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Agências de rating. O que são e porque precisamos de tê-las em conta?

29 abr, 2016 - 06:13 • João Carlos Malta

A crise de 2008 afectou a sua credibilidade, mas o poder de influência e decisão manteve-se. Depois de uma grande discussão à sua volta, pouco mudou. As perguntas e as respostas sobre o universo dos avaliadores do risco.

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Uma letra ou um conjunto de letras com um mais ou um menos à frente são suficientes para toda uma economia, todo um país, toda uma população, ter de mudar de vida. Este é o poder das agências de notação financeira. E Portugal vive esta sexta-feira mais um exame: o avaliador é a DBRS e do resultado depende o acesso a liquidez do BCE do país.

A importância destas empresas privadas que avaliam o risco de empresas e estados é central na vida financeira e económica actual, mas levanta muitas questões. Com a ajuda do analista de mercados Pedro Lino e do economista Nuno Teles, a Renascença tenta dar resposta a algumas das dúvidas mais recorrentes sobre as “quatro grandes” agências de rating.

O que é uma agência de notação financeira?

É uma empresa que avalia o risco de outras empresas ou países. As agências de rating têm um papel muito importante nos mercados financeiros, nos últimos anos, dada a emergência de mercados em que se compram e vendem títulos de empresas, de dívidas e derivados.

Para que são necessárias?

Para os investidores é essencial ter uma noção do risco de uma empresa em relação a outras ou até de o risco relativamente ao futuro. Ao emprestar dinheiro às empresas e aos países, o investidor pretende ter de volta o capital. Os títulos de dívida das empresas e dos países podem ser assim comparados pelos investidores, tendo em conta o risco. Quanto mais arriscados os investimentos, maior a taxa de juro que o devedor pagará. É através destas análises que os investidores decidem se investem ou não.

Quais são as quatro agências mais importantes? E porque são essas?

Há muitas agências de rating espalhadas pelo mundo, mas apenas quatro (a Fitch, a Moody’s, a Standard & Poor's, todas norte-americanas, e a canadiana DBRS) são reconhecidas pelo Banco Central Europeu (BCE) para avaliar o risco de estados e empresas.

Quais são os critérios usados para fixar o rating?

A sustentabilidade das finanças públicas, estabilidade política e estabilidade social.

As agências de rating são privadas ou públicas?

As quatro mais importantes são todas privadas. Os grandes accionistas destas empresas são normalmente grandes grupos de investimento, como fundos. A Carlyle ou Warren Buffet são alguns dos grandes investidores que sentiram a necessidade de ter esse serviço e de os criar.

Que riscos existem?

Sendo empresas privadas o objectivo é o lucro. O problema, segundo os especialistas, coloca-se quando as comissões que cobram resultam da avaliação de riscos aos estados e às empresas para avaliar os seus riscos.

Surge, então, um conflito de interesses: ao mesmo tempo que uma empresa paga a uma agência para ser avaliada, a agência, para manter esse cliente, pode fazer uma análise mais positiva dessa firma.

Durante a crise financeira multiplicaram-se os exemplos de agências que estavam a trabalhar sobre títulos e produtos financeiros que conheciam mal e dos quais não conheciam o verdadeiro risco. Foram dadas notas artificialmente inflacionadas e muitos títulos ficaram sem pagamento para os seus detentores. A crise criou um problema de credibilidade destas agências – um problema que se mantém.

Quem é que as regula?

Os supervisores financeiros dos países em que têm sede. Das quatro mais importantes três são reguladas nos Estados Unidos. Há uma dependência em relação ao poder político onde estão sediadas que não há em relação a outros.

A forma como se avalia determinados países é influenciada por este tipo de poder. Vários especialistas dizem que os Estados Unidos, devido a esse poder político, nunca seriam confrontados com a classificação de “lixo” das três agências norte-americanas.

Qual a origem do poder destas agências?

Estas empresas não são todo-poderosas na economia. Precisam do poder político. Por exemplo, o poder que detêm em relação ao estado português decorre das regras determinadas por uma instância política, o BCE. Ao dizer que só compra activos de um país se a notação for acima de "lixo", o que estão a fazer é delegar um enorme poder. Mas é o BCE que confere a estas empresas o poder que têm, o de em conjunto secarem a torneira do crédito a um país.

Esta actuação do BCE pode também ser lida como um instrumento político de pressão financeira sobre os estados. Ao dar esse poder às agências de rating estão a dizer aos estados-membros para se comportarem de determinada maneira ou, em alternativa, a alterar o nosso comportamento financeiro, o que condiciona muito a política dos estados.

Porque nunca foi criada uma agência pública europeia?
Foram desde logo levantados problemas de credibilidade, garantindo-se que não actuaria de forma isenta em relação aos estados europeus. As questões políticas e a força dos lóbis fizeram com que a ideia fosse perdendo força depois do auge da crise.

Justifica-se que estas empresas tenham um poder tão grande?

Os dois especialistas ouvidos pela Renascença concordam que não. Há conflitos de interesse que deviam ser acautelados, tal como se devia perceber se a estratégia de expansão de uma determinada agência não colide com a necessidade de rigor nas avaliações. Actualmente está criado um oligopólio dominado por quatro empresas, que controlam quase a totalidade do mercado.

Mas foi o poder político que concentrou o poder nestas quatro agências. Por exemplo, um fundo de investimento com regras muito restritas não pode comprar títulos quando uma só agência dá notação positiva. Se houvesse mais agências esta hegemonia não se colocava.

Comentários
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    30 abr, 2016 lx 21:44
    Não eram estas agencias cujo objetivo é o lucro, nomeadamente a standard poors e a moodys que diziam que o goldman sachs e outros eram AAA num dia e no dia seguinte estes abutres (goldman e outros) foram responsaveis pelo colapso do sistema financeiro global.
  • Dinis
    29 abr, 2016 Vila do Bispo 11:01
    Permitam-me discordar amplamente da forma como o assunto "Rating" é tratado! Numa sociedade em que os cidadão são aconselhados a "aplicar" o dinheiro que poupam ou em que a maioria das empresas recorre constantemente a créditos é fundamental/indispensável/vital proceder à avaliação do risco = Rating! O facto de o rating ter sido mal avaliado na situação descrita, no passado, não o torna pouco dispensável, pois se vivemos numa sociedade em que se recorre a empréstimos e créditos, tem que haver avaliação do risco. O estado em que a nossa banca se encontra, a transbordar de crédito mal parado, isto é, em que emprestou dinheiro sem avaliar o risco (rating) e exigir garantias proporcionais a esse risco, é a prova de que deveriam estar a generalizar o uso de ratings e não a contesta-los! Se não se generalizar o uso dos ratings, temos as condições criadas para que as crises na banca se voltem a repetir!

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