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António Vitorino avisa: "A economia não espera dois anos para completar a saída do Reino Unido"

28 jun, 2016 - 20:35

Em dia de Conselho Europeu, em que a Europa debate a resposta à saída do Reino Unido referendada pelos britânicos, conheça as reflexões e os alertas de António Vitorino e Pedro Santana Lopes sobre os resultados da consulta popular da última quinta-feira.

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Brexit. "Economia vai exigir decisões rápidas"
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O antigo comissário europeu António Vitorino alerta para o choque entre a realidade económica e financeira e o calendário de dois anos para a saída dos britânicos na Zona Euro. Profundo conhecedor dos bastidores de Bruxelas, o comentador da Renascença avisa que o período de transição definido no Tratado de Lisboa não é compatível com as necessidades da economia britânica e dos mercados financeiros.

"A economia não vai dar tempo para estes exercícios cartesianos. Acham que a economia vai esperar dois anos para clarificar qual vai ser o futuro estatuto do Reino Unido? Quem é que vai investir no Reino Unido durante dois anos sem saber que regras se aplicam, que normas vão regular o sector financeiro ou farmacêutico?”, questiona.

“O paradoxo é que a economia via exigir decisões rápidas. Mas depois toda a gente parece tomar a eternidade à sua frente. Uma coisa não bate certo com a outra. Não se pode viver na incerteza e na insegurança durante dois anos", sustentou o antigo ministro socialista no programa "Fora da Caixa" na noite de sexta-feira.

Quatro modelos para um acordo

O jurista coloca o enfoque principal nos termos da negociação entre Londres e Bruxelas para a definição dos termos da relação futura entre o Reino Unido e a União Europeia.

"O que está previsto no artigo 50 do Tratado de Lisboa é como se desmonta a feira. Ou se desmonta a feira de uma forma desordenada, o que é fatal para todos, ou se trata de uma forma organizada, ao definir as condições para que o Reino Unido tenha acesso no futuro ao mercado europeu", anota Vitorino.

No quadro da negociação, o antigo governante socialista elenca quase uma mão cheia de opções ao dispor das partes para fechar um entendimento sobre a nova relação entre o Reino Unido e a União Europeia.

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"Pode passar pela adesão ao espaço económico europeu, acordos bilaterais semelhantes aos da Suíça, um acordo de comércio livre baseado no modelo canadiano ou então relacionar-se de acordo com as regras da Organização Mundial do Comércio. São quatro modalidades – e outras haverá – que implicam diferentes tipos de compromisso entre a União Europeia e o Reino Unido", explica Vitorino na Renascença.

Já Pedro Santana Lopes acredita que o Reino Unido vai fazer tudo para ficar tão próximo possível dos privilégios de um estado-membro da União Europeia.

"Vão fazer um qualquer contrato de associação, à boa maneira deles, pragmáticos, para beneficiarem tudo o que puderem para não terem aquilo que não gostam. Mas os interesses são dos dois lados", observa o antigo primeiro-ministro no "Fora da Caixa". Santana fala numa "lição da democracia" com componentes "desagradáveis" como as intervenções de Nigel Farage, o "insuportável" líder do partido populista UKIP.

"Demasiadas panelas ao lume"

Santana vislumbra uma "grande oportunidade para a Europa" nestes resultados. Já Vitorino fala num "teste decisivo à capacidade de reinvenção da própria União Europeia", apesar de detectar de momento sinais pouco encorajadores".

Antes do Conselho Europeu, Angela Merkel chamou a Berlim alguns líderes europeus, o que merece a crítica de Pedro Santana Lopes.

"São estas manias que não têm ajudado nada a União Europeia. Merkel diz que a Alemanha tem especiais responsabilidades. Mas esta era a altura para na manhã de sexta-feira, os líderes da União terem preparado pelo menos uma declaração com cabeça, tronco e membros, com uma ou duas medidas de afirmação do querer, da vitalidade, da fé europeia, da determinação política, fosse em que áreas fosse", protesta o antigo chefe de governo.

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Pouco surpreendido, Vitorino acentua que a chanceler alemã age apenas como é seu uso, apesar da reacção "bizarra" que incluiu a convocação de uma reunião "atípica" – com os seis membros fundadores da União – com convites "anómalos".

"Em parte é o estilo dela. Cartas junto ao peito, nunca abre o jogo. Foi de uma frieza assustadora, mas não deu nenhum sinal de esperança", constata António Vitorino. No quadro europeu, junta-se ainda o impasse espanhol e percebe-se o complexo novelo que envolve a política europeia. "São demasiadas panelas ao lume em cima de um fogão que está já cansado", resume Santana.

Estilhaços e sustos

"Se queriam um grande susto na Europa, este lá grande é", diz António Vitorino. "Se quiser a versão oposta e pessimista, isto é um desastre. E se o desastre não for bem gerido pode bem transformar-se numa catástrofe. Ainda não estamos na fase da catástrofe, mas podemos chegar lá", avisa o antigo comissário europeu, que mostra mais preocupação com o Reino Unido do que com o futuro da União Europeia.

"Isto estilhaçou o sistema político britânico. Do ponto de vista da sociologia e do comportamento da sociedade, revela um país fracturado entre gerações e em regiões. Isso vai ter consequências profundas para o funcionamento da democracia britânica", avisa António Vitorino, que assinala que uma União Europeia sem o Reino Unido será "mais continental, mais virada sobre si própria, mais focada no umbigo, menos vocacionada para uma relação externa aberta, que é a grande contribuição cultural de politico externa e económica global que o Reino Unido dava à UE".

"Levem-me para a Lua".

Os comentadores do "Fora da Caixa" detectam parecenças entre a emergência do eurocepticismo e a subida de Donald Trump nos Estados Unidos.

"Se o Brexit ganhou no Reino Unido, não é impossível que, na base da mesma lógica, o senhor Trump venha a ganhar as eleições nos Estados Unidos da América", afirma Vitorino. "Vamos ter um sistema político liderado, por um senhor com uma parecença só na cor do cabelo com um outro lá do outro lado", responde Santana Lopes numa referência a Boris Johnson, antigo autarca de Londres e opositor de Cameron no campo conservador.

"Boris e Trump? Aí ofereço-me para a primeira missão espacial à Lua! Se me garante isso, sou já candidato. Parem e deixem-me sair!", graceja Vitorino.

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