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Açores: inglês aeronáutico

A “língua-franca” dos ares

30 abr, 2016 - 17:56

É a verdadeira “língua franca” dos ares e pode ser a chave de um voo seguro. O futuro do ‘inglês aeronáutico’ está a ser discutido nos Açores por dezenas pilotos de mais de 30 nacionalidades no Centro de Formação Aeronáutica de Santa Maria nos Açores.

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É a verdadeira “língua franca” dos ares e pode ser a chave de um voo seguro. O futuro do ‘inglês aeronáutico’ está a ser discutido nos Açores por dezenas pilotos de mais de 30 nacionalidades no Centro de Formação Aeronáutica de Santa Maria nos Açores.

São escassos os casos de grandes acidentes provocados por insuficiências no ‘inglês aeronáutico’, mas na lista negra está o choque de dois Boeing 747, em 1977, no aeroporto de Los Rodeos, Tenerife, nas ilhas Canárias – o mais mortífero de sempre na história da aviação.

O anfitrião do seminário, Miguel Silveira, presidente da APPLA, explica à Renascença que o inglês aeronáutico pode ser uma ferramenta decisiva na resolução de problemas na aviação.

O comandante de linha aérea descreve iniciativas deste tipo sobre as melhorias no ensino do inglês aeronáutico como um luxo a que a indústria – estatisticamente - mais segura do mundo se pode permitir.

É o domínio do inglês aeronáutico que minimiza riscos na aviação?

O inglês aeronáutico, por si só, não voa aviões. Os aviões são voados pelos pilotos independentemente do idioma que falem, mas o que acontece é que o inglês aeronáutico é uma boa ferramenta de segurança. Há que falar uma linguagem comum para a comunicação fluir com os controladores de tráfego aéreo e com os outros pilotos.

Na impossibilidade de dominar todos os idiomas e sendo o inglês, o idioma mais falado no mundo, há anos, decidiu-se que seria a língua comum na aviação. A partir de 2009, a regulamentação ICAO tornou obrigatório na licença de pilotagem o nível 4 operacional de inglês. Se o piloto não tiver o nível 4 operacional (numa escala de 6) mesmo sendo piloto profissional não pode voar para além das fronteiras do país que lhe emitiu a licença.

Ou seja, na prática o inglês aeronáutico assumiu em 2009 um papel da mesma importância do certificado médico, os exames anuais obrigatórios. Este é o desenho burocrático do tema e assume esses contornos pela segurança de voo. Num quadro operacional com aviões a movimentarem-se a 400, 500 ou em cruzeiro a 900 Km/h, é muito importante só a ouvir as outras aeronaves em comunicação ter uma percepção correcta do que fazem e onde estão. É mais um patamar de segurança.

De facto, aconteceram alguns acidentes cujo factor principal foi o deficiente controlo do idioma inglês. O mais emblemático, pelas piores razões, foi o acidente de Tenerife (1977) com a colisão de dois Boeing 747 (Pan Am e KLM), o acidente com mais vítimas mortais na história, cujo factor principal é atribuível às deficiências na comunicação em inglês. Aperfeiçoar e desenvolver esta área faz todo o sentido em nome do valor supremo da segurança no transporte aéreo. Trata-se de uma ferramenta que auxilia pilotos, controladores de tráfego aéreo e todos os outros agentes operacionais a manter esta actividade cada vez mais segura.

Alguns acidentes têm associadas falhas de comunicação. É um argumento para aprofundar e melhorar o inglês aeronáutico?

Sim e não. Explico-me: comunicação é aqui um elemento geral, o inglês aeronáutico é um elemento específico do conceito mais alargado de comunicação. A comunicação faz-se a vários níveis e há a fonia aeronáutica que é muito ‘standardizada’ já o inglês aeronáutico aparece para permitir ir mais além. Interessa que os pilotos e os controladores quando têm de fugir da fraseologia padrão da aeronáutica – que as pessoas fora do meio identificam mais com palavras como “roger”, “over”, “clear to” – frases a que pilotos e controladores estão mais que habituados para momentos mais complexos.

Se um piloto ou um controlador tiver de comunicar com uma frase mais completa e complexa é o momento do inglês aeronáutico entrar em acção exigindo que se vá mais além. Exemplo: “eu estou com este problema e preciso que façam alguma coisa”. O inglês aeronáutico transcende a mera comunicação. Nesse sentido, não há de facto muitos acidentes aéreos cujas causas decisivas tenham sido atribuíveis ao que é conhecido como inglês aeronáutico. Calcula-se entre 6 a 8 acidentes. Mas não há dúvida que um desses acidentes foi aquele que causou mais vítimas mortais na história da aviação. O transporte aéreo mundial pode dar-se a este luxo: tentar arrumar ainda melhor os pormenores de uma casa já muito bem montada. Das várias actividades humanas – e no país – temos exemplos de tentativas de melhorias em casas cujos alicerces estão mal montados. Não aqui.

O transporte aéreo é uma actividade ultra segura. Não há actividade – no limite a implicar risco – estatisticamente mais segura no mundo que a do transporte aéreo. Está muito bem arrumada, os alicerces são fantásticos e pode dar-se a este luxo de tentar arrumar os pequenos detalhes. O inglês aeronáutico é um pequeno grande pormenor, porque não é expressivo o número de acidentes em que tenha sido uma causa principal, mas pretende-se concorrer aqui para salvar vidas. E o que há de mais importante na actividade humana do que salvar vidas?

Como se pode melhorar o ensino do inglês técnico aeronáutico?

Esse foi o objecto da intervenção inaugural do presidente da ICAEA aqui nos Açores, o australiano Michael Kay, a sublinhar as grandes diferenças entre o ensino dito tradicional – do liceu até à universidade – e depois o ensino num ambiente profissional.

