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Trabalho Sem Fronteiras

​Sonho sírio realizado em Portugal: fugir à guerra e estudar em paz

04 mai, 2016 - 14:25

Esta quarta-feira vamos conhecer dois jovens sírios que estão a estudar em Lisboa com uma bolsa da Plataforma Global de Assistência a Estudantes Sírios. Tentamos perceber como estão a ser integrados os refugiados no sistema de ensino do nosso país.

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Trabalho Sem Fronteiras (04/05/2016)

A iniciativa de Jorge Sampaio já tem três anos e conseguiu trazer para Portugal muitos estudantes sírios. Agora o Governo disponibiliza 2.000 vagas no Ensino Superior para os refugiados. Vamos fazer o balanço da iniciativa com a Secretária de Estado do Ensino Superior e com o Conselho de Reitores.

Antes, conhecemos dois jovens sírios que estão a estudar na Universidade Europeia. Omar Kayal e Wadah Abdoush conheceram-se em Lisboa, na Universidade Europeia onde estudam. Chegaram a Portugal em Setembro, com uma bolsa da Plataforma Global de assistência a estudantes sírios.

Omar Kayal tem 21 anos e vem de Latakia, uma cidade costeira onde está o maior porto da Síria. Chegou a Lisboa há sete meses com uma bolsa da plataforma global de assistência a estudantes sírios, garante que não tinha outra saída,“ na Síria quando acabas a faculdade, tens de entrar no Exército. E se alguém entra no Exército vai morrer, definitivamente”.

Omar está agora na Universidade Europeia que recebeu cinco estudantes sírios. O primeiro semestre não foi fácil, faltou muito às aulas, a única coisa que queria era ajudar os refugiados sírios que estão em Portugal, “eu tive conhecimento da bolsa e foi a minha primeira escolha. Estou a tentar ajudar aqui as pessoas que querem vir da Síria para cá. Este ano acho que podemos receber 500 pessoas”.

Nesta conversa com a Renascença, Omar fala inglês, aprendeu sozinho, já percebe o português, mas ainda não consegue manter uma conversa. Sente muita falta de falar a sua língua, aliás sente falta de tudo, da família que deixou na Síria, dos amigos, e da bateria... Omar é baterista. A música é o sonho da sua vida. Mas, na Síria, Omar Kayal dava aulas de bateria e estudava Gestão, estava no segundo ano da faculdade. Mas ao fim de cinco anos de guerra, Omar percebeu que tinha de fugir dali, “Toda a gente tem uma vida difícil, mas nós conseguimos melhorá-la, mas há uma guerra e é todos os dias guerra, guerra, guerra, e bombas e balas, e nós já estávamos habituados e começa a ser normal. Mas não é assim, muitos dos meus amigos morreram, outros entraram no Exército. Eu tinha uma grande vida, era professor de bateria e estudava gestão no segundo ano da universidade, tinha uma vida boa”.

Omar chegou a Lisboa há sete meses, vive agora numa residência na cidade universitária, gosta de passear junto ao rio, mas a chegada a Portugal foi o choque, “Aqui é tudo tão calmo. Depois de cinco anos a ouvir todos os dias as bombas, não estava habituado ao sossego e ao som dos pássaros. Senti muito a diferença”. Omar tem apenas 21 anos, mas não parece, Ele diz que que quando estamos num país em guerra crescemos muito depressa.

Wadah Abdoush tem 30 anos, saiu da Síria, de Damasco em Junho de 2014. A primeira paragem foi o Líbano, mas ao fim de alguns meses não conseguiu a renovação do visto, fez de novo as malas, desta vez o destino, o Brasil. Foi aí que aprendeu a falar português e foi no Brasil que recebeu a notícia de que tinha recebido a bolsa para estudar em Portugal. Na Síria deixou toda a família, “ eu sinto a falta deles e também dos meus amigos. Mas não posso regressar e eles não podem sair.

Wadah não quer regressar á Síria, diz que é muito complicado. Já está completamente integrado, gosta do clima, da natureza, de correr à beira-rio e também na zona da Ajuda. Conseguiu fazer quase todas as disciplinas do primeiro semestre com nota 12, mas na caderneta do aluno, a única chamada de atenção feita pelos professores é que Wadah chega sempre atrasado às aulas, mas gosta do método de ensino na Universidade Europeia “ é muito diferente do da Síria. Aqui temos muitas aulas práticas e cada aluno pode construir o seu caminho. Na Síria é tudo teórico”.

Na sequência deste programa, o Governo decidiu disponibilizar 2.000 vagas nas universidades e nos politécnicos para os refugiados. Entrevistada pela jornalista Manuela Pires, a Secretária de Estado do Ensino Superior Fernanda Rolo diz que, até agora, ainda não há nenhum refugiado na universidade ao abrigo deste programa, mas que espera novidades para breve.

O exemplo da Universidade do Minho

Como estão a integrar-se os alunos sírios na Universidade do Minho e qual a perspectiva do reitor António Cunha? Foi o que procurou saber a repórter Isabel Pacheco.

A Renascença falou com Eduarda Rocha, que partilha as aulas de arquitectura com Sarah Shrbaji e que integra o grupo de quinze sírios que estudam na Universidade do Minho ao abrigo da Plataforma Global de Assistência a Estudantes Sírios lançada por Jorge Sampaio.

Eduarda é, provavelmente, uma das melhores amigas de Sarah mas, também assume o papel de tradutora e de guia. “Já lhe fui buscar um móvel ao IKEA e nas aulas ficamos uma ao lado da outra. Quando o professor diz alguma coisa, eu traduzo para inglês”, conta a aluna de arquitectura.

Andreia Soares é outras das companheiras da estudante síria e admite que aprende mais do que ensina. História, Arquitectura e Cozinha são alguns dos temas de conversa entre as estudantes que partilham, sobretudo, “ histórias uma com a outra”, confidencia a jovem.

Uma amizade como qualquer outra, garantem as universitárias, que conta já com dois anos. Tempo suficiente para o reitor da Universidade do Minho, António Cunha, dar como “positiva” a integração dos alunos na instituição e acreditar que servirá de ajuda na hora da instituição receber refugiados sírios, embora, reconheça que “será um processo mais complexo”.

Dificuldades que vão começar pelo “reconhecimento académico”, antevê o também presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas. Desde logo, “para conseguirmos ter informação fiável sobre as habilitações prévias dos estudantes”, explica António Cunha.

Mas, à burocracia dos documentos, junta-se a questão da língua que, não poderá ser ultrapassada, a não ser com um semestre zero que garanta a integração dos futuros alunos. Mas também será preciso “uma operação logística” de todo o processo administrativo. “Tudo isso tem de ser montado”, adverte o líder do CRUP.

Um esforço que as universidades portuguesas estão dispostas a fazer para levar a cabo o processo que, apesar de não ser simples, pode ser “interessante” para o Ensino Superior português. “Certamente abrirá portas e tornará Portugal conhecido no Médio Oriente como um destino de formação”. Além disso, acrescenta o Presidente do Conselho de Reitores, “as universidades não podem ser indiferentes a este drama”.

Desde o início da guerra mais de 11 milhões de pessoas tiveram de abandonar as suas casas. Mais de 4 milhões de sírios estão registados no alto comissariado da ONU para os refugiados. Quase um milhão de sírios pediu asilo na Europa.

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