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Eutanásia. Ordem dos Médicos admite consulta sobre código deontológico

18 fev, 2016 - 00:23

Bastonário defende não ser possível alterar o Código "numa questão tão fracturante" sem ouvir os profissionais. A Ordem está a organizar vários debates sobre o tema.

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O bastonário da Ordem dos Médicos (OM) admite a necessidade de realizar uma consulta junto da classe para uma eventual alteração ao código deontológico, caso seja despenalizada a eutanásia.

"Não é possível alterar o Código Deontológico numa questão tão fracturante sem ouvir os médicos", afirmou José Manuel Silva à agência Lusa.

O dirigente da OM considera importante ouvir a classe, mas defende que, antes disso, é necessário alargar o debate da questão.

A Ordem está a organizar um ciclo de reflexões sobre a questão. A primeira ocorreu, esta quarta-feira, com o tema “Fim de vida: poder decidir”.

Caso haja necessidade de adequar o Código Deontológico a uma alteração legislativa que permita a morte assistida a pedido, o passo necessário será a realização de um referendo, admitiu.

No debate sobre eutanásia, o oncologista Jorge Espírito Santo foi um dos que defendeu que o tema tem de ser debatido internamento pelos médicos, que estão formatados para salvar vidas e ajudar a morrer com dignidade.

Precisam-se bons cuidados paliativos

O especialista defendeu que os cuidados paliativos "não servem a toda a gente", considerando que a eutanásia deve ser uma escolha individual permitida. "A grande maioria dos problemas é resolvida com bons cuidados paliativos. Mas há pessoas que não aceitam em consciência as limitações e colocam a questão da morte aos seus médicos assistentes. São casos e situações excepcionais mas existem", declarou.

Também o neurologista e médico intensivista Pedro Ponce sublinhou que os cuidados paliativos "nem sempre têm sucesso absoluto", lembrando ainda que os paliativos de qualidade não chegam à maior parte da população portuguesa, não sendo expectável que isso aconteça nos próximos anos.

O médico citou dados do Estado norte-americano de Oregon, que demonstram que, com cuidados paliativos de excepção, 46 % dos candidatos a suicídio assistido vieram a desistir dessa opção, havendo uma fatia considerável que manteve a intenção de pôr fim à vida.

"Mesmo sendo de grande sucesso, [os cuidados paliativos] não são realmente a resposta para todos", argumentou.

Uma linha vermelha

Em contraponto, a médica de cuidados paliativos e deputada do CDS-PP, Isabel Galriça Neto, sublinhou que os cuidados paliativos intervêm directamente no sofrimento "não deixando que ele se torne insuportável".

Para esta especialista, a eutanásia ou suicídio assistido é uma intervenção que "termina com a vida e não com o sofrimento".

"Para mim, é uma linha vermelha. Como médica, acho que a sociedade espera que ajude a viver e a morrer com o máximo de dignidade mas não quero ajudar a matar", declarou.

O debate na Ordem dos Médicos foi promovido depois de o tema da eutanásia estar no centro da discussão em alguns sectores da sociedade, após a divulgação de um manifesto assinado por mais de 100 personalidades que defendem a despenalização da morte assistida.