Num contexto profissional as prioridades são diferentes do ensino tradicional. A actividade central de uma empresa de transportes aeronáuticos, o ‘core business’, é transportar pessoas visando o lucro, mas deve haver investimento das empresas na qualificação e proficiência dos seus profissionais em inglês aeronáutico. O ‘inglês aeronáutico’ é ensinado desde institutos até à APPLA, Associação Portuguesa de Pilotos de Linha Aérea, que, por exemplo, já na próxima segunda-feira promove nova acção de formação para os pilotos desenvolverem o seu inglês aeronáutico (insisto: tem uma forte componente técnica, mas também elementos da conversação do dia a dia).

Na APPLA também testamos os nossos pilotos (estando certificados pela ANAC) onde fazemos examinação oficial. As empresas – na realidade europeia e norte-americana – não estão a investir muito neste capítulo. Mas a verdade é que há cada vez mais empresas a exigirem para aceitar pilotos conhecimentos de inglês operacional de nível 5, quando o nível mínimo ICAO é 4.

Reconheço ser um aspecto complicado para as empresas cada vez mais pressionadas por várias pressões e burocracias que tornam o negócio do transporte aéreo cada vez mais caro e com menores margens de lucro. Se eu disser que a margem de lucro média na indústria é á volta de 4% depois de investidos milhões e milhões talvez não se acredite, mas é a verdade.

Intensificar a formação no inglês aeronáutico é seguramente mais um peso para a indústria, mas este é um investimento que tem a ver com a segurança. Não há dúvida que as empresas têm de investir nesta área e há um despertar para esta realidade sobretudo depois da ICAO ter tornado obrigatório o nível 4 para os pilotos e, nesta indústria, a segurança de pessoas e bens vem primeiro.

Comentários
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  • jetman
    04 mai, 2016 lisbon 16:22
    People need to understand that language skills in aviation is human factor , we can minimize adverse effect but never erradicate them , keep in mind it is safer to board a plane than a automotive....and leave the professionals keep this business the safest in any transport industry!
  • Alexand Vasconcellos
    01 mai, 2016 Covilhã 20:14
    O sr. Miguel Silveira diz que o "inglês aeronaútico não pilota aviões?". Pois não, mas também não são os pilotos que pilotam os aviões. O sr.Silveira esqueceu-se de dizer, mas também não lhe perguntaram, que quem pilota os aviões são os computadores. Os pilotos são meros técnicos de informática, por agora, ainda, sentados no ar, mas em breve acampadinhos em casa na playstation. Os pilotos já perceberam que a automatização total da pilotagem em todos os sistemas de transportação é irreversível. Ao fazer greves selvagens para suportar as suas reivindicações, como há pouco fizeram na TAP, tentam somente sacar o máximo que puderem sacar do mercado enquanto os protótipos ainda não foram substituídos por modelos auto pilotados definitivos. Algo que começará a acontecer dentro de poucos anos em larga escala e acelerado processo. Já não falta muito. Habitue-se, sr. Silveira. É a vida!
  • Major Alvega
    30 abr, 2016 Alverca do Ribatejo 23:02
    Ainda bem que os pilotos americanos e ingleses (e outros de países da Commonwealth) não têm que pagar a explicadores ou a escolas para falarem bem inglês aeronautico. Se tivessem não tinham como. Só os milionários pilotos de países do terceiro mundo como Portugal é que podem e os professores pagos pelas empresas como companhias de bandeira que é o mesmo que andarem numa escola pública porque são do estado. Aqui sai-nos do bolso, nos Estados Unidos não sai do bolso dos contribuintes. É que nos EUA os salários dos pilotos são tão baixos, que os obriga a alugarem habitações normais, depois montam beliches e dormem em regime de cama quente, por turnos. Ou seja numa pequena casa e barata, comem e dormem 10 ou 14 pilotos de voos domésticos de várias companhias. Como os EUA é um país enorme, as distâncias mais longas ultrapassam os 5000 km em linha recta, como por ex. de Lisboa a Moscovo. Com uma "vida social destas" não há crises de ansiedade ou depressões ou desconhecimento de línguas. Conhecem todos o inglês aeronaútico do trabalho duro e empenhado profissionalmente, Insuficiencias de ingles, ou falta de stress é coisa que só ataca pilotos mimados, como os princepescamente pagos pelas empresas europeias, como o alemão dos Alpes, e que vão para hoteis de 5 estrêlas. Se acham que é mentira procurem na internet, ou solicitem ao arquivo da NOScabo a repetição do documentário que passou no Discovery ou Odisseia. Os grandes pilotos dos Estados Unidos é que sabem de ingles aeronautico!
  • A.Oscar
    30 abr, 2016 Portimão 21:49
    Eu não gostei do que agora li; mas sim adorei de como Miguel Silveira apresentou. A lingai inglesa nunca o foi perfeita; ao ponto que o computador tem ajudado a ser um pouco melhor. Antes de ter aparecido o computador; os erros ortográficos da língua inglesa eram assistidos pelos dicionários, mesmo assim os erros eram contínuos. Sou escritor e sabia desses erros; só que como ainda não sou famoso, não daria interferir neste assunto e pelo menos mais uns meses para me dar a conhecer. Se bem que já foi pedido pelo Governo da Inglaterra; auxilio financeiro para melhorar a ortografia e ainda foi este ano.
  • Hugo
    30 abr, 2016 França 18:59
    Eu gostaria que fizessem uma investigação sobre a qualidade do serviço prestado, do treino dos pilotos, etc das companhias low cost.

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