16 mai, 2016 - 06:49 • Dina Soares , Joana Bourgard (imagem)
Entre 1980 e 2010, o universo dos trabalhadores sindicalizados em Portugal caiu 48 pontos percentuais. Um estudo publicado pelo Banco de Portugal no seu Boletim Económico de Inverno de 2013 revela que, em 30 anos, a percentagem de sócios dos sindicatos passou de 59% para 11%.
Esta semana, a CGTP está na rua com greves, manifestações e concentrações pela reposição dos direitos dos trabalhadores. Só que os trabalhadores, sobretudo os mais jovens, andam cada vez mais afastados dos sindicatos. Muitos interrogam-se mesmo a sobre a sua utilidade.
Filipe Lamelas, advogado, actualmente a fazer um doutoramento sobre o sindicalismo em Portugal, recorre sempre à mesma analogia quando lhe fazem esta pergunta. “Recordo um 'sketch' dos Monty Python, no filme “A Vida de Brian” quando um grupo de homens que conspiram contra Roma pergunta o que é que os romanos alguma vez fizeram por eles. E as respostas são várias: água canalizada, saneamento, estradas”. A questão é essa. O que é que os sindicatos fizeram por nós? Filipe Lamelas responde: “Horários de trabalho, retribuição digna, sistemas providenciais, tudo isso é fruto da luta dos sindicatos”.
Hoje, a realidade é diferente mas os problemas dos trabalhadores são os mesmos. Então, como se explica tamanho afastamento? Para este advogado, há muitas causas, mas a principal é a precariedade.
“Quem está precário, não reclama e tem poucas condições para lutar pelos seus direitos. Além disso, muitas empresas que não gostam de ter trabalhadores sindicalizados, porque vêem isso como uma fonte de problemas”.
Lídia Oliveira dá testemunho dessa desconfiança. “Os trabalhadores têm motivos para terem medo de se sindicalizar porque podem, de facto, sofrer represálias”. O despedimento colectivo que a atingiu abrangeu todos os que, como ela, eram delegados sindicais. “Já colocamos a hipótese de voltar à clandestinidade, de fazer reuniões sindicais fora das empresas. Mandar um dirigente sindical a uma empresa falar com os trabalhadores já não é solução. O dirigente entra e os trabalhadores afastam-se todos”.
“Os sindicatos não são estruturas democráticas”
A culpa desta situação tem muitos rostos. Patrões intolerantes, trabalhadores precários e desmobilizados e sindicatos que não se souberam adaptar ao novo mundo laboral. “Os sindicatos não são estruturas democráticas. Quem fala contra é abafado. As direcções dos sindicatos tomam decisões sem consultarem os sócios que, por seu turno, não se mobilizam para influenciar essas decisões”, acusa Lídia.
Depois de muitos anos como sócia do Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal, pertencente à CGTP, e como delegada sindical, Lídia Oliveira está desiludida. “Dentro dos sindicatos não se consegue mudar nada. Ou se abandona ou forma-se um novo sindicato e é isso que está a começar a acontecer, apesar de os velhos sindicatos pressionarem as administrações para impedirem o acesso dos novos às empresas. São trabalhadores contra trabalhadores”.
Filipe Lamelas não é tão céptico relativamente à democraticidade interna dos sindicatos mas reconhece que o mundo sindical carece de renovação, tal como os dirigentes das confederações patronais ou as administrações de muitas empresas. As suas críticas viram-se, em boa parte, para os trabalhadores que têm tendência para olhar para os sindicatos como um serviço que se consome e não como uma associação à qual se pertence. “Muitas vezes, as pessoas encaram os sindicatos como um seguro. Pagam uma quota para poderem ter serviços jurídicos se precisarem mas esperam nunca ter que os usar. Não devia ser assim. Devia haver mais militância porque a vivência democrática é fundamental para dinamizar o sindicato ”.
Neste ponto, Lídia Oliveira está de acordo. '' Os trabalhadores não podem olhar para o sindicato como um escritório de advogados ao qual se recorre quando há um grande problema. Esta relação está errada e só os trabalhadores é que podem levar os sindicatos a mudar ''. Por outro lado, Lídia considera que os sindicatos falham muito no trabalho de informação que deviam levar às empresas. “As pessoas perderam a noção de que têm direitos. Acham que ter emprego é uma sorte. Então, vamos lá guardar esta esmola que nos estão a dar”.
Sem sócios não há dinheiro
Neste contexto, a forma de intervenção dos sindicatos também está, na opinião de Lídia Oliveira, errada. “Os sindicatos esperam que sejam os trabalhadores a levar-lhes os problemas, não vão aos locais de trabalho com frequência para informar, para mobilizar e isso afasta as pessoas”.
A existência de um mercado de trabalho extremamente segmentado, aliada ao aumento do número de trabalhadores desempregados e precários também dificulta muito a vida dos sindicatos. “Os sindicatos têm muito mais dificuldade em chegar às pessoas, não só pela redução desta vivência colectiva mas também porque, como vivem das quotas, cada vez têm menos meios”, explica Filipe Lamelas.
Lídia Oliveira não é sensível ao argumento da falta de meios. “Para fazer manifestações e para toda uma agenda politica que coloca os sindicatos em paralelo com o partido que os domina, há recursos. É uma questão de cultura. Os sindicatos não podem continuar a usar os trabalhadores para aumentarem o número de manifestantes”. Filipe Lamelas responde: “É natural que os partidos de esquerda tenham uma agenda mais próxima dos sindicatos. Faz parte da sua própria génese e portanto é natural que essa confusão exista mas ela não é real. Um sindicato não é necessariamente uma célula partidária. É uma organização de luta pelos direitos dos trabalhadores”.
A lei está cada vez mais contra os sindicatos
Uma função que as alterações legislativas dos últimos anos têm esvaziado. “ Entre 2003 e 2012 o modelo existente foi completamente invertido em termos de relações colectivas de trabalho. Tínhamos um modelo que assentava no monopólio dos sindicatos em termos de negociação e na permanência dos contratos colectivos de trabalho. Hoje em dia, as comissões de trabalhadores já podem negociar contratos colectivos, há a possibilidade de adesão individual aos contratos colectivos e as convenções caducam, mesmo mantendo alguns efeitos. Se tudo isto não for alterado, é muito complicado que os sindicatos voltem a ter um papel determinante”, vaticina o advogado.
Voltar atrás na lei adivinha-se uma possibilidade remota. “O discurso político dominante apresenta os sindicatos como forças de bloqueio, opositores do progresso, da nova realidade económica e isso também explica o afastamento das pessoas, mesmo não sendo verdade”. Filipe Lamelas vê os sindicatos como válvulas de escape da própria pressão social. “A desigualdade económica está intimamente ligada à taxa de sindicalização. Os países com maior taxa de sindicalização são os que têm desigualdades menores”.