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Conversas Cruzadas

Sanções da UE: Castigo sem culpa?

29 mai, 2016 - 19:13

“Se Portugal tiver sanções o único responsável é António Costa”, defende Álvaro Santos Almeida. “Impuseram políticas e agora castigam?”, interroga Carvalho da Silva.

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Irá Bruxelas obrigar o governo português a corrigir as contas em Julho com um orçamento rectificativo e/ou medidas adicionais? Vai a Comissão Europeia aplicar sanções por causa do défice de 2015?

Uma destas duas questões – centrais na vida pública portuguesa – deverá dominar a visita que o Presidente da República inicia este domingo à Alemanha. Marcelo Rebelo de Sousa vai tentar sensibilizar Angela Merkel para evitar sanções por causa do défice. De caminho irá também abordar com a chanceler a situação na banca, CGD e Novo Banco.

O Presidente português tentará convencer Angela Merkel de que é injusto punir Portugal por défice excessivo depois dos “sacrifícios dos portugueses” e com base numa questão decimal. Lisboa prevê que, sem efeito Banif, o défice se fixe nos 3%, o limite, mas Bruxelas alude a 3,2% por diferenças nos critérios de análise.

O PR está interessado em mostrar que há um consenso nacional face ao risco de sanções sugeridas no Eurogrupo, mas a ser decretadas pela Comissão Europeia.

“Será bom que o Presidente da República tenha uma atitude dinâmica neste problema como, em geral, nas relações com a União Europeia. Uma coisa é cumprir as determinações sem deixar de questionar o que nos parece incorrecto e lutar por alterações”, afirma Manuel Carvalho da Silva no Conversas Cruzadas.

“Outra coisa é a subjugação absoluta a que fomos habituados durante anos e que nada resolve. A subjugação à austeridade é um desastre. Ainda ontem vi um texto de um alto quadro do FMI fazendo uma reflexão sobre aquilo que ele próprio designa por ‘políticas neo-liberais’ e as observações que faz sobre a austeridade na União Europeia não deixam dúvida alguma.

“Trata-se da persistência num erro. Políticas de austeridade no sentido/conceito em que a expressão tem sido utilizada, não quer dizer que não se deva ter rigor orçamental. Há aqui comportamentos que só vão num sentido. O espaço europeu é global. A questão dos equilíbrios coloca-se como responsabilidade colectiva”, diz.

“É preciso um outro debate quando se observa que num espaço de todos há quem tenha défice e há quem tenha excedentes e o comportamento é punitivo apenas para quem tem défice. Quase se pode concluir que o que desapareceu a uns concentrou-se no espaço dos outros”, admite o sociólogo.

“É comum dizer-se: ‘se uns perdem, outros ganham’. A questão é cada um jogar para tentar ganhar, ou pelo menos, não perder por muitos para outros não ganharem por muitos e os desequilíbrios não serem muito grandes. O ideal era todos terem as mesmas condições”, indica Carvalho da Silva.

“À escala global dava para discutir como se trabalha hoje o conceito de competitividade, mas aqui estamos a falar duma União Europeia, uma comunidade, onde é absolutamente inadmissível que se constate a existência de vasos comunicantes a favorecer determinados países – a Alemanha e quem lhe próximo – em detrimento de outros. Não pode ser”, diz.

“Outro aspecto é esta incoerência de nos quererem penalizar num cenário que é este: impuseram políticas e agora, depois de aplicadas, castigam-nos. É como um professor mandar um aluno executar um trabalho. O aluno executa e chega ao fim e o professor penaliza-o, porque, apesar de executado de acordo com regras do professor, não obteve os resultados que o docente antecipava. Isto não tem sentido”, defende Manuel Carvalho da Silva.

Álvaro Almeida: “O problema está no presente”

Álvaro Santos Almeida rejeita em absoluto a metáfora do professor iníquo aplicada ao risco de sanções europeias pelo docente da Universidade de Coimbra. O antigo quadro superior do FMI sustenta que em julgamento está não o que foi feito, mas o que falta fazer.

“Se fosse assim, não faria sentido, mas não é nada disso que está em causa”, afirma Álvaro Santos Almeida. “Essa é uma distorção que o governo português está a tentar passar para a opinião pública que não tem qualquer base substantiva”, nota.

“Se ouvirmos o que disse quer o presidente do Eurogrupo, quer as declarações de todos os comissários europeus, se Portugal for sancionado não é por causa do passado, mas sim por causa do presente. O presidente do Eurogrupo aludiu à situação actual. O comissário Valdis Dombroskis explicou, e vou citar, “assim que o Conselho decidir que estes dois países não aplicaram medidas eficazes para corrigir os desvios”.

