24 jun, 2016 - 15:27 • Sérgio Costa
É a única certeza que se pode ter esta sexta-feira. A UE vai mudar com a decisão do povo britânico de abandonar a comunidade. Os 28 vão passar a ser 27 a médio-prazo e resta saber o que reserva o futuro, se é que a União Europeia tem futuro.
Os mais altos responsáveis europeus já vieram dizer esta manhã que o projecto europeu vai continuar, mas há reacções mais extremadas como a de França, Holanda ou Itália, em que se pedem referendos semelhantes aos do Reino Unido.
Está em perigo o projecto europeu? Em estúdio, o ex-secretário de Estado dos Assuntos Europeus Francisco Seixas da Costa, a directora de Informação da Renascença Graça Franco e o especialista da Renascença em assuntos europeus Francisco Sarsfield Cabral, procuram respostas para o futuro.
Para Graça Franco “há risco e é altamente provável. Há uma inevitabilidade”. Não há dúvidas quando se afirma que “uma vez libertado o génio do eurocepticismo, já não se consegue voltar a prendê-lo na lâmpada”. Há 19 partidos eurocépticos que estão, hoje, a celebrar e a “abrirei garrafas de champanhe”. O que se passou no referendo é significativo do que pode acontecer nestes países onde há “falsidades e populismos que podem ir ao encontro de mitos que se vão alimentando nesses países” e que se esquecem que se não estivessem na UE seriam países clientes de outras grandes potências”.
Por seu lado, Seixas da Costa, diz não saber se há “no plano político e das lideranças europeias disponíveis, condições para poder fazer uma avaliação gobal das lições tiradas deste referendo. É preciso fazer uma análise profunda. Esta reacção da maioria britânica é uma colagem às preocupações que existem noutros países europeus. Ao longo dos últimos anos houve um afastamento real da UE em relação aos sentimentos dos seus cidadãos. E eles sentem-se pouco representados”.
“Os líderes europeus continuam com uma agenda teórica face àquilo que é a realidade das preocupações dos cidadãos e que depende de país para país. Não há uma opinião pública europeia. Há 28 opiniões públicas mobilizadas por problemas e medos diferentes”, alerta.
O que há a fazer? Primeiro, diz o ex-secretário de Estado, “é preciso que o Reino Unido carregue rapidamente no ‘botão’ do artigo 50 do Tratado de Lisboa, para começarmos a fazer o chamado ‘phasing out’ que está previsto que possa demorar dois anos, mas que espero que se possa fazer tão rápido quanto possível”.
Seixas da Costa lembra que a União Europeia tem acordos específicos com 54 países e isso vai implicar um grande trabalho de natureza jurídico-política. Por outro lado, a UE leva um grande abalo porque é a segunda maior economia europeia a sair. É o seu maior poderio militar que sai. É um membro permanente do Conselho de Segurança que se vai embora...”.
O ex-governante teme, agora, a reacçao futura europeia: “Tenho algum receio que possa haver, por parte de alguns países europeus mais ligados à fundação da CEE, uma ideia de ‘refundar a Europa’ mas num grupo mais restrito. E não tenho certeza que Portugal faça parte dessa ideia de futuro para a Europa”. Primeiro “por causa das fragilidades em termos de sustentabilidade do euro”. Seixas da Costa teme que possa haver “um expurgar dos países mais periféricos” como é o caso do nosso.
“A entrada para o euro foi uma entrada política. Foi uma tentativa de evitar uma periferização e numa lógica de que era importante estarmos em todos os núcleos duros, pensando nós que o euro nos iria proteger da nossa própria fragilidade. Foi durante algum tempo e teve algumas consequências positivas, mas o que se verificou é que, perante o primeiro abalo de natureza financeira à escala global, a nossa fragilidade diferenciada tornou-se evidente”, afirma Seixas da Costa.
O ex-secretário de Estado afirma que “aquilo que se passa hoje em dia é absolutamente insustentável. Nós somos sujeitos a um quadro rigoroso de ucmprimento de determinadas metas macroeconómicas, mas sem termos condições para fazer isso com rigor. Estamos a chegar a uma situação-limite e a questão das sanções é um exemplo disso”, alerta.
O que perde Portugal com o “Brexit”?
Na opinião de Francisco Sarsfield Cabral, “o Brexit vai ter consequências económicas sérias. Na economia europeia (que já estava a crescer muito pouco e vai crescer ainda menos por causa da incerteza) e em Portugal (onde todos os objectivos de crescimento terão de ser revistos). Todos os países do sul da Europa vão ser afectados”.
E em termos geoestratégicos, o que perde a UE?
Seixas da Costa defende que a Europa fica fragilizada do ponto de vista estratégico face à vizinhança (leia-se Rússia). Acho que Moscovo deve estar a olhar com agrado para esta situação e acho que o outro lado do Atlântico deve estar preocupado”. O ex-secretário de Estado acha mesmo que os Estados Unidos podem vir a procurar novos aliados na Europa e que esses aliados poderão vir a ser os países de Leste. Algo que, a confirmar-se, vai aumentar ainda mais a tensão com a Rússia... mas também criar uma clivagem dentro da própria União Europeia”. Seixas da Costa diz que “as cartas são jogadas a partir de agora na Alemanha. Está nas mãos dela o futuro da Europa e tem a ‘chave’ na mão, mas resta saber se a liderança alemã tem coragem para isso”.