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  • Leonel Cardeira
    18 fev, 2016 Lisboa 09:15
    O perigo da Eutanásia Exmo Sr Director O Sol divulga múltiplas opiniões que defendem não só a correcção da Eurtanásia como a sua institucionalização, utilizando os médicos como agentes mais habilitados para a sua execução. Compreendo o apelo moral que diferentes situações , como o sofrimento, a perspectiva de morte ou mesmo a ideia da " pessoa não inteira" (e,por isso,segundo alguns indigna!) despertam. Mas, em abono do contraditório, permita- me expressar uma opinião recusando esta campanha, pretensamente moderna ,de defesa da Eutanásia. Historicamente todos sabemos que a mesma tem sido praticada em diversas épocas e em diversas sociedades. Todavia a sua defesa actual evoca questões de liberdade individual, aliás confundindo autodeterminação com liberdade de agir fora de um quadro moral ou confundindo consciência individual com relativismo moral, apelando estes seus defensores a que o mundo contemporâneo tem de se habituar ao valor da livre escolha e que a morte deve pertencer a cada um (Penso que se referem ao determinismo da morte!). Não pretendo impôr mas igualmente recuso que me imponham decisões morais. Mas a aceitação, aparentemente benévola, da Eutanásia e, pior ainda, a sua institucionalização médica ultrapassado a liberdade individual do suicídio tem enormes perigos porque, de facto, transforma o fim de vida num imperativo social, acabando alguns (a família?os médicos? Os burocratas? Os funcionários do estado?) a determinar a morte dos mais frágeis que, actualmente, pensam estar a defender a sua liberdade individual! Num extremismo de arrogância intelectual, alguns deputados da Nação até defendem a existência do direito à morte como um direito aceite e inquestionável! Recusam, por esta razão sem justificativo (caso contrário seria um direito sem objecto protegido e que determinaria a obrigação de morrer por razões que, necessáriamente, seriam também sociais), que a Eutanásia seja objecto de um referendo. Tal certamente não acontece na nossa sociedade que considera o suicídio um mal e que não poupa esforços à sua prevenção, interpretando a sua ocorrência como um sofrimento pessoal e social. Para além do alívio do sofrimento psíquico e físico inerente ao processo de morrer, deveremos escolher o momento para morrer, até antecipando situações que o próprio considere inaceitáveis? Este é o verdadeiro conceito de Eutanásia - a morte como solução - até porque o alívio do sofrimento que decorre da compaixão humana, já fundamenta a Medicina e é já objecto dos cuidados ditos paliativos, para além de outras respostas de carácter espiritual que a Humanidade construíu ao longo da sua história. Mas este conceito de Eutanásia é incompatível com o fardo de sermos sujeitos morais, detentores de obrigações e direitos. Necessáriamente limitados pela própria natureza falível da razão moral, não podemos deixar de defender que o principio prudêncial mais importante, no que se refere ao respeito pela vida humana, é recusar ser interveniente no determinismo da Morte, até pelo simples facto de ser esta atitude o único impedimento a que o direito à vida passe a ser contigente e objecto de permanente violação. Não discutimos que qual seja capaz de se matar, isto é uma evidência incontestável. O que devemos recusar é a defesa da sua virtude moral, confundida muitas vezes com a defesa de uma autonomia irrestrita, impossível em qualquer sociedade. Porque, ao aceitarmos que existe o direito moral a que cada um decida pôr termo à vida, iremos inevitavelmente criar as instituições que o deverão facilitar - será certamente mais correcto prestar auxílio a um acto moralmente bom do que, ao recusá-lo, dificultar ou impedir a sua concretização! Por absurdo que pareça não será esta uma sociedade da compaixão mas uma sociedade que promoverá a morte e legislará sobre o seu determinismo, assumindo institucionalmente a existência de autoridades que melhor o decidirão, aliás como fica provado nos países que permitem a Eutanásia e onde a mesma já não necessita do pedido do próprio. Concluindo, aqueles que pretendem, ao defender a Eutanásia, um controlo da vida e pretensamente da sua própria morte, irão ficar sujeitos ao juízo de terceiros que determinarão porquê,quando e como deverá a sua vida terminar. Mas se quisermos ir mais além considero a Eutanásia um erro moral! Existem alguns que consideram que a vida deve ser sujeita a parâmetros de qualidade!Isto é, existem vidas em que "a qualidade" é tão má que, além da natural compaixão por estas pessoas, teremos a obrigação moral de contribuir para acabar com tal situação, de preferência matando-as a seu pedido! Apesar de subjectivo, todos qualificamos depreciativamente certas vidas como a do doente vegetativo, do deficiente profundo , ou do demente irreversível . E, assim, a Eutanásia será, mais de uma aceitação moral, o