, hoje, que a saída de Portugal da União Europeia não implicasse, entre outras coisas, o fim do euro necessariamente, a desvalorização radical de uma nova moeda, o escudo ou qualquer outra, o aumento das taxas de juro e o aumento da inflação, a perda trágica, para as nossas empresas, de um mercado de 500 milhões. Estaria o desemprego descontrolado e seria a bancarrota. Mas temos um partido da “geringonça” que apoia o PS no Governo e que acha normal propor sequer esse referendo.
O CDS também já foi mais eurocéptico. Já ultrapassou essas dúvidas?
Não, o CDS não é eurocéptico, o CDS é profundamente europeísta. Desde que me conheço na política que nunca fui – e menos sou desde que sou deputado europeu – federalista. Eu se fosse alemão ou francês até tenderia para ser federalista porque prevaleceria. Arriscaríamos ter Schäuble como ministro das Finanças a dizer o que se faria em Portugal.