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Alterações climáticas afectam crescimento da cortiça

01 jun, 2016 - 08:49 • Ricardo Conceição , Rosário Silva

O sobreiro é sensível às alterações climáticas e a seca afecta a produção de cortiça.

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A qualidade e a quantidade de cortiça são afectadas pela seca e, quanto mais severa, pior. É a conclusão de um estudo realizado pelo Centro de Estudos Florestais do Instituto Superior de Agronomia (ISA), em Lisboa, com base em diversas amostras, as mais antigas com 24 anos.

Em fase de pré-publicação na revista “Climatic Change”, a investigação analisou a resposta do crescimento da cortiça à ocorrência de eventos de seca. As conclusões são apresentadas no artigo “Sensitivity of cork growth to drought events: insights from a 24-year chronology”.

Os cientistas sustentam que os produtores devem olhar para a meteorologia e adaptar os ciclos de crescimento – sem chuva no tempo certo, não há boa cortiça.

“A seca é especialmente importante se ocorrer no período de Inverno ou no período da Primavera, quando a árvore está a começar em actividade. Quando se regista seca severa nestes períodos, temos uma diminuição do crescimento”, refere à Renascença, Helena Pereira.

A coordenadora do Centro de Estudos Florestais do ISA e uma das autoras do estudo revela também uma faceta do sobreiro pouco conhecida: a “Quercus Suber” tem uma capacidade única de recuperação.

“Isso é que é fantástico no nosso sobreiro e na produção da nossa cortiça. Ele, de facto, é sensível à seca, mas depois recupera quando se retomam as reservas de água no solo para os valores normais”.

Face a esta revelação, e numa altura em que as alterações climáticas afectam todo o planeta, Helena Pereira aconselha os produtores a adaptar a gestão da produção aos ciclos meteorológicos.

“É hoje possível prever o efeito na produção da cortiça num ciclo e adaptar às condições existentes”, diz a investigadora, para quem só assim “é possível conciliar a qualidade da matéria-prima produzida, à qualidade que a indústria requer”.

Produtores adaptam-se a mudanças climáticas

No Ribatejo, o montado apresenta características diferentes do Alentejo, região campeã do sobreiro. A densidade é maior, com um número superior de árvores e uma menor presença de gado.

A sustentabilidade de longo prazo é, por isso, preocupação da Associação de Produtores Florestais do Concelho de Coruche e Limítrofes (APFC), parceira na investigação do ISA.

“A forma como conseguimos gerir o montado retirando dele não só a cortiça, mas tudo o que ele nos consegue dar, é uma preocupação constante”, refere à Renascença Conceição Santos Silva.

Passa por aqui parte do trabalho desta entidade privada criada em 1992, com 420 associados e responsável pela gestão de 210 mil hectares de área florestal, distribuídos por vários concelhos.

O ano passado foi difícil para o montado, com o registo de seca extrema. Muitas árvores não resistiram e a taxa de mortalidade foi superior à de anos anteriores. De resto, as ameaças ao montado traduzem-se numa interacção de factores que requerem, diz a técnica, “uma gestão cuidada”, apesar de as árvores serem “resistentes a qualquer praga ou doença que possa existir e até a eventos climáticos extremos”.

O estudo agora divulgado faz uma análise do crescimento da cortiça ao longo do novénio. A cortiça é extraída de nove em nove anos e a forma como o produto se desenvolve ao longo desse período determina as “características da cortiça em termos de qualidade e da sua potencial utilização industrial.”

Para os produtores, o grande objectivo é conseguir uma boa rolha de cortiça natural “e para isso é necessária determinada espessura, determinado calibre”, explica.

Em anos de seca (na cortiça, os anos contam-se os anéis de crescimento da mesma forma que se contam na madeira) encontra-se “um anel mais delgado”, ou seja, a cortiça cresceu menos, “porque as situações são mais extremas”, adianta a coordenadora do departamento técnico da APFC.

E, no dia-a-dia, há consequências visíveis destas alterações climáticas? “Há uma coisa que se tem verificado nos últimos anos que é uma maior dificuldade no início da extracção”, diz à Renascença.

“A cortiça só pode ser extraída normalmente entre meados de Maio e início de Agosto. Fora dessa época, não se consegue e isso está essencialmente ligado ao clima. Nos últimos anos, o que temos verificado é que, em vez de se começar em meados de Maio, só se consegue começar a tirar cortiça, por vezes já em Junho”.

Os riscos surgem quando “há a tentação de querer começar a tirar a cortiça antes do tempo e isso é negativo para o montado, para a cortiça que vamos produzir nos próximos nove anos e para as árvores que queremos manter”, acrescenta a engenheira.

É por isso importante aguardar pelas condições climatéricas ideais para dar início ao processo. “Não é uma situação inevitável”, garante-nos esta responsável da APFC. O que “não podemos é querer começar a tirar cortiça a qualquer custo. Quando a tiramos a chover estamos, não só a prejudicar a qualidade da cortiça que vamos produzir nos próximos nove anos, como todas as outras a seguir”.

Menos árvores, mas produção estável

De acordo com Conceição Santos Silva, em termos nacionais, o lado positivo é que “a produção mantém-se estável e andará entre as seis as oito milhões de arrobas (90 mil a 120 mil toneladas) por ano, com uma expectativa para aumentar”.

Isto, “porque houve muitas plantações de árvores realizadas desde o início da década de 90 e que só a partir de agora começam a ser descortiçadas e a entrar em produção”.

Segundo o Inventário Nacional Florestal, “há uma diminuição do número de árvores por hectare, apesar de a área do montado estar estabilizada a nível nacional”, esclarece a coordenadora técnica da Associação de Produtores Florestais de Coruche.

“A grande preocupação passa pela regeneração natural e a realização de novas áreas de plantação para poder assegurar a qualidade de cortiça” e a liderança de uma dos sectores mais importantes para a economia nacional.

Portugal tem a maior mancha de montado de sobro do mundo: cerca de 34%.

As exportações portuguesas de cortiça registaram, em 2015, um aumento de 6,3% face a 2014, o que significou um valor de 899,3 milhões de euros, segundo dados lançados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).

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  • Alentejano
    01 jun, 2016 evora 11:27
    Falem do que sabem não digam asneiras, meteorologia nem é o mais importante embora tenha influencia mas sim os solos onde habitam os sobreiros como por ex: solos de areia é onde existi a melhor cortiça e nas serras do Alentejo e Algarve. Com estudos destes ainda vamos ver sobreiros de regadio...
  • AAA
    01 jun, 2016 Lisboa 11:01
    Mas qual seca?? Este inverno não parou de chover

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