institucionalizar duma morte, duma Morte que aceitamos como BOA. Não discutindo a possibilidade de a morte ser boa nestas circunstâncias teremos, para tal, de destruir toda a construção moral de protecção dos mais fracos e do valor intrínseco da vida humana que caracterizam a nossa civilização. Direitos que tão laboriosamente foram defendidos, actualmente quase universalmente aceites e que estão consubstanciados em múltiplos documentos, marcos da nossa própria civilização e que, deste modo,terão que ser rasgados. O primeiro e mais fundamental de todos é o direito à vida. Poderemos violar este nosso direito? Ou, dito de outra forma, será este direito alienável pelo próprio? Caso tal não seja possível, será inconsequente discutir se a autonomia do agente moral- o ser humano- pode ser irrestrita. Isto é, se pode decidir o momento de morrer, violando o direito à vida, até porque não existe um direito à morte, por antinatural. Aliás, esta será a discussão moral do suicídio. Relembro Albert Camus quando considerou que, a existir um problema moral, seria o do suicídio. O suicídio como expressão do principio da autonomia individual é moralmente correcto? A autonomia será um valor absoluto? Podemos dispôr da nossa vida como a derradeira atitude de dignidade? Ou, pelo contrário, existirão limites impostos pela mesma dignidade (isto é, a dignidade da vida humana) e a autonomia individual não permite dispôr da nossa própria vida! Certamente a origem da vida não foi resultante da nossa própria vontade, mas podemos determinar o seu fim. Isto é um facto. Independentemente deste realismo, sabendo que os factos , por si só, não impõem valores morais e, se nos é vedado dispôr das vidas dos outros, será moralmente aceitável dispôr da nossa própria vida? Este acto violará o conceito da dignidade da vida humana? Este conceito que apresenta um caracter único, um valor especial que a nós próprios atribuímos quando constatamos que somos a única espécie de vida que possuí uma perspectiva moral das consequências das suas acções. Agimos submetidos a conceitos do bem e do mal. Esta responsabilidade e as obrigações que daqui emergem implicam que determinados actos, como o do suicídio, ultrapassem o individual e revelem um aspecto social , mesmo simbólico, que não pode ser desprezado. Ao terminar voluntariamente com a própria vida, independentemente das razões aduzidas, assume o suicida que esta só tem valor para o próprio, o que não é verdade. Assume o direito de dispôr da mesma ao ajuizar que existirá uma vida que não vale a pena viver. Em relação a juízos da qualidade de vida aceito que só o próprio o pode fazer. Mas, se concordar com esta justificação, necessariamente o valor da vida humana passará a ser de caracter instrumental, possibilitando a emergência de valores sociais que, negando o indeterminismo da morte individual, aceitarão que a mesma seja promovida quando a vida deixar de fazer sentido, de valer a pena viver, com o perigo de tornar o suicídio um imperativo moral. Este, numa sociedade idealmente aberta poderia depender, eventualmente, sómente do juízo individual mas , numa sociedade menos crítica ou menos livre, passará a ser determinado por outros. A possibilidade de decidir pela morte, mesmo que seja numa sociedade livre e que tal pareça presumivelmente melhor para quem a assume, nunca resultará neutra. A mera existência da mesma promove a decisão de optar pelo suicídio, porque a continuação desta vida se fará sentir não só como um peso para o próprio mas como um fardo para a sociedade. De facto, os valores para serem valores morais tem que ser universais , intemporais e descobertos pela nossa razão critica e o valor da vida, se não a queremos disponível e instrumentalizável, tem que ser moralmente indisponível, mesmo para o próprio, porque esta aceitação da inviolabilidade da vida humana, mais que não seja, terá um valor prudêncial e todos, mesmo os suicidas, podem errar irreversivelmente. Todavia, na vida real e perante um acto tão radical e absoluto, apesar de concluirmos que possa ser moralmente incorrecto, habitualmente ficamos imersos na tragédia sentindo a inutilidade de expressar qualquer censura moral, aliás inconsequente relativamente ao caso concreto. Censura moral absolutamente errada na maior parte dos suicídios que, creio , resultam de actos de desespero e de perturbação do juízo critico do próprio suicida. O suicídio "filosófico" em que pretensamente alguns enquadram a discussão da Eutanásia , a existir, será a excepção! E sim, será este o que merece a nossa reprovação porque a sua aceitação abre portas a uma sociedade, mais que respeitadora da liberdade individual ou da consciência individual, será uma em que a vida só terá valor instrumental e se útil para a sociedade! Concluindo, uma sociedade de imposição, de formigas mas não de seres humanos. Leonel Cardeira Médico Lisboa,Fevereiro de 2016

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