“O problema não está no passado. Está em não aplicar as medidas para corrigir os desvios. Lendo as regras das sanções é fácil perceber. Lá diz: “são sancionados os países que não tomam as medidas necessárias para corrigir desvios”.

“O passado só é relevante para esta discussão num sentido: expõe Portugal a estas sanções. Se, no passado, tivéssemos cumprido estas metas todas não estávamos nesta situação agora. E atenção: só não cumprimos as metas todas por causa deste governo, porque decidiu intervir no Banif e, sem essa intervenção, tínhamos cumprido”, sustenta Álvaro Santos Almeida.

“Agora, as sanções só surgem, e por isso são adiadas, porque neste momento – não no passado – não se estão a tomar as medidas necessárias para corrigir estes desvios. E porque se adia? Adia-se à espera de que, com estes dois meses adicionais, Portugal e a Espanha, tomem as medidas necessárias”, diz o economista.

“Se, entretanto, o fizerem chega-se a Julho e não há razões para sanções. Mas tudo tem a ver, apenas e só, com as decisões de hoje deste governo, nada a ver com o passado. Não se está a sancionar pelo passado, mas porque este governo decidiu não cumprir decisões da União Europeia”, reafirma Álvaro Santos Almeida.

Mas a carta da anterior ministra das finanças a Bruxelas enviou ao vice-presidente da Comissão Europeia para o Euro a defender que Portugal não deve ser sancionado não traduz o consenso nacional sobre a questão?

“O que Maria Luís Albuquerque escreveu, e se se ler a carta diz, expressamente, que ‘não faz sentido aplicar sanções apenas porque as metas de 2015 não foram atingidas’. Mas estamos todos de acordo. Ninguém está a colocar a questão em cima da mesa. A não ser o governo para sacudir a água do pacote”, defende Álvaro Santos Almeida.

“Leiam as declarações de todos os comissários. Leiam as regras. Leiam as declarações do presidente do Eurogrupo. Todos eles se referem às medidas que estão a ser ‘actualmente’ utilizadas. Isso é que é importante. Maria Luís Albuquerque também refere isso”, sublinha o professor da Universidade do Porto.

“A certa altura diz: ‘se as sanções forem por causa de 2015 não fazem sentido e pede para não serem aplicadas’, mas também diz ‘se forem por este governo não estar a adoptar medidas isso aí já não tenho nada a ver com o assunto’. E é verdade.

“Por parte do governo e de quem o apoia há aqui uma campanha aberta de tentar fazer passar a ideia de que isto é culpa do governo anterior. Não é. Se houver sanções só há um único responsável: é António Costa”, sentencia Álvaro Santos Almeida.

Carvalho da Silva: “Eleições espanholas justificam adiamento”

Manuel Carvalho da Silva opõe-se aos argumentos do ex-quadro superior do FMI começando pela calendarização de eventuais medidas punitivas aos parceiros ibéricos. “Quanto a esta decisão de adiar a decisão para Julho deviam calar-se. Porque estão a prejudicar os países em causa e estão a prejudicar a União Europeia”.

“A razão do adiamento da questão, toda a gente sabe, escreve-se em todo o sítio e mais algum por esta Europa fora, radica no facto da Espanha ter eleições a 26 de Junho e, portanto, a Comissão não poder estar aqui a fazer uma chantagem sobre Portugal, de forma a poder contaminar, ainda que parcelarmente, a situação espanhola”.

“Esconder esta realidade e a de que os comissários europeus e o PPE se pronunciam meramente em função de mecanismos técnicos é absurdo. Os pronunciamentos desses senhores merecem pouca credibilidade à luz do que são as suas próprias práticas. Se estamos em dificuldade as dificuldades não foram geradas agora. Resultam mesmo das políticas do passado. Não é de agora”, diz Carvalho da Silva.

“Essa realidade é óbvia. Sim, é verdade, mas do passado do Partido Socialista”, contrapõe Álvaro Santos Almeida no início de um intenso segmento de debate (NDR: disponível áudio).

Álvaro Almeida: “As contas deste governo não fazem sentido”

Mas estará com os dias contados a boa vontade do PR face ao governo? Afinal, Marcelo Rebelo de Sousa já contrapôs, recentemente, o seu “optimismo racional” ao “optimismo irritante” do primeiro-ministro. É um primeiro sinal de que a coabitação está a mudar?

“Não me parece. Acho que o sr. Presidente da República tem apoiado este governo desde o início. O Presidente da República continua a fazer de conta de que não vê o que toda a gente vê. Há mais oposição por parte de Teodora Cardoso do Conselho de Finanças Públicas que da parte do sr. Presidente da República”, defende Álvaro Santos Almeida.

“Não vejo aqui nenhuma tensão com o governo. A própria forma como anuncia a ida à Alemanha é sinal de que está a fazer o jogo do governo. Vai lá dizer que não se justifica aplicar sanções por causa dos dados de 2015 quando ninguém defende isso. Todos os que defendem sanções fazem-no por causa do que se passa hoje e por causa da falta de vontade deste governo de aplicar as medidas necessárias para cumprir as metas”, relembra o professor de economia da Universidade do Porto.

“Em causa o famoso plano B que o primeiro-ministro diz não ser necessário, mas que toda a gente sabe que é preciso. Não vejo que haja aqui qualquer tensão, pelo contrário o Presidente da República tem apoiado declaradamente este governo”.

Álvaro Santos Almeida não condiciona a sua análise à manchete do Expresso de ontem: “Marcelo já não confia nas contas de Costa”. “Todos sabem que as contas deste governo não fazem sentido nenhum. Toda a gente sabe”, enfatiza o economista ex-FMI.

“Este governo faz um Orçamento do Estado com base numa previsão de crescimento de 1,8% que todos sabem ser inatingível. É factualmente impossível de atingir. Com o crescimento já observado no primeiro trimestre era preciso que nos outros três trimestres do ano tivéssemos um crescimento nunca antes alcançado nos últimos 15 anos”, indica Álvaro Santos Almeida.

“Portanto, ou alguém acha que a realidade mudou de tal forma que passamos de um trimestre de contracção para um trimestre do maior crescimento de sempre, ou as metas não poderão ser cumpridas. Isso terá implicações concretas nas metas orçamentais porque a receita fiscal vai ser mais baixa. Ora, só o primeiro-ministro se recusa a ver que isso implica necessariamente medidas adicionais para cumprir”, diz Álvaro Santos Almeida.

Carvalho da Silva: “Espero que o governo tenha capacidade de negociar”

Onde estão então os próximos testes na relação PR/Governo para se perceber se a natureza da relação está a mudar? Um veto político às 35 horas será, por exemplo, um inequívoco sinal de distanciamento?

Manuel Carvalho da Silva sustenta que o não de Belém seria estranho. “Está permanentemente a ser dito que o Presidente da República vai agir desta forma e daquela em relação às 35 horas. Não sei. Espero que o governo tenha capacidade de negociar”, afirma o sociólogo.

“Espero que o governo tenha criatividade para encontrar soluções no diálogo com os actores com quem terá de dialogar. Isso seria uma atitude muito estranha. Seria uma atitude extraordinariamente estranha”, conclui Carvalho da Silva.

Álvaro Almeida: “Incapacidade de ver o óbvio é, de facto, irritante”

Já Álvaro Santos Almeida não retira do episódio do “optimismo irritante” qualquer indício de que a relação de Marcelo Rebelo de Sousa com António Costa possa, de agora em diante, sofrer um acentuado desgaste.

“Não é um primeiro sinal de distanciamento porque depois tudo o que o PR é para apoiar o que este governo tem feito. Repare-se num pormenor que a maior parte das pessoas não terá notado por ter origem num sector que não esteve, nos últimos dias, nas primeiras páginas”, observa Álvaro Santos Almeida numa referência tácita a Marta Temido, presidente da ACSS.

“Esta semana tivemos a responsável pela administração central dos serviços do sistema de saúde, o organismo do Ministério da Saúde que gere as finanças do Serviço Nacional de Saúde a dizer que era preciso um orçamento rectificativo porque os orçamentos foram feitos com base nos salários do ano passado e não estão incorporadas as 35 horas”, observa.

“Trata-se de uma declaração perfeitamente óbvia e clara que foi, de imediato, desautorizada pelo Ministro da Saúde ao dizer que não era preciso orçamento rectificativo nenhum e que a senhora, provavelmente, estaria a falar enquanto cidadã e não na qualidade de presidente da ACSS”, nota Álvaro Santos Almeida.

“A incapacidade que este governo demonstra para ver o que óbvio, a realidade, chamar-lhe optimismo irritante, é, de facto, irritante”.

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  • Mário Resende
    30 mai, 2016 Newark 04:44
    Nada vejo de extraordinário em Marcelo convencer Merkel nas sanções ou dizer que a CGD é uma referência de estabilidade. Tal como Costa dirá que a TAP, quando o Estado tiver os 50%, é uma empresa de sucesso; como dirá o contrário quando isso for conveniente. O "rebanho" segui-lo-á na convicção que terá sempre razão, quer seja a favor ou o contrário; e a prova que está certo é haver quem acredite. Nunca a incongruencia foi travão intelectual na ideologia socialista-marxista. Veja como as boas almas se indignam com o facto de um parlamentar brasileiro mostrar admiração por falecido militar brasileiro, que a esquerda considera torturador; e as mesmas boas almas ficarem indiferentes ao PCP se declarar solidário com Maduro, títere do povo venezuelano. Tal como Dilma responsabiliza o actual governo de Temer pela inevitabilidade das consequências dos seus actos; Costa passou a deixar Cavaco em paz, pois o novo responsável passou a ser o anterior governo. Quando entrar dinheiro na CGD à custa de todos, continuará a gastança de alguns (onde andará o comendador-da-colecção?). E quando não houver dinheiro, nem onde ir buscá-lo, outro governo tomará posse para se tornar bode expiatório, e tudo se repetirá até ao fim dos tempos... sempre com o apoio do obediente e fiel rebanho e de todas as suas mansas ovelhinhas tugas.
  • Lobo Doméstico
    30 mai, 2016 Faro 03:03
    ..e foi assim que a Alemanha perdeu a guerra. De boas intenções esta o Inferno cheio. De uma maneira ou de outra Marcelo tem sucesso assegurado. E que na Alemanha quinze bancos pediram proteção Estatal e o Deutsche Bank esta bem pior que a CGD e aqui reside a fumaça para se esquecerem deste problema e todos se virarem para o defice português, porque ainda temos as eleições do Reino Unido que nunca se sabe o que vai dar. A CE e a Merkel têm problemas que cheguem, porque a cereja em cima do bolo são os refugiados.
  • Almerindo Duarte
    30 mai, 2016 Ribafozes 00:51
    O défice é de 2015 e a culpa é do Costa? Tá bem, tá bem, funcionário do FMI ! Espectáculo! Tomem logo conta disto e deixem de nos fazer de parvos!
  • Açaimador
    30 mai, 2016 Sesimbra 00:20
    Schauble, Dijsselbloem e Moscovici é coro ensaiado para pôr um açaime na "esquerda radical" (que é tudo o que não seja euroliberal)... se se tratasse só de Portugal haveria uma hipótese remota de aplicarem sanções, metendo a Espanha ("too big to jail") no mesmo saco a coisa fica mais complicada. É só fumaça...
  • Fernando
    29 mai, 2016 Castelo de Paiva 21:19
    Ó Marcelo, leva para Berlim o Pedro Nuno Santos do PS "Ou os senhores se põem finos ou nós não pagamos a dívida” e se o fizermos “as pernas dos banqueiros alemães até tremem”, é remédio santo....
  • sophocles
    29 mai, 2016 Lisboa 19:51
    O pais continua a gastar mais do que produz. Tem um problema serio de produtividade, e continua a viver acima das suas capacidades. Tem as autoestradas mais modernas da UE, nao tem producao automovel propria, tem o parque automovel mais renovado da UE, Portugal é um dos países da Europa com mais automóveis por habitante. Tudo isto tem um custo, financiado pelos alemaes. São eles que pagam à Função Pública portuguesa que desbarata recursos em festas como as publicadas na Nova Gente de funcionários judiciais. Como em qualquer emprestimo, no final acaba-se por mais do que o valor de aquizicao do bem ou do serviço. Nos primeiros anos, so se paga o servico da divida, nos anos seguintes paga-se os juros da divida, se nao houver renegociacao e houver cumprimento do pagamento, nos ultimos anos aí sim paga-se o emprestimo. Tal nao tem acontecido com portugal. E por muito que os partidistas sejam a favor ou contra, esta é apenas uma parte da realidade. Nunca houve transparencia por parte de quem negociou a entrada de portugal na chamada CEE, e quanto isso iria custar ao pais. Tem sido hipotecada varias vezes ao longo das ultimas 4 decadas tanto a soberania do pais como o futuro financeiro dos cidadaos. Esta ida de Marcelo à Alemanha e o pedido de ajuda a quem verdadeiramente nos paga as contas é apenas uma confirmacao